O primeiro disco, #batequebate, teve imenso sucesso. Isso colocou-vos muita pressão?

Alex: Sim, mas acho que não foi só a pressão que nos levou a demorar tanto a fazer um segundo álbum. Foi também o facto de termos tocado durante quatro anos seguidos o mesmo disco. Quando demos por nós já tinham passado quatro anos…

Ben: Só nos apercebemos quando a nossa manager nos alertou que era preciso fazer outro disco. O tempo passou a voar, mas é sinal que estivemos ocupados. Dentro da música apareceram uma série de outras oportunidades de que não estávamos à espera. O tempo foi passando sem darmos conta, mas penso que tão cedo não voltamos a cometer esse erro. Há cerca de dois anos começámos a compor para outras pessoas, que era algo que já queríamos fazer há muito, e de repente toda a gente queria trabalhar connosco. Quando nos começámos a focar no segundo disco, tivemos que dizer “não” a muita gente e houve pessoas que ficaram um bocado chateadas. Penso que aprendemos a fazer melhor essa gestão. Há certas alturas em que temos que nos focar apenas em nós. Acho que se isso tivesse acontecido já estaríamos, facilmente, no terceiro disco.

Têm uma identidade muito própria, muito presente também neste disco, embora nele transpareça outra maturidade…

Alex: Nestes quatro anos vivemos muita coisa. Nota-se a experiência de uma banda que já tocou ao vivo. Foi um período de busca de identidade, de nos interrogarmos quem eram os D’alva e qual era o nosso som. No processo de gravação deste disco é que percebi, efetivamente, quem éramos musicalmente, mas a nível pessoal também, tanto eu como o Ben vivemos muito coisa…

Como é que surgem as letras, qual é a vossa metodologia de trabalho?

Ben: É importante perceber o que temos para dizer. Uma das coisas que fizemos para este disco andar para a frente foi uma residência artística. Quisemos fazer uma pausa em tudo o que estava a acontecer, isolar-nos, o que acabou por nos sincronizar. Claro que há músicas que precisam de mais tempo, outras acontecem de repente, mas a criatividade tem de ser trabalhada. Quanto mais fazes, mais facilmente a coisa acontece, por isso é que os artistas têm de ter rotinas. Na prática, estivemos três meses a trabalhar neste disco, nem pensámos muito na estética. Para nós foi uma surpresa perceber como o disco estava mais coeso do que o outro e que o tínhamos feito em tão pouco tempo. Percebemos que, num curto espaço de tempo, conseguimos fazer um disco. Matámo-nos, mas conseguimos [risos].

Alex: No entanto, o gatilho é sempre emocional. As letras do disco são mais emocionais. Colocámo-nos numa posição mais vulnerável do que no primeiro.

Essa partilha não vos deixa desconfortáveis?

Alex: Quando era mais novo as minhas letras funcionavam como um diário. Quando conheci o Ben, ele alertou-me que isso talvez não fosse uma boa ideia…

Porquê?

Alex: A lição que retive foi: as canções são como as tatuagens, uma marca permanente de um estado de espírito temporário. Por outro lado, ao fazer este disco percebi que há alturas em que o melhor é ser-se completamente honesto.

Ben: Para nós foi sempre importante contextualizar a perspetiva de quem recebe a canção, de que forma é que as pessoas se identificam com a mensagem. Tentamos fazer algo, agora com outra maturidade. Algumas das canções podem ser mais crípticas do que outras, mas tentamos escrever as letras na perspetiva de quem já deu a volta à situação. Antes de escrevemos passamos muito tempo a conversar, a ler ou a informar-nos sobre determinado assunto que seja relevante. Às vezes passamos mais tempo a falar do que com os instrumentos nas mãos. Mas sim, é um bom veículo terapêutico, toda a gente sabe disso [risos]. No início até tínhamos a ideia – que é um bocado um cliché – de fazer um disco que fosse meio lado B, mas a vida já é assim, por isso nem pensámos nesse conceito, que acabou por acontecer naturalmente. Acho que este segundo álbum é um bocado como o primeiro: começa de forma mais efusiva e depois vai ficando mais denso, mas não é intencional. Ficámos muito felizes, por exemplo, com a forma como tanta gente se identificou com o Verdade sem Consequência.

No primeiro disco, havia uma canção, Só porque Sim, que falava sobre o poder destrutivo da crítica. Acham que, com o passar dos anos, conseguem lidar melhor com essa questão?

