Porque o fado também é moda, o MUDE – Museu do Design e da Moda e o Museu do Fado apresentam Com Esta Voz Me Visto – O Fado na Moda, uma mostra que propõe um olhar sobre os trajes e acessórios que vestiram, e vestem, a “canção de Lisboa” desde os anos 40 do século passado. Inevitavelmente, o destaque maior da exposição vai para os vestidos de Amália, a fadista que reuniu à voz espantosa a importância da imagem, derrubando, nas palavras de Bárbara Coutinho, diretora do MUDE, “uma série de estereótipos, enquanto [se] afirma como uma mulher independente e emancipada, moderna e segura de si, atenta às novas modas e detentora de uma sensibilidade inata, elegante e sofisticada, plena de feminilidade.”
A marca de Amália nessa rutura acontece precisamente na predominância do negro no vestuário. Mais de uma dezenas de vestidos pretos, com ornamentações subtis e de extrema elegância, caracterizam a maioria das peças da fadista agora expostas, provenientes sobretudo do acervo do Museu Nacional do Teatro e da Fundação Amália Rodrigues.
Como sublinha a diretora do Museu do Fado, Sara Pereira, nos retratos de inícios de quarenta, Amália surgia normalmente “vestida com uma blusa branca, saia e xaile tradicionais”. Posteriormente, a adoção do preto tornou-se imagem de marca da fadista que confessava não ter dúvidas “que o vestido preto com o xaile preto que comecei a usar, deu uma presença mais agradável ao fado.”
A construção dessa imagem, ainda hoje tão vincada como é possível perceber no núcleo dedicado às fadistas da nova geração, deveu-se sobretudo a três mulheres: Anna Maravilhas, Maria-Thereza Mimoso e, mais tarde, Ilda Aleixo, com quem a fadista idealizou inúmeros figurinos. Ao longo das décadas, foram estas mulheres que criaram para Amália uma imagem que tanto contribuiu para fazer dela, citando Sara Pereira, “a Voz mais universal da nossa identidade”.
Mas, não se pense que a cor não tem lugar no espólio de Amália. Na sua versatilidade de intérprete, a fadista atuava muitas vezes, nas primeiras partes dos espetáculos que eram dedicadas ao folclore, com vestidos mais garridos e vivos, como é o caso daquele que encomendou a Pinto de Campos, inspirado em motivos regionais, para uma atuação no Lincoln Center de Nova Iorque, em 1966. A propósito dessa peça magnífica, também presente nesta mostra, Sara Pereira relembra que essa quebra na utilização do negro se deveu a uma sugestão do maestro Andre Kostelanetz “que lhe recomendou que não usasse preto, à frente de uma orquestra com todos os músicos vestidos de preto.”
O renascimento do fado e a sua projeção internacional na década de 1990, acabaria por proporcionar uma reinvenção da sua própria imagem. Mísia, com a sua irreverência e sofisticação, e Paulo Bragança, com uma “transmutação estilística total”, surgem como os primeiros representantes dessa mudança. As fadistas da nova geração, como Mariza, Ana Moura, Carminho ou Aldina Duarte “atestam um cuidado renovado com a imagem”. Ao longo da exposição é possível compreender esse percurso, como se as peças de João Rôlo, José António Tenente, Fátima Lopes, Ana Salazar ou Luís Buchinho para as atuais estrelas do fado se tornassem extensões das suas próprias vozes.
Em Com Esta Voz me Visto expõem-se ainda alguns acessórios marcantes para a história do fado, sublinhando-se a icónica boina e o cachené de Alfredo Marceneiro, o Cristo em ouro e diamantes de Rodrigo ou as chinelas que Tiago Cardoso fez para Raquel Tavares que tinham como referência a iconografia associada a Severa.
O que o atraiu neste filme do realizador Bille August?
Já tinha trabalhado com Billie August no filme Casa dos Espíritos. É um realizador muito gentil, interessante e atencioso. Sabe o caminho a seguir, é alguém em quem podemos confiar. É muito bom poder trabalhar com uma pessoa de quem realmente se gosta.
Adaptar um livro com sucesso ao cinema é sempre uma tarefa difícil. O que acha que os leitores do livro esperam do filme?
Adaptar um livro ao cinema é de facto muito difícil. O filme parece que nunca vai estar ao nível do livro. Claro que há romances, como Anna Karenina ou Dr. Jivago, que os leitores pensam: ainda bem que podemos ver o filme, o livro é tão grande. Acho que no caso do Comboio Noturno para Lisboa, o romance não é tão denso, e é mais fácil de se captar o espírito do livro. Espero que neste caso haja muitos espetadores que vejam o filme e queiram ler o livro.
A sua personagem, Raimund, é um homem solitário. Gabriel García Marquez disse que “a solidão é o contrário de solidariedade”. Acha que a solidão é um problema persistente da nossa sociedade?
Sim, acho que a solidão é um problema, principalmente das grandes cidades. Penso que quanto mais concentrados estamos, quanto mais barulho e informação nos rodeia maior é a necessidade de nos isolarmos. No campo as pessoas respiram de outra forma. As casas têm mais espaço e o meio envolvente é amplo. Isso permite uma maior abertura por parte das pessoas, mais convívio e uma menor necessidade de isolamento.
Já esteve em Lisboa várias vezes. Há algo em particular que o faça gostar da cidade?
Gosto bastante de Lisboa. É uma cidade com história e isso faz dela necessariamente uma cidade interessante. Fascina-me o facto de muita gente, essencialmente idosos, conseguir viver em casas muito antigas e degradadas (desmoronamento), mas muito belas, no centro da cidade por uma renda razoável. Sinto que estas pessoas fazem de Lisboa uma cidade habitada. Desta vez descobri o fado, e gostei bastante. Sou um grande apreciador de música irlandesa e encontrei algumas semelhanças com o fado.
O que pode esperar o público português do filme?
Espero que o filme permita ao público conhecer um pouco melhor determinados aspetos da sua história. Espero que faça com que se sintam orgulhosos por serem portugueses.
Existem novos projetos para breve?
Para já há mais uma série dos Bórgia. Tenho também alguns guiões. No entretanto, espero fazer uma série de coisas como montar a cavalo, passear de barco, arranjar partes da casa que precisam de pintura, viver um pouco.
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