Dirigindo-se ao público, André Amálio começa por prometer um espetáculo diferente de todos os que dirigiu anteriormente. “Este não é político. Este é sobre o amor!”, anuncia. De seguida, cada um dos intérpretes elenca como vai demonstrar o amor em cena e começa por apresenta “o seu amor” – seja ele um pai, no caso de Júlio Mesquita, ou a companheira, no caso do próprio Amálio. Tudo porque, parafraseando o filósofo esloveno Srecko Horvat, “o amor é revolução”. Sempre, e em que circustância for, “a nossa revolução.”
Mas, “revolução” é um conceito político, não é? “Trata-se de uma falsa premissa que decidimos lançar, porque aquilo que realmente nos importa é dar a entender que todo o amor é político”, esclarece Amálio. Político porque, acredita, “todas as histórias de amor o são.”

Será precisamente nesse sentido que Amores Pós-Coloniais avança, começando por fazer ecoar entrevistas a ex-combatentes da Guerra Colonial que tiveram filhos com mulheres africanas negras durante o conflito, seguindo pelas memórias de portuguesas brancas que viveram histórias de amor com ativistas africanos (como Agostinho Neto e Amílcar Cabral) ou dando voz a testemunhos dos filhos resultantes de relações interraciais.
Porém, o mosaico que Amálio e a sua companheira e parceira criativa Tereza Havlíčková constroem, vai ainda mais além. O império acabou e vivemos, desde o final do fascismo, um período pós-colonial, embora subsista ainda uma colonização do pensamento e dos comportamentos. Torna-se particularmente pungente escutar os testemunhos de hoje, nomeadamente dos atores negros em cena (Júlio Mesquita, Laurinda Chiungue e Romi Anauel), todos nascidos após o 25 de Abril, mas ainda marcados pela herança nefasta de quase 500 anos de história que teimamos em mascarar. Afinal, pergunta-nos Amálio, “o que terá sido mais marcante na história deste país: a descoberta do caminho marítimo para a Índia ou o início do colonialismo e do tráfico de escravos no Atlântico?”

Se, por um lado, Amores Pós-Coloniais é um objeto de denúncia, assumidamente ativista e político, por outro, é indiscutivelmente um espetáculo sobre o amor. Apesar de toda a gravidade que paira quando se tocam estes temas, é também festivo, e como tal não faltam a música, a dança e a gastronomia. Festeje-se então o amor que é “a nossa revolução”, como se escuta a dado momento. Porque, como se torna implícito, só o amor pode conduzir à descolonização que ainda está por fazer. Aqui, em Portugal; agora, neste ano de 2019.
No palco da Comuna reúne-se um elenco inteiramente feminino para levar à cena o Hamlet de William Shakespeare, quase 500 anos depois da primeira encenação da peça, quando em pleno período isabelino apenas aos homens era permitido subir ao palco. Para este “projeto transgressor”, o encenador Hugo Franco pega na (academicamente) controversa, mas a todos os níveis belíssima, tradução de Sophia de Mello Breyner Andresen, depura o texto e entrega a Maria Ana Filipe, Margarida Cardeal, Diana Costa e Silva, Mónica Garnel, Tânia Alves, Lia Carvalho e Custódia Gallego, as personagens centrais da tragédia.
“Interessou-me perceber como é que aquelas palavras que parecem conter toda a essência do amor e do ódio, e tanta, mas tanta paixão, poderiam ser ditas por mulheres”, explica Hugo Franco. “E aquilo que descobri ao longo dos ensaios foi que, ao entregar as personagens de Hamlet a um elenco feminino, essas palavras tornaram-se ainda mais humanas” acrescenta, não deixando de sublinhar que, pessoalmente, acha inigualável “a sensibilidade a que uma atriz se entrega quando as diz.”
Independentemente do género da personagem interpretada (de facto, apenas Custódia Gallego e Lia Carvalho encarnam personagens femininas), são sempre mulheres que vemos em palco. “Não pretendi que houvesse qualquer traço de masculinização das personagens. São elas a ser Hamlet, a ser Cláudio ou Polónio, com figurinos que não lhes conferem qualquer outra característica que não a de serem mulheres a representar aqueles papéis.”
Cabe a Maria Ana Filipe interpretar Hamlet. Segundo a atriz, “o que importa é deixar que o texto nos atravesse, e não o facto de estar a representar um personagem masculino”. Margarida Cardeal, que representa Cláudio, o tio usurpador de Hamlet, tem opinião semelhante, mas ressalva nunca se sentir a representar um Rei, nem mesmo uma Rainha. “Afinal, uma mulher é sempre uma mulher”, salienta a atriz.
Para além do género, Hugo Franco inclui uma outra “transgressão” nesta sua visão da peça de Shakespeare. Para interpretar Ofélia, a apaixonada do protagonista, o encenador escolheu Custódia Gallego, a mais velha das atrizes do elenco. “Aquilo que pretendia de Ofélia, aquele misto de tesão e afeto, de paixão e sentido trágico, só me poderia ser dado por uma atriz mais velha e com a capacidade de dar uma força suplementar a uma personagem tão marcante.”