Alex: Não deixamos de nos sentir menos bem com uma crítica negativa. Uma canção como Pódio, por exemplo, é um lembrete de que não tenho que ter um espírito competitivo. Se houver um jogo ou uma competição eu não quero fazer parte disso. Não foi para isso que comecei a aprender instrumento e a querer fazer parte de uma banda.

O álbum chama-se Maus Êxitos. Porquê este título?

Alex: Antes de começarmos a fazer o disco estava a sentir muita pressão. Lembro-me, quando lançámos o #Batequebate, de pensar que não sabia se algum dia iríamos fazer um disco melhor. Sentia muito esse medo de falhar. Resolvemos fazer a tal residência artística, onde juntámos várias amigas, bailarinas, fotógrafas, performers e fizemos vários exercícios inerentes à conceção de um espetáculo. Um dos exercícios consistia em escrever uma palavra numa folha enorme que estava na parede, e uma dessas palavras foi ‘falhanço’.

Ben: O que o Alex escrevia pendia muito para a depressão e havia muita tensão. Filmámos algumas coisas e os movimentos de corpo dele eram sempre muito rígidos, e ali era suposto o corpo estar disponível e ele estava sempre tenso. Foi bom, porque percebemos que isto estava muito enraizado nele, e trabalhámos muito esse lado. Chegámos à conclusão de que errar é a coisa mais natural do mundo, ninguém faz tudo bem. É quando alguém erra que a Humanidade avança, seja na Ciência, nas Artes… Por que é que temos tanto medo de falhar, se é nessas alturas que aprendemos, que damos o salto? Assumimos que íamos tentar viver nesse espaço a que toda a gente foge, que é o erro, e ver o que acontecia… Acho que, no que diz respeito à questão da diferença de idade, o Alex acusa um pouco mais de pressão na gestão das expectativas dos outros. Até porque ele está mais exposto do que eu, mais facilmente o reconhecem a ele, mas estamos juntos e ele sabe que não o vou deixar pisar em falso. Estou aqui para o apanhar e vice-versa.

Alex: Quando discutimos sobre as palavras que tínhamos escrito no papel, fomos ao dicionário ver a definição de falhanço, e uma delas era “mau êxito” e achámos graça. Pensámos: se é para falhar que seja mal. É uma coisa um bocado antagónica: como é que um êxito pode ser mau? Além disso tem piada, por ser o oposto de “greatest hits”.

A capa foi concebida pelo designer gráfico Bráulio Amado. Qual é o conceito?

Alex: Basicamente demos carta branca ao Bráulio para fazer o que quisesse. Ele ouviu o disco e teve esta ideia de uma capa onde aparecessem várias pessoas e onde cada elemento representaria uma canção do álbum. As nossas mães aparecem, inclusivamente, e isso também foi ideia dele.

Elas gostaram do resultado?

Ben: Só souberam quando o disco saiu [risos].

Alex: A minha mãe ficou muito contente por estar na capa. Ainda em relação ao conceito, o Bráulio usou muito o vermelho, ao contrário do que estávamos à espera, mas isso também está relacionado com o título, Maus Êxitos, porque o vermelho tem uma espécie de conotação negativa. Quando há um sinal de alerta ele é vermelho… O Bráulio estava a imaginar um carimbo vermelho a dizer ‘Failure’.

A diferença de idades traz riqueza musical e troca de influências?

Alex: Isso acontecia bastante no início. A música mais antiga que comecei a ouvir foi muito por incentivo do Ben. Também havia coisas novas que era eu que trazia para cima da mesa. Não conhecia assim tão bem, por exemplo, Fleetwood Mac e ontem passei o dia todo a ouvir. Depois, às vezes, tenho aquelas surpresas de descobrir que determinadas músicas de que gostava muito eram desse artista que estou agora a descobrir.

A sonoridade anos 80 está muito marcada na vossa música. Como chegaram a essa identidade musical?

Ben: Penso que não temos só influências dos anos 80, também temos de uma parte dos anos 90. Às vezes é difícil distinguir. E há muita coisa dos anos 90 que é o Alex que traz. Acho que é o nosso cunho. Se não estiver presente parece que não é o nosso som. Tentamos não ficar presos a uma sonoridade, usamos o que faz sentido. Quando começámos a trabalhar deu para perceber que esse tipo de som funciona bem com a voz do Alex. É um casamento sónico que faz todo o sentido. Tentamos ir atrás de sons que complementem a voz dele.

“Estamos juntos e ele sabe que não o vou deixar pisar em falso. Estou aqui para o apanhar e vice-versa”

 

Foram convidados a participar na edição deste ano do Festival da Canção, mas optaram por pedir à Ana Cláudia que interpretasse o vosso tema, Inércia. Porquê?

Alex: Sempre quisemos fazer isto, foi um momento muito importante para nós. Era um momento tão bonito que achámos que tínhamos que o partilhar com as pessoas que nos são próximas. A canção que fizemos funciona muito bem com a voz da Ana Cláudia.

Nunca colocaram a hipótese de serem vocês a interpretar a canção?

Alex: Sim, passámos várias semanas a discutir esse assunto… Quando recebemos o convite não era uma altura boa para mim a nível pessoal, para me expor a todo o mediatismo que o Festival traz, a ter que lidar com o escrutínio e com os comentários. A Ana Cláudia não só tem o talento, como é alguém que tem a maturidade para saber lidar com isso.

Ben: O disco novo tinha saído há pouco tempo e achámos que fazia todo o sentido partilhar este momento com uma pessoa com quem temos uma ótima relação. E, sinceramente, isso tirou alguma pressão de cima dos nossos ombros.

Participaram recentemente no concerto de apoio a Moçambique. A música também deve ter um lado social de dar voz a quem não a tem?

Alex: Claro que sim.

Ben: A música unifica tudo. Tanto eu como o Alex crescemos a cantar num contexto de igreja, e isso é algo extremamente comunitário. No Festival da Canção, ou no espetáculo de apoio a Moçambique, a experiência foi idêntica. As pessoas podem ser o mais diferentes possível, mas estão sincronizadas no mesmo tempo, com os batimentos cardíacos acertados. Mais do que ser combativa ou de intervenção, a música determina o que tu vestes, a forma como te expressas, como pensas… Mais do que ser uma forma de expressão, penso que é uma forma de comunicação. Tu dizes, alguém ouve, e isso cria uma reação. A nossa relação surgiu assim: eu escrevi uma coisa sobre a qual estava a passar e com a qual o Alex se identificou, e isso levou a uma reação da parte dele. Todos nós temos referências de artistas que provocaram reações em nós.

Em 2016, participaram no concerto de homenagem à Dina pelos seus 40 anos de carreira, no São Luiz. O que retiraram desse encontro artístico?

Alex: Para a Dina o mais importante eram as canções. Ela falava muito sobre a questão das canções terem três vidas: o momento em que as fazemos, o momento em que as pomos cá para fora, e o momento em que elas chegam às pessoas e deixam de ser nossas. Temos que encontrar um lado libertador nisto. Ela respirava com ajuda da botija, e quando subiu ao palco teve de a largar e cantar como se não se passasse nada, e ela estava muito mal nessa fase. Nesse momento era como se não houvesse problemas no mundo, estava tudo bem e a música fazia-nos sorrir.

Ben: A música tem esse poder. É muito frequente termos de tocar quando estamos doentes. É muito comum aos músicos não se estarem a sentir bem fisicamente antes de atuarem e, de repente, há qualquer coisa de mágico a acontecer no palco que faz com que tudo passe. No concerto do Porto, a Dina estava pior e as pessoas não imaginam a força imensa que ela fez para estender as palavras o mais possível. O que eu retive da Dina foi a leveza muito grande para alguém que teve uma vida bem difícil. Isto pode ser um mundo de serpentes, mas devemos tentar manter alguma inocência na altura de criar. Não vamos fazer música ressabiada. Acho que isso é desonesto, e sente-se quando alguém faz isso. Ela é um bom exemplo de quem não queria saber o que os outros pensavam, sendo sempre fiel àquilo que sentia.

Por ocasião do 125.º aniversário do Teatro Municipal São Luiz, a diretora artística Aida Tavares desafiou um conjunto de artistas e criadores a percorrer as memórias daquele que é um dos mais importantes teatros da cidade. De entre esses criadores estão Joana Craveiro e o Teatro do Vestido, que decidiram levar o desafio mais além ao propor uma ocupação integral de todos os espaços do edifício da Rua António Maria Cardoso.

“Sabendo de antemão que os artistas convidados se iriam dedicar mais à história deste Teatro, decidimos debruçar-nos mais especificamente sobre as memórias do fazer teatral”, explica Joana Craveiro. Portanto, “mais do que contar a história do Teatro São Luiz, a nossa proposta passa por criar paisagens poéticas relacionadas não apenas com o espaço, mas com histórias que ouvimos, com memórias pessoais e artísticas dos atores que formam o elenco, com a cidade e o modo como as pessoas comuns a recordam.”