HAMLET(a) pela Comuna Teatro de Pesquisa
HAMLET(a)Nota do EncenadorSer ou não ser…?É uma questão que me inquieta e Inquietar-nos é uma das funções do Teatro.A minha proposta para esta encenação foi a de TRANSGREDIR, quero muito TRANSGREDIR.Há muito tempo que tenho esta ideia de fazer um "Hamlet" em que todas as personagens são interpretadas por mulheres, situação essa que seria impossível na altura em que a peça foi escrita (séc.XVII), pois nesse tempo as mulheres estavam proibidas de representar .O que me interessou neste processo de criação foi a abordagem ao texto por parte das actrizes: as questões que daí surgiram, questões de género (claro), e também questões filosóficas mas, acima de tudo, o meu intuito sempre foi o de contar esta história que está para além do género. Este texto representado por mulheres tem, sem dúvida, uma pulsão diferente. E é essa diferença que me interessa. Mas que diferença é essa? O amor de Hamlet pelo Pai é diferente quando representado por uma mulher? A amizade de Horácio por Hamlet é diferente quando é representado por uma mulher? Mais do que um género, estas questões são essenciais à humanidade.Nesta tragédia temos amor, assassinato, traição, ódio, vingança – sentimentos transversais da natureza humana, sentimentos que não têm género…SER OU NÃO SER?O Verbo SER não é feminino nem masculino. É irregular.É próprio da natureza humana a busca pela felicidade, eu busco a felicidade a fazer teatro.Viva o Teatro!!!Hugo Francocreditos_Eduardo Breda
Posted by Teatro da Comuna on Friday, 1 February 2019
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Para além do masculino ou do feminino
O percurso das peças de Shakespeare nos palcos tem sido profícuo em ultrapassar toda e qualquer questão de género. Basta lembrar, como já sublinhámos, que na Inglaterra isabelina apenas aos homens era permitido atuar num palco, por isso, a primeira vez que um mortal teve o privilégio de tomar contacto com a beleza da “alma suicida” de Ofélia foi no corpo de um homem. O mesmo se poderia dizer da Julieta que conquistou o coração de Romeu, ou da Rosalinda (que até chegou a ser homem) de As You Like It, para alguns a mais hamletiana das personagens femininas de Shakespeare.

Fora dos textos para palco, imagine uma teoria diferente para abordar a temática do masculino e feminino em Shakespeare, tal como Oscar Wilde o fez. Em O Retrato de Mr. W.H., o autor irlandês avançou com a tese provocadora de que a enigmática dedicatória feita por Shakespeare nos seus sonetos era dedicada a Willie Hughes, um jovem ator da sua companhia especializado em papéis femininos. Seria o senhor W.H. o misterioso Fair Youth, protagonista dos primeiros 126 sonetos?
Universais e simplesmente humanos
Será difícil aferir se no mundo, e ao longo dos tempos, Hamlet terá sido ou não interpretado somente por mulheres. Se ainda não aconteceu, o encenador Hugo Franco e o Teatro da Comuna tornam-se pioneiros na direção de um Hamlet “com pulsão totalmente feminina”. No entanto, na história do teatro, grandes atrizes subiram ao palco para interpretar os heróis do teatro shakespeariano, acreditando em personagens universais e simplesmente humanas, à prova de poderem ser reduzidas meramente ao masculino ou ao feminino.

O exemplo mais famoso é o de Sarah Bernhardt que, em 1899, estrearia em Paris um Hamlet por si protagonizado. Embora assumindo (como se escreveu em jornais da época) “uma masculinidade engenhosa”, Bernhardt rasgava o cânone – muito embora atrizes de inferior gabarito já tivessem interpretado o papel antes da diva francesa – e seria aplaudida no país natal do Bardo, atuando mesmo em Stratford, no Shakespeare Memorial Theatre. Mais recentemente, sem optar pela masculinização da personagem, atrizes como Frances de la Tour e Maxine Peake também encarnaram o papel do jovem Hamlet.
Gonçalo Couceiro Feio
A Guerra no Renascimento
Durante o Renascimento, a arte militar ocidental sofreu profundas alterações: os exércitos tornaram-se maiores e mais centralizados, assistiu-se a uma generalização das armas de fogo, a logística tornou-se mais sofisticada e a instrução mais cuidadosa e regulamentada. De que forma Portugal se adaptou a estas alterações de modo a criar forças militares que correspondessem à nova realidade? Gonçalo Couceiro Feio, investigador no Centro de História da Universidade de Lisboa, explica como Portugal se adaptou a estes novos requisitos, como funcionava a máquina militar – o recrutamento, a instrução, a disciplina a remuneração do serviço militar, a logística, o armamento –, qual era o perfil dos soldados e comandantes portugueses e de que forma foi feita a transferência de saberes e permuta cultural entre as forças militares portuguesas e outras de várias nacionalidades. Uma obra fundamental para conhecer a História Militar portuguesa na época de D. Manuel I a Felipe II.
A Esfera dos Livros
Milan Kundera
Os Testamentos Tráidos
O presente ensaio tem como tema principal a arte do romance. Kundera, defensor apaixonado dos direitos morais do artista e do respeito devido às obras de arte e aos desejos dos seus criadores, produz uma fascinante meditação sobre a necessidade de preservar o trabalho dos artistas das avaliações destrutivas. Assim, Stravinsky e Kafka surgem-nos “avaliados” pelos seus curiosos amigos Ansermet e Max Brod, e Hemingway pelo seu biógrafo Jeffrey Meyers. Kundera examina os grandes processos morais erguidos contra arte do século de Céline a Maiakosvski. Desenvolve os temas do humor como “grande invenção do espírito moderno” ligada ao nascimento do romance, a misteriosa ligação entre romance e música ou a defesa do romance como “território em que se suspende a moral”. Aborda ainda outras questões relevantes da nossa época. Refletindo sobre “o uivo extático” do rock que se apoderou do mundo, interroga-se: “Quererá o século esquecer as suas utopias soçobradas no horror? Esquecer a sua arte? Uma arte que pela sua subtileza, pela sua vã complexidade, irrita os povos, ofende a democracia?”
Dom Quixote
José Cardoso Pires
Lisboa –- Livro de Bordo
“Cada um tem uma lisboa pessoal”, era uma frase de José Cardoso Pires. Nesta sua obra escreve: “ninguém poderá conhecer uma cidade se não a souber interrogar, interrogando-se a si mesmo. Ou seja, senão tentar por conta própria os acasos que a tornam imprevisível e lhe dão o mistério da unidade mais dela”. Por isso, este não é um livro para os que praticam as vias-sacras dos monumentos, os labirintos de roteiro ou para os viajantes de museu. É uma rota atenta à luz e às cores, aos cheiros e às vozes, ao humor, ao tom, à sintaxe e aos gestos, “registos inconfundíveis do espirito do lugar”. O autor evoca as antigas tertúlias das letras e da política nos cafés do Rossio, a cor de lisboa na pintura de Bernardo Marques, Carlos Botelho, Abel Manta ou Vieira da Silva, e os bares da capital (“cada bebedor tem o seu mapa, cada mapa os seus portos”). Elege a geografia cultural do Chiado como o local que define Lisboa e, ao recordar a ferida aberta do incêndio de 1988, questiona-se: “Quando estas cicatrizes tiverem fechado, como será este rosto de mim mesmo?”
Relógio D’Água
Carlos Morais José
O Arquivo das Confissões – Bernardo Vasques e a Inveja
Os jesuítas de Macau terão criado no século XVI um secreto Arquivo das Confissões para melhor estudarem os meandros das almas dos crentes e, desse modo, adquirirem uma compreensão mais vasta da natureza humana. Para entenderem o que terá levado esses homens a cometer tão grande pecado e arriscar penas eternas. O livro gira em volta da leitura de um desses documentos que narra a história do homem que, devorado pela Inveja, roubou na Ilha de Moçambique um livro de versos ao maior poeta português da sua época. Absorvido pela obra e pelo crime, empreende uma estranha viagem pelos confins da Ásia, que o levará, de infâmia em infâmia, até aos pés de um confessor, na Igreja da Madre de Deus, em Macau, onde procura a absolvição e o esquecimento. Inspirada no roubo de Parnaso, manuscrito do poeta Luís de Camões que desapareceu na Ilha de Moçambique, esta obra tece uma admirável reflexão em torno do sentimento da inveja – “paixão retorcida, deusa esverdeada, aguilhão da História” – e dos seus efeitos devastadores.
Arranha-céus
Natália Correia
Entre a Raíz e a Utopia
“Nenhuma sociedade pode ser grande sem grandes homens”, escreveu o filósofo Bertrand Russel, frase escolhida para a epígrafe desta publicação. O grande homem a quem este livro é dedicado é o pensador, pedagogo, ensaísta e cooperativista António Sérgio; a grande mulher a é sua autora, a poetisa Natália Correia. Este conjunto de documentos, na sua maioria inéditos, corresponde a pelo menos doze anos (1946-1958) de uma relação de profunda cumplicidade e de luta pelos ideais universais, vivida entre Natália Correia e António Sérgio (1883-1969). Um encontro entre dois grandes vultos da cultura portuguesa do século XX, sob o signo da fraternidade humana e da paz ou, segundo as palavras de Sérgio, na viva esperança de um cooperativismo integral enquanto libérrima anunciação profética de uma humanidade diversa da que temos hoje.
Ponto de Fuga
Romana Romanyshyn e Andriy Lesiv
Alto, baixo, Num Sussurro
Um verdadeiro catálogo ilustrado de sons! No princípio tudo era silêncio. Porém, um dia o universo encheu-se de sons. Sons agradáveis, a música ou os sons da natureza, e sons desagradáveis, a poluição sonora. Sons que ouvimos e sons que não ouvimos. Alguns animais ouvem sons num especto mais amplo que os humanos (as baleias ou os golfinhos comunicam com ultrassons, os morcegos guincham no espectro ultrassónico para se orientarem). O nosso corpo produz a sua própria música com uma grande diversidade de sons (uns mais convenientes que outros!). Este belíssimo livro, Prémio Bologna Raggazzi 2018 – Não Ficção, apresenta-nos as diferentes sonoridades que existem, chamando a atenção para a importância do silêncio e para necessidade de ouvir e escutar o outro. Por vezes sem usar palavras, nem sons. A escritora Romana Romanyshyn e o ilustrador Andriy Lesiv nasceram em 1984, na Ucrânia. Depois de se licenciarem na Academia Nacional de Arte de Lviv, fundaram o estúdio gráfico Agrafka. Formam uma inventiva e premiada dupla de autores de literatura infanto-juvenil.
Orfeu Negro
2019 é ano do centenário do falecimento do homem que passou à história como o pai da Olisipografia, Júlio de Castilho. Natural de Lisboa, onde nasceu a 30 de abril de 1840, Castilho frequentou a Universidade de Coimbra, onde tirou o Curso Superior de Letras. Ao longo da sua vida afirmou-se como um intelectual destacado do seu tempo, dedicando-se à escrita, investigação, jornalismo, política, crítica literária e docência, chegando a ser nomeado professor de História e Literatura portuguesa do Infante D. Luís. Foi também diplomata, exercendo as funções de Cônsul Honorário de Portugal em Zanzibar, na atual Tanzânia.
No que concerne à cidade de Lisboa, foi um estudioso pioneiro que publicou várias obras de referência tais como Lisboa Antiga (O Bairro Alto), em 1879 e Lisboa Antiga (Bairros Orientais) de 1884 a 1890, e fundador da moderna Olisipografia, actualizando-a na teoria e metodologia. O seu legado bibliográfico é composto por um vasto conjunto de obras, artigos e ensaios da maior relevância cultural e patrimonial sobre Lisboa, bem como um lote de discípulos que continuaram a investigar o conhecimento arqueológico, histórico e artístico da cidade.
Para celebrar a efeméride, a Câmara Municipal de Lisboa – Pelouro da Cultura, através da Direção Municipal de Cultura e da EGEAC, em colaboração com a família do homenageado e outras instituições públicas e privadas, criou um programa transversal de actividades culturais e educativas sobre a vida e obra de Júlio de Castilho.
Este programa decorre desde fevereiro e terminará em novembro de 2019, com os seguintes eventos:
Júlio de Castilho e o Acaso da Olisipografia
Exposição no Museu de Lisboa – Palácio Pimenta
Até 19 maio
Augusto Vieira da Silva – a régua e o compasso na continuação dos estudos de Júlio de Castilho
Por Elisabete Gama
Gabinete de Estudos Olisiponenses
27 de março, 18 horas
Júlio de Castilho, Um Olhar
Conferência de Pedro Bebiano Braga
Grémio Literário
7 de maio 19h
Júlio de Castilho, Vida e Obra
III Colóquio de Olisipografia
Teatro Aberto
21 a 23 de novembro
Lisboa de Júlio de Castilho
Roteiro Histórico
Percurso de autocarro por vários locais de Lisboa
23 novembro, às 10h
Júlio de Castilho
Dossier Digital
Disponibilização de bibliografia ativa e passiva na coleção da Hemeroteca Digital
Há uns anos, quando decidiu começar a escrever para teatro, Rui Neto descobriu um velho fascículo abandonado numa prateleira de livros dos seus pais. Ali jazia, tão incógnito, um pequeno conto inacabado do grande escritor russo Dostoievski. Chamava-se KroKodil e narrava a insólita e terrível história de Ivan, que durante um passeio pelo jardim zoológico de São Petersburgo foi devorado de um só trago por um enorme crocodilo albino. Desengane-se quem crê que tal “extraordinário acontecimento” tenha levado Ivan a encontrar a morte. Pelo contrário, o homem sobreviveu intacto, e Neto descobriu que poderia acrescentar mais do que um ponto e completar o que falta do conto.
“Digamos que tomei a liberdade de prosseguir a história que Dostoievski não completou”, esclarece o autor e encenador. “Decidi tornar o aparentemente terrível destino de Ivan no grande motivo de atração do parque”. E, assim, surgiram nesta “extensão do conto” as tão pérfidas personagens do banqueiro, do economista e do político que vão lançar os dados e decidir que “mais vale o lucro gerado pela nova atração do que a salvação do homem”. Tudo normal, portanto.

Então Ivan, esse sonhador que ambicionava explorar as Galápagos tal como Darwin, e tinha como consorte uma bela companheira obcecada por uma viagem a Paris, lá acabou encarcerado na boca do crocodilo. Mas será que para ele foi assim tão terrível o destino?
Entre o surreal, o grotesco e o absurdo, O Crocodilo ou o extraordinário acontecimento irrelevante é um delicioso espetáculo sobre um homem banal que ganha a importância que nunca esperou. Um homem simples, “quase uma criança”, abandonado num mundo em que, a cada momento, “um acontecimento extraordinário depressa se torna irrelevante.”
“A vós, voluptuosos de todas as idades e sexos, só a vós ofereço esta obra”, escreveu o Marquês de Sade, em tom de dedicatória, a abrir A Filosofia na Alcova. Mais do que um clássico da literatura erótica, espécie de versão mitigada, e até didática, de outros livros mais enigmáticos e radicais do autor (como Justine ou Os 120 Dias de Sodoma), a obra é, simultaneamente, uma antologia da libertinagem e um tratado filosófico de raiz republicana, anticlerical e anticristã.
Sem olhar a conceções moralizantes, assumindo a linguagem direta que caracteriza a escrita de Sade, Martim Pedroso dirige um espetáculo que pode ser entendido como “uma provocação, mas não gratuita, face a tantos temas que a nossa sociedade teima em não resolver, como o culto do patriarcado, a heteronormatividade, a descriminação daquilo que é diferente aos olhos dos princípios judaico-cristãos.”

À semelhança de Sade, como se construísse um manifesto sobre a liberdade em tempos de “censuras subtis”, Pedroso faz corresponder a cada uma das letras de B-o-u-d-o-i-r (alcova ou quarto de senhora, especificamente destinado para receções intimas) uma visão sobre os sete diálogos do texto original. Com muito humor e irreverência, num ambiente de cabaret, e emprestando ao elenco fortes traços de burlesco, o público acompanha a viagem iniciática, sem limites nem tabus, que a ingénua Eugénia (Margarida Bakker) empreende sob condução da “voluptuosa” Senhora de Saint-Ange (Maria João Abreu) e do “cínico” Dolmancé (João Gaspar), personagens que se afiguram como representações modelares do pensamento do controverso autor francês do século XVIII.
Mais de dois séculos depois da publicação (clandestina) de A Filosofia na Alcova, poderá parecer estranho classificar Boudoir – 7 Diálogos Libertinos como um objeto de enorme coragem artística. O certo, é que o é, sobretudo quando se desenha crescentemente a perceção de que o sonho presente de “um mundo plural e diverso vai sendo cada vez mais ameaçado”.
Enquanto espetáculo que pretende celebrar “a liberdade do corpo e do pensamento”, haverá certamente quem leve a mal a crueza da linguagem, quem se sinta vilipendiado ou até ofendido na sua suscetibilidade quando vir e ouvir aquilo que durante duas horas os “libertinos” têm para contar… e mostrar. Mas, como nos diz Martim Pedroso, “a arte serve para pensar, para seduzir e provocar”. E, ainda pior andará o mundo, se assim deixar de o ser.
Como é que o fado entrou na tua vida?
Isto vem de família, tenho o sangue do fado a correr-me nas veias. Costumo dizer que nem sei bem quando é que começou, porque vou a casas de fado desde os três anos. Lembro-me de, com seis ou sete anos, ouvir discos de fado em casa da minha tia (a fadista Joana Correia). Com oito ou nove anos comecei a passar as letras para um caderno para decorar o que a minha tia cantava. Aos 13 anos entrei na Grande Noite do Fado. Venci e aí tive a certeza de que era isto que queria para a minha vida.
Essa participação na Grande Noite do Fado foi um momento de viragem?
As pessoas que me rodeavam sempre me incentivaram para continuar, mas sim, fez-se um click, soube que era mesmo isto que queria.
Comparas muito as casas de fado com o ritual de ir à missa…
Fadista que se preze precisa de ir às casas de fado, porque é onde ele realmente acontece. É onde convivemos com fadistas com mais experiência, é ali que vamos beber o que precisamos para subir ao palco. Para além disso, tem um ambiente mais intimista, estamos mais próximos do público. Gosto muito de estar em palco, é onde me sinto ‘eu’. Sou muito ansiosa, mas quando subo ao palco isso desaparece.
O teu álbum de estreia tem merecido rasgados elogios por parte da crítica. Estavas à espera de uma reação tão calorosa?
De certa forma estava à espera de boas críticas, porque sei o trabalho que fiz. Foram três anos investidos neste trabalho. O que mais queria era fazer este disco tal e qual ele saiu, e passar uma mensagem para jovens da minha geração que não ouvem fado. Sinto que as pessoas jovens que vieram agora para o fado e que estão a começar o seu caminho também bebem muito de mim, e isso é incrível. Foi sempre isso que quis, poder ser considerada uma influência. Só tenho 25 anos, embora muita gente me ache mais velha…
Achas que isso está relacionado com a ideia que muita gente tem de que o fado é para pessoas mais velhas?
As pessoas não sabem o que é a essência do fado, não conhecem… É importante que quem vive no meio, como eu, consiga mostrar um pouco da história. Há um grande desconhecimento em relação à história do fado. Costumo dizer que não fui eu que escolhi cantar fado, foi o fado que me escolheu, isso é notório no meu percurso. Além de gostar muito de cantar, o meu grande objetivo era passar uma mensagem, despoletar esta curiosidade nas pessoas: procurem saber mais sobre o fado porque há muito para saber!
O facto de o fado ser, essencialmente, uma música com uma tradição e um ritual associado, afasta as gerações mais jovens?
Penso que esse afastamento se deve à imagem que o fado sempre teve. As roupas pretas, pesadas, os vestidos compridos, as letras tristes… Lembro-me de ser miúda e de algumas pessoas me dizerem não era música para a minha idade. Hoje em dia, o fado tem uma roupagem muito mais leve. As letras são mais atuais, os fadistas já se apresentam de outra forma… Essa mudança era necessária, mas claro que há marcas muito tradicionais que se devem manter. Acho que a roupa não define o fadista nem ninguém que cante. Não me faz confusão se a pessoa canta de saia ou de calças, mas há um certo cuidado que se deve ter. Cada pessoa deve ter a sua identidade e o seu gosto próprio. O fado está na voz, não está na roupa.

O disco tem a participação de Diogo Clemente e Ângelo Freire, dois nomes pesados do fado. Como chegaram a esta colaboração?
Já nos conhecemos há muito tempo e há muito que eles me diziam que, quando chegasse a altura, queriam gravar um disco comigo. O meu crescimento foi feito ao lado deles. A determinada altura senti necessidade de deixar alguma coisa minha, um registo. Acho que é necessária uma certa maturidade e alguma experiência, não só no fado mas na música em geral. É preciso ter uma história para contar às pessoas. Tenho 25 anos, tenho muito ainda para viver, mas senti que já estava preparada para fazer um disco. Já tenho 15 anos de fado, estava na altura certa. Comentei isto com o Diogo e ele também achou que tinha chegado o momento.
Escolheste dar o teu nome ao primeiro disco. Porquê?
Primeiro, porque queria dar-me a conhecer como Sara Correia. Depois, porque a escolha dos fados tradicionais são quase autobiografias minhas, de histórias da minha vida. Pensei que não fazia sentido estar à procura de um mote para este disco. O mote sou eu, Sara Correia, tal e qual como sou.
Compararem-te à Amália é o maior elogio que te podem fazer?
É, mas é também uma grande responsabilidade. Não gosto de comparações. Tenho as minhas referências, como qualquer pessoa. Para mim, a D. Amália Rodrigues é a essência do fado, o seu expoente máximo, desde sempre que a canto. Gravei, inclusivamente, o Fado Português, que pensei várias vezes se devia gravar ou não.
Estavas com receio?
Estava, porque há canções que é impossível fazer melhor. Aquilo que a D. Amália fez é perfeito, o que coloca a fasquia altíssima, mas pensei: “porque não?”. Da mesma forma que gravei fados de outros fadistas que admiro muito.
No dia 21 de fevereiro apresentas este disco no Capitólio. Como vai ser este espetáculo?
Vou fazer umas coisas novas, estou a preparar umas surpresas, mas sempre à volta do cantar fado claro, que é aquilo que sei fazer.
O que te traz o futuro?
Neste momento estou focada neste disco, mas já tenho ideias para o próximo, porque isto não pode parar… Agora estou focada em promover o disco e em dar concertos. Já tenho algumas coisas marcadas, irei novamente atuar no Caixa Alfama, em breve vou estar na Noruega e em Viena de Áustria… É engraçado que o público lá de fora gosta muito de fado. Mesmo não percebendo o que estamos a cantar, é quem mais pede os fados tradicionais, o fado puro e duro.
Qual é a sala de sonho para um fadista?
Tenho muitos sonhos, mas não tenho nenhum palco de sonho. O meu sonho é cantar em palcos, seja onde for, seja para que público for. Esse é o meu sonho: poder cantar para os outros. Conhecer outros artistas, outras culturas musicais.
É já um clássico ver a Companhia do Chapitô a brincar aos clássicos (perdoem-nos a redundância!). Desta feita, e depois de uma versão “sonoro-teatral” de Macbeth, o irreverente coletivo decidiu lançar-se uma vez mais a Shakespeare, agora com Hamlet. É certo não se tratar de uma estreia absoluta porque, entretanto, esta visão muito peculiar da peça andou de armas e bagagens em digressão, depois de em 2018 ter esgotado as lotações da Tenda do Chapitô numa primeira temporada em Lisboa.
Como nos explica José Carlos Garcia, coencenador com Cláudia Nóvoa e Tiago Viegas, o que o público vai ver não é uma remontagem do espetáculo estreado há cerca de um ano, mas sim “uma versão depurada e constantemente trabalhada do projeto original”. Aliás, as produções da companhia têm esse ADN: “são sempre muito dinâmicas e ganham constantemente tempos novos”. Algo que resulta do aprofundamento do “trabalho coletivo que começa de um modo completamente caótico e depois vai ganhando forma”, até atingir esse ponto de rebuçado que tem vindo a conquistar o público, a crítica e um palmarés internacional invejável desde 1996, ano de fundação da companhia.

Neste frenético Hamlet do Chapitô, o Reino da Dinamarca dá lugar à Hamlet Tower, sede de uma grande multinacional, e para além da trama já sobejamente conhecida, protagonizada por esse “rapaz às direitas” conhecido mundialmente por Hamlet (aqui, natural herdeiro de um império financeiro, não fosse a vilania do tio usurpador), tudo vai tentando ser o mais fiel possível ao texto original de William Shakespeare. Só que o mundo não para, e por entre os sinais do tempo, lá surgem cenas de luta de classes ao som d´A Carvalhesa ou uma festa de casamento num roof top “ao ritmo disco dos Bee Gees”. E tudo a cappella, ou não fossem os indomáveis, e devidamente engravatados, Jorge Cruz, Susana Nunes, Patrícia Ubeda e Tiago Viegas, atores habilitados para isso e muito mais, como poderá testemunhar a cada noite, entre 24 de janeiro e 24 de fevereiro, no palco mais animado da Costa do Castelo.
Posted by Chapitô on Tuesday, 8 January 2019
A cada peça de Annie Baker, uma sensação de familiaridade envolve o espectador e amarra-o às pessoas que o habitam. “Pessoas” parece ser o termo certo, ao invés de “personagens”, porque, nas suas alegrias e fracassos, estão seres humanos comuns, sem grande história, sem qualquer papel determinante na vida familiar ou comunitária. São, como aponta Pedro Carraca, que pela segunda vez dirige uma peça da autora norte-americana, “pessoas das margens”, e que ai sempre permanecem.
Já em O Cinema (peça escrita posteriormente a Os Aliens) elas estavam lá. Gente comum lutando no seu posto de trabalho pela subsistência, muitas vezes não olhando a meios (e aos outros) para o conseguir, capazes certamente do pior, mas também habilitadas para gestos de extrema generosidade. Nesta peça, o conflito é, talvez, mais subtil e mais íntimo. Os dois homens e o rapaz que a protagonizam não disputam propriamente o lugar do outro, mas lutam consigo mesmo para encontrar um lugar no mundo.
Os Aliens passa-se nas traseiras de um cafezinho de uma pequena cidade da Nova Inglaterra, no norte dos Estados Unidos. Em torno de uma mesa de campismo, KJ (Afonso Lagarto) e Jasper (Pedro Caeiro), dois homens chegados aos 30 anos, afundam-se no tédio das suas existências. Fumam cigarros atrás de cigarros; KJ canta com os olhos postos no céu enquanto beberica um chá de cogumelos psicadélicos e Jasper lamenta-se do abandono da namorada, consolando-se no romance que está a escrever. Entretanto, surge Evan (Pedro Baptista), empregado do café, anunciando que aquele espaço passou a ser de uso exclusivo dos funcionários. Apesar das ordens expressas do patrão, o jovem depressa se percebe impotente para enfrentar os rotineiros visitantes, acabando por estabelecer, sobretudo com Jasper (“um génio”, considera Evan), uma forte empatia.

Para além destas “pessoas”, a força humana que perpassa por Os Aliens (um dos nomes de uma banda que outrora KJ e Jasper tiveram, retirado de um poema de Charles Bukowsky, grande poeta das “margens”) está presente nos silêncios tornados tão preponderantes quanto os diálogos – “há muito silêncio na vida real”, destaca Baker numa entrevista. E depois há ainda aquele espaço confinado onde decorre a ação, como se tudo se passasse não nas traseiras do café, mas nas traseiras da vida, no recalcamento de sonhos caídos e de outros novos, mas tão improváveis: o de Jasper em ser reconhecido como um grande romancista ou o de KJ em abandonar definitivamente aquela cidadezinha.
Vendo bem, para Jasper e KJ, o mundo está sempre fora de cena – emerge quando explodem os fogos do 4 de Julho (feriado que assinala a Independência dos Estados Unidos) e quando a porta que dá acesso ao interior do café é cruzada por Evan, e só por ele. Por isso, mesmo antes que a peça termine, rendido e num tom de otimismo sincero, ouvimos KJ dizer ao rapaz: “tu vais longe, meu.”
Obra-prima da dramaturgia norte-americana, Do Alto da Ponte conta a história de homens que, citando o texto, ganham a vida “nas docas que se estendem de Brooklyn até ao quebra-mar, onde o oceano começa”. Objetivamente, a peça de Arthur Miller (1915-2005) narra o drama de Eddie Carbone, “um bom homem”, daqueles que “trabalhava nas docas quando havia trabalho, trazia o dinheiro para casa e vivia”. Um dia, a vida normal do estivador Eddie altera-se radicalmente com a chegada de dois primos da mulher, clandestinos, provindos de Itália. Sobretudo quando um deles começa a cortejar Catherine, a sua jovem e adorada “sobrinha”.
“A peça é como que um romance intenso entre várias personagens, com um lado folhetinesco muito cativante”, considera Jorge Silva Melo. A genialidade de Miller está precisamente na “facilidade narrativa, carateristica que conquista o público”. Mas não só. O que é arrebatador no texto são as “personagens dúbias e esse conflito trágico entre duas leis: a da família – siciliana, imigrante e clandestina – e a formal – a americana, liberal e democrática.”
Estreada inicialmente em 1955 (numa encenação de Martin Ritt), em plena “caça às bruxas” do MacCarthismo, esta tragédia moderna sobre amores proibidos, suspeição e delação começou por ser um rotundo fracasso na brilhante carreira do autor de Morte de um Caixeiro Viajante e As Bruxas de Salém. Um ano depois, já reescrita, seria encenada em Londres por Peter Brook, passando a figurar de pleno direito entre as maiores obras dramáticas do século XX.
Assim, mais de meio século passado sobre a estreia, Silva Melo e os Artistas Unidos chegam a este Miller, àqueles anos 50 em que despontava o rock’n’roll, àqueles estivadores e migrantes – os “semi-cidadãos” nas palavras do encenador –, àqueles que buscavam um futuro na “garganta de Nova Iorque que engole toda a tonelagem do mundo”, como escreveu o próprio autor.
O elenco e as personagens
Apesar de ter visto várias encenações da peça, sobretudo em Inglaterra, Jorge Silva Melo confessa que nunca imaginou encená-la. “Até hoje, quando percebi que os meus atores tinham a idade certa para a fazer”.
Optando pela total depuração e por uma quase austeridade cénica, o encenador recusou na sua montagem de Do Alto da Ponte toda “a tralha naturalista”. Por isso mesmo coube ao “corpo dos atores desenhar uma cenografia para o espetáculo”. Contando nos papéis centrais com artistas que tão bem conhece, o que importa verdadeiramente experienciar a cada récita são essas “personagens que perturbam, comovem e intrigam”. Como nota introdutória à peça, convidámos os atores a fazerem uma breve apresentação sobre elas.
Américo Silva
Eddie
“O Eddie Carbone é um estivador com uma vida relativamente estável, embora nem sempre tenha trabalho, que um dia vê a rotina ser perturbada com a chegada de dois primos da sua mulher Beatrice. Em crescendo, a presença deles vai começando a destabilizá-lo, e as coisas complicam-se quando um deles, Rodolpho, começa a cortejar a sobrinha da mulher, uma jovem de 17 anos (e que ele criou como filha) por quem nutre algo mais do que um amor filial. Diria que o Eddie é um homem que não se conhece a si próprio, e isso acaba por levá-lo ao desespero e a um destino trágico.”
Joana Bárcia
Beatrice
“A Beatrice é uma dona de casa, casada com Eddie, que devido à morte prematura da irmã, cria a sobrinha, Catherine, como filha. Percebe-se que, apesar de uma aparência submissa muito típica da mulher dos anos 50, ela conhece bastante bem o marido e vai antecipando as desgraças que estão prestes a ocorrer. Aliás, ela adivinha o protagonismo da sobrinha na vida de Eddie e tenta contrariar isso, lembrando o quanto precisa de que o marido volte para ela. Considero-a uma mulher de garra e muito verdadeira.”
Vânia Rodrigues
Catherine
“Para a Catherine chegou a hora de ser mulher. Ela é uma jovem de 17 anos movida pela dúvida, dividida pelo conforto da família e o desejo de emancipação, pelo afeto do tio que a criou e a descoberta do primeiro amor… E vai ter de encontrar um caminho e fazer escolhas. É uma personagem que noite após noite me faz descobrir coisas só minhas.”
André Loubet
Rodolpho
“O Rodolpho é um imigrante ilegal, um jovem que pinta o cabelo de louro, que gosta de cantar e dançar e que sonha estabelecer-se num país novo, que lhe permita cumprir os sonhos. Vai apaixonar-se pela Catherine e entrar em conflito com Eddie, que o acusa de andar apenas atrás de um passaporte. Mas, apesar de toda a hostilidade a que vai sendo sujeito (até porque ele não respeita propriamente os padrões de masculinidade vigentes naquela época), é sempre um personagem vivo, alegre, pacificador e até bastante ponderado.”
Bruno Vicente
Marco
“Ao contrário do irmão Rodolpho, o Marco chega à América como ilegal para trabalhar, juntar dinheiro e voltar para a Sicília natal, onde o esperam mulher e três filhos famintos. É um tipo forte, crente nas tradições ancestrais da honra e que não poderá perdoar a traição.”
António Simão
Alfieri
“O advogado Alfieri tem uma enorme ambivalência na peça. Ele é simultaneamente personagem – o advogado a quem Eddie recorre a dado momento e que o reconhece como um homem bom, simples e trabalhador – e narrador, como se fosse o coro num paralelismo à tragédia grega. Ao mesmo tempo, é ele quem transmite a opinião do público perante aquilo que está a ver e é quem faz a ponte entre o passado e o futuro, o imigrante e o cidadão americano. Ele é, muito provavelmente, a representação do próprio Arthur Miller.”
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