A autora e encenadora encara Ocupação como “um espetáculo em montagem”, talvez mesmo “um pouco anárquico”, feito quase como se fosse “um ensaio”. São cinco percursos, para um total de 65 espectadores, que percorrem cada espaço do Teatro e ao longo dos quais se encontram, por exemplo, fragmentos de peças que nunca se chegaram a fazer, ora por motivos políticos (como A Mãe de Mitkiewicz, por Artur Ramos, em 1972) ora por infortúnios (como As Três Irmãs que ficaram suspensas após o trágico incêndio no Chiado, em 1988). Bem viva, e com particular destaque no espetáculo, está a memória da encenação por Fernando Gusmão de A Voz Humana, de Cocteau, que Maria Barroso interpretou numa única noite, em 1966, antes da polícia política ter irrompido violentamente pela sala e proibido as restantes récitas. “Foi muito importante termos tido o testemunho de um espectador que estava no São Luiz naquela noite”, sublinha Joana Craveiro.

Como é habitual nas criações do Teatro do Vestido, Ocupação dedica um especial enfoque à história do Portugal contemporâneo, visando aqui recuperar também pequenas memórias da cidade e todo um conjunto de histórias que a relacionam com a ditadura e o 25 de Abril. Como sublinha a encenadora, é quase impossível referir o São Luiz e não recordar toda a carga contida na morada do teatro: “esta era a rua da PIDE, e ainda hoje, quando peço a um taxista com mais idade que me leve à Rua António Maria Cardoso se percebe o impacto que um nome de rua pode causar.”

São, assim, todo um conjunto de fragmentos de vidas comuns, de “peças aprisionadas” na memória de um teatro ou os acontecimentos históricos que ainda ecoam entre as paredes de dentro e de fora do São Luiz que este espetáculo-percurso pretende evocar. Uma Ocupação necessária para que, no futuro, a memória não se abandone ao esquecimento.

Têm ambos formação de atores na Escola Profissional de Teatro de Cascais. O que devem a esta instituição e à figura de Carlos Avilez?

José Condessa: A escola tem formado imensos atores ao longo dos anos e tem um leque excepcional de professores que continuam a exercer a sua profissão, e que por isso estão atualizados no tempo. Essa é uma das grandes marcas da escola. O Carlos Avilez, enquanto pessoa e encenador, é quem nos lança no teatro profissional e quem tem apostado mais em nós ao longo destes anos.

Barbara Branco: Devo-lhe a minha carreira toda. O Carlos é o responsável pelo respeito que temos pela profissão, pelo palco e pela representação em si. O Carlos foi o mestre que tivemos e que nos passou tudo isso.

Popularizados pela televisão, consagram uma parte importante da vossa carreira ao teatro. Porquê?

JC: O teatro é a base. Fiz uma formação em teatro, não em televisão ou cinema. No entanto, considero que se um ator souber representar nas três vertentes é um ator completo. Mas acho que a base é sempre o palco pelo contacto direto com o público, pela dificuldade, pela complexidade das personagens e, acima de tudo, pelos grandes textos que temos oportunidade de reviver.

BB: Mais do que gostar, eu preciso de fazer teatro. Acaba por ser a raiz. O teatro dá-nos um contacto com o público que é o nosso maior juiz. O público dá-nos uma emoção e um contacto direto que não temos em televisão e isso é muito importante para um ator, sobretudo para um ator que está a começar.

Ao representar Shakespeare, qual o maior desafio?

JC: Shakespeare é quase perfeito. No Hamlet, por exemplo, que é praticamente a bíblia do teatro, encontramos respostas para quase tudo, até o “teatro dentro do teatro”. Shakespeare, a meu ver, é um autor que acima de tudo entende o ator. Tem uma grande proximidade com a palavra que encaixa facilmente na boca do ator. O texto é sempre muito belo e possui uma grande força. Representar Shakespeare é uma responsabilidade.

BB: Creio que a maior dificuldade de fazer Shakespeare é justamente acartar com a responsabilidade de o representar. Tirando isso, as suas peças são muito generosas para com o ator, no sentido em que o texto nos dá tudo e não precisamos de fazer grande coisa para além de o ler e saborear.

Mais de quatrocentos anos depois, o que mantém Romeu e Julieta atual?

JC: Tudo. Os temas são universais. Morte, vingança, amor/desamor, guerra, ambição, são as palavras-chave das tragédias de Shakespeare. No Romeu e Julieta, o amor, o desencontro e a morte, são as palavras que mais se ouvem ao longo da peça. O amor é sempre universal e intemporal.

BB: Um amor na sua forma mais pura e inocente. No fundo eles são crianças. A Julieta tem 14 anos e o Romeu 16. Um amor hipoteticamente contrariado, porque, afinal, os pais de ambos nunca sabem que ele existe.

A propósito, Julia Kristeva salienta o facto de esse amor nascer do ódio das famílias opostas e de ser propiciado pela noção de interdito e de secretismo. O que pensam?

JC: A nível dramatúrgico isso é verdade. Tudo começa por um desafio: Romeu surge no baile de máscaras da família inimiga onde não devia estar. E, como são jovens e vivem intensamente, conhecem-se, apaixonam-se e morrem em três dias. Se não houvesse ódio, não havia morte e, se calhar, também não havia amor.

BB: Eu vejo o amor da Julieta como algo tão inocente que não consigo pensar no outro lado. Se não houvesse este ódio, será que este amor era igualmente intenso e levado ao limite? É possível…

Para José Condessa, “morte, vingança, amor/desamor, guerra, ambição, são as palavras-chave das tragédias de Shakespeare”. Aqui, uma cena de Romeu e Julieta, na encenação de João Mota. (fotografia de Filipe Ferreira)

 

O facto de serem namorados na vida real ajuda-vos a personificar os eternos amantes de Shakespeare?

JC: Sim e não. A parte boa é que não há barreira a quebrar no sentido de conhecer o colega. E a nível físico, os beijos. Mas, por outro lado, já nos conhecemos e já não se dá a descoberta do outro.

BB: Nós como atores, antes de namorarmos, já nos dávamos muito bem em cena. O facto de namorarmos torna tudo mais rápido porque o contacto físico e a relação com o colega já existe.

JC: No fundo, acho que não ajuda a personagem, mas ajuda o ator porque é uma segurança.

Que contributo pessoal podem trazer a estas personagens tantas vezes representadas?

JC: Para o bem e o mal, é o nosso. Acima de tudo temos muita confiança no nosso trabalho e sentimos ter uma boa peça para mostrar. Temos um elenco muito jovem que torna a peça muito ágil. Estou muito orgulhoso.

BB: Não há atriz com a minha história, com o meu passado, e esse é um contributo singular na forma de experienciar este texto e esta personagem.

Bárbara Branco ao lado da atriz Manuela Couto. (fotografia de Francisco Ferreira)

 

Já tinham representado Como Vos Aprouver . Que diferenças encontram na abordagem de Carlos Avilez e de João Mota ao universo shakespeariano?

BB: Apesar de tudo têm linguagens muito semelhantes. O nascimento da Comuna e do TEC (Teatro Experimental de Cascais) é coincidente e contemporâneo. São ambos muito clássicos e transmitem coisas semelhantes por métodos diferentes. O João Mota, porque foi ator, comunica com uma perspetiva de ator. Um dia tínhamos ensaio corrido à noite e à tarde ficámos a jogar à macaca e ao jogo do lencinho. Ele transmite-nos muito este lado de brincar, brincar a sério, brincar ao teatro. E isso mantém-se na peça, porque o teatro é um jogo.

JC: Essa é a marca do João Mota. O primeiro ato parece comédia, repleto de amor, de brincadeira, e também de muito erotismo. Só o segundo ato é que é trágico do princípio ao fim.

Que aspeto da encenação de João Mota gostariam de salientar?

JC: O cenário [de António Casimiro] é muito bonito, exactamente o que existia no Globe no tempo de Shakespeare: duas colunas, três portas e uma varanda. Toda a encenação parte daí, exigindo que as mudanças do espectáculo sejam feitas através da música original de José Mário Branco que não incorpora voz, mas usa muitos elementos de ranger de portas, bater de gavetas, espadas, gritos e assobios que nos transportam numa extraordinária viagem sensorial. É isso que dá o mote à cena…

BB: E o trabalho de luz do Paulo Graça.

Qual o papel que sonham representar no teatro?

JC: Como alguém já disse, é sempre próximo.

BB: Todos os que vierem. Proximamente, a Lulu de Wedekind que vou representar em Setembro, no TEC, sob a direção do Carlos Avilez.

Se é fã de “música da pesada”, o Estádio do Restelo recebe, no início de julho, o VOA – Heavy Rock Festival, com os cabeças de cartaz Slipknot, dia 4 de julho, e Slayer, no dia seguinte.

Os Slipknot são cabeças de cartaz no primeiro dia do VOA

 

Também em julho acontece um dos maiores festivais de música do ano, o Nos Alive, no Passeio Marítimo de Algés. Aqui há muitos nomes sonantes e é difícil não gostar do alinhamento. No primeiro dia, 11 de julho, os The Cure dão o mote, colocando a fasquia muito alta. Também nesse dia atuam os nacionais Ornatos Violeta e Linda Martini. Dia 12 de julho destacam-se os Vampire Weekend, e, para acabar em grande, o último dia recebe The Smashing Pumpkins, The Chemical Brothers ou Thom Yorke.

Os britânicos The Cure regressam ao nosso país em julho para atuarem no NOS Alive

 

Este ano, o Super Bock Super Rock regressa ao Meco, de 18 a 20 de julho. No primeiro dia há Lana del Rey, mas também o controverso Conan Osiris. Dia 19 pode ver e ouvir Phoenix ou Charlotte Gainsbourg, e, no último dia, destaque para as atuações de Janelle Monáe e Rubel.

Lana del Rey é um dos grandes nomes do SBSR

 

Ainda no mesmo mês, Cascais recebe o EDP Cool Jazz, que acontece de 9 a 31 de julho. O cartaz assenta maioritariamente em nomes ligados ao jazz, como Jamie Cullum, Diana Krall ou Jacob Collier, mas há também concertos dos The Roots, Tom Jones, Jessie J, Kraftwerk ou os nacionais HMB e Best Youth. Também confirmada está mais uma edição do Sol da Caparica, mas ainda não são conhecidas datas nem artistas.

 

O britânico Jamie Cullum volta a integrar o cartaz do EDP Cool Jazz

 

Numa vertente mais citadina, Lisboa receberá, como habitualmente, mais uma edição do Jazz em Agosto, na Gulbenkian, o Jazz im Goethe Garten, no Goethe-Institut, ou o Somersby Out Jazz, que espalha boa música por vários jardins da cidade.

 

[em atualização]

Sophia de Mello Breyner Andresen foi um dos grandes nomes da poesia de língua portuguesa do século XX cultivando, segundo António José Saraiva e Óscar Lopes “em imagens clássicas mediterrâneas, a identificação do eterno com a realidade humana e suas aspirações à justiça”. Os restos mortais da escritora repousam no Panteão Nacional, não longe da casa onde viveu, na Travessa das Mónicas, n.º 57, ao Miradouro da Graça que tem agora o seu nome e o seu busto em bronze de autoria do escultor António Duarte. A realidade confirma os versos de Sophia: “(…) Mesmo que eu morra o poema encontrará/ Uma praia onde quebrar suas ondas.”

Ao longo deste ano, a Comissão das Comemorações do Centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen, sediada no Centro Nacional de Cultura, propõe um vasto programa para celebrar o centenário do nascimento dessa “grande poeta e uma exemplar figura moral, cívica e cultural, que nos inspira e desperta, desafia e renova”, como se pode ler no Manifesto subscrito pela Comissão.

Até ao verão, destacam-se: uma evocação de Sophia a propósito das comemorações do 25 de abril, nos Jardins do Palácio de São Bento; uma tarde de mesas-redondas, seguida da leitura dos poemas de Sophia sobre Fernando Pessoa (30 de abril, às 15h, no Museu de Lisboa – Palácio Pimenta); uma exposição de obras de Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes presentes na coleção privada de Sophia, nas instalações do museu/fundação dos artistas, no Largo das Amoreiras; um colóquio de dois dias na Fundação Calouste Gulbenkian, com a presença dos maiores especialistas nacionais e internacionais da obra da poeta (16 e 17 de maio); e um concerto da Orquestra Sinfónica Juvenil, que inclui uma obra inédita para coro e orquestra, composta por Christopher Bochmann, a partir de um poema de Sophia.

Toda a programação, e mais detalhes sobre a celebração podem ser encontrados no site oficial do Centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen.

Em 2019 comemoram-se 45 anos do 25 de Abril. Se, por um lado, a data celebra o início do processo de democratização do país, é também um momento de reflexão sobre o que ainda falta para que os ideais de Abril sejam plenamente alcançados. É por estes dois caminhos que a programação Abril em Lisboa se desdobra.

Depois dos pianos colocados pela cidade há um ano, um dos principais destaques da programação passa por colocar uma dúzia de músicos à disposição do público para que este os conduza, numa iniciativa chamada Liberdade para Dirigir. Assim, cada um de nós pode ser maestro por momentos no Largo da Graça (dia 19), na Praça do Oriente (dia 20), no Jardim da Estrela (dia 21), no Largo Trindade Coelho (a 22) ou no Aeroporto de Lisboa (dia 23).

Ainda para o grande público, a Praça do Comércio vai acolher Memórias de Abril, um espetáculo de video mapping imersivo a 360º (24 de abril a 1 de maio) e Fausto Bordalo Dias apresenta-se em concerto, acompanhado por banda e orquestra, na noite de 24 de abril.

As comemorações passam ainda por abrir as portas do edifício dos Paços do Concelho (25 de abril), para escutar contos no Parque do Vale Grande, na Ameixoeira (dia 23), ou por festejar com toda a família no Jardim Mário Soares, ao Campo Grande (dia 25, pela manhã). No Museu do Aljube – Resistência e Liberdade durante todo o mês, há um programa intenso de entrada livre que inclui conversas, uma instalação (com concepção plástica de Ambrósio), exposições de fotografia, música, poesia e atividades destinadas aos mais jovens.

No campo do pensamento e da reflexão, destaque para mais uma edição do Festival Política, no Cinema São Jorge (25 a 28 de abril) e para um ciclo de conversas, a decorrer em várias bibliotecas de Lisboa, subordinado ao tema Abril e os direitos LGTBI.

Toda a programação está disponibilizada aqui.

Com estreia mundial agendada para o Espace Cardin, em Paris, a 22 de maio, Mary Said What She Said é um monólogo escrito pelo escritor afroamericano Darryl Pinckney, autor reconhecido no mundo do teatro pelas suas colaborações com Robert Wilson. Aliás, este é um reencontro ainda mais lato, uma vez que a eles se junta a consagrada atriz francesa Isabelle Huppert, mais de 20 anos depois deste “glorioso” trio ter levado a cena outro monólogo: Orlando, a partir do romance de Virginia Woolf.

Robert Wilson tem sido presença constante nas últimas décadas, apesar de há 17 anos não apresentar um espetáculo seu em Portugal. Huppert volta a Lisboa após uma passagem pelo LEFFEST, em 2017, no âmbito de retrospetiva.

 

Como o próprio Pinckney sublinha, “o sempre inventivo Robert Wilson oferece à grande Isabelle Huppert o trono da Rainha Maria da Escócia, a soberana que, por causa das suas paixões, perdeu a coroa”. Peça em três atos, Mary Said What She Said é uma história de amor, poder e traição sobre uma mulher que encarnou exemplarmente o desejo irreprimível da liberdade. Adivinha-se, portanto, um papel à medida de todo o talento de Huppert.

Numa produção do Theatre de la Ville (dirigido pelo luso-francês Emmanuel Demarcy-Mota), Wilson assina não só a encenação, como a cenografia e a luz do espetáculo, que conta ainda com música original do famoso compositor Ludovico Einaudi e figurinos de Jacques Reynaud.

O espetáculo integra a programação do 36.º Festival de Almada que decorre de 4 a 18 de julho em Almada e Lisboa. Os bilhetes (com preços entre 10€ e 50€), bem como as assinaturas (75€) que facultam o acesso a todos os espetáculos do festival, serão colocados à venda no decorrer deste mês.

 

Filipe Homem Fonseca

A Imortal da Graça

Filipe Homem Fonseca (n. 1974) é um veterano da escrita de textos humorísticos para teatro, televisão, rádio, cinema e Internet, atividade que lhe trouxe o reconhecimento do meio e também do público, e que ajudou à personalização de uma escrita que se reflete igualmente nos romances de que é autor. O terceiro chama-se A Imortal da Graça e introduz-nos na Lisboa atual com contornos de distopia. As idosas do bairro da Graça tecem cenários e conspiram para tentarem chegar ao pódio da mais velha de todas. À sua volta outras personagens, igualmente sitiadas pelas obras que não têm fim, levam existências sonhadas, adiando planos, algo que o escritor acentua sublinhando uma estagnação comum que é olhada de vários pontos de vista. As personagens são definidas com eficácia, mordacidade, em poucas linhas. O livro é também fértil em aforismos. Como este: “A felicidade é, também, uma espécie de conveniência dos afectos e das disponibilidades.” Quetzal

 

Nuno Júdice

O Café de Lenine

Escrever um romance é “um trabalho que nos envolve, mas que, ao mesmo, tempo, nos liberta dessa qualquer coisa que existe algures, dentro de nós, e que temos de materializar para descobrir do que é que se trata”. Nuno Júdice, poeta, ensaísta, e ficcionista, escreve um romance pós moderno cujo tema é justamente a criação de um romance. O que escrever? Como começar? Como criar uma personagem sabendo que “um personagem é um ser incómodo para o escritor. Precisa de um nome de um corpo, de uma psicologia (…) e de um contexto”? Mas, rapidamente surgem desvios e o autor envereda por caminhos secundários: compara com humor a inspiração aos mosquitos, o tabaco às ideologias, as cigarras a Deus. Atravessa várias épocas e cruza personagens literários e figuras históricas, faz-nos conviver com Fabrice del Dongo em Waterloo, com Ema Bovary no Luxemburgo ou testemunhar uma conversa de café entre Guerra Junqueiro e Lenine. São, afinal, esses múltiplos desvios que enformam a matéria de um romance que se repensa, combinando ficção, crónica, memória e reflexão. Dom Quixote

 

Maya Angelou

Sei Porque Canta o Pássaro na Gaiola

Maya Angelou, figura fundamental da cultura afro-americana e dos direitos civis nos EUA, incentivada pelo seu amigo, o escritor James Baldwin, publicou este seu primeiro volume autobiográfico em 1969. A obra constitui um dos mais impressionantes documentos humanos do século XX, sobre a experiência de uma mulher negra vítima de dupla discriminação, de género e de raça. É também um exemplo notável de capacidade de superação face à adversidade. O título cita um verso de Sympathy, de Paul Laurence Dunbar e recorre à metáfora do “pássaro na gaiola” para representar a condição da escravatura e as suas marcas na identidade negra. O canto do pássaro assume também um duplo significado: simbólico (através do seu primeiro livro, Maya procura “a sua voz” enquanto escritora) e literal (em consequência de ter sido violada em criança, Maya deixou de falar durante cinco anos). Maya Angelou foi um pássaro que, até à data da sua morte, em 2014 aos 86 anos, não parou de cantar, pois “não há maior sofrimento do que guardar uma história por contar dentro de nós.“ Antígona

 

Thomas Hardy

Tess dos D’Urbervilles

Raros foram os escritores se distinguiram igualmente na poesia e na prosa; Thomas Hardy constituiu uma das mais notáveis excepções. Os seus poemas, longe de preciosismos, escritos numa linguagem próxima do discurso falado, prepararam o caminho para a poesia inglesa moderna. Os seus romances realistas, profundamente pessimistas, recebidos com a maior severidade pela sociedade vitoriana, perspetivam o Homem como refém das duas maiores influências da civilização ocidental: a tragédia grega clássica e a noção de destino, o cristianismo e o conceito de culpa. Nesta obra admirável, Hardy, “o maior escritor trágico entre os romancistas ingleses”, segundo Virginia Woolf, narra a história de Tess, uma jovem camponesa violada por um parente rico que tenta refazer a vida com Angel, por quem sente um amor puro e sincero. Relação que será destruída pelos preconceitos e pelas convenções sociais. Uma vez mais, o autor constrói um romance revelando duas forças em movimento: “a alegria de viver que nos é inerente, e aquilo que se opõe a essa mesma alegria por via das circunstâncias.” Relógio D’Água

 

José Ramos Tinhorão

Os Negros em Portugal

Os Negros em Portugal – uma presença silenciosa é já uma obra de referência da historiografia portuguesa. Recorrendo a uma vasta gama de fontes, explorando em particular os textos literários e teatrais, José Ramos Tinhorão oferece-nos uma obra sólida, trazendo para a luz do dia uma realidade escassamente conhecida e estudada. Obra rigorosa e de grande erudição, escrita de forma viva e ágil, torna-se por isso acessível a um público muito vasto. O autor nasceu em Santos, no Brasil, a 7 de fevereiro de 1928. Depois de se mudar para o Rio de Janeiro, em 1938, formou-se em Direito e em Filosofia e tem-se dedicado ao jornalismo e, principalmente, à investigação na área da Música e da Etnografia. Autor de uma vasta bibliografia, principalmente da música brasileira, publicou na Editorial Caminho, entre outros, os seguintes títulos: Fado: Dança do Brasil, Cantar de Lisboa, o Fim do Mito; As Origens da Canção UrbanaCaminho

 

Fernanda Botelho

A Gata e a Fábula

O romance A Gata e a Fábula tem no seu cerne a revisitação das origens, do mundo da infância. Aquando da sua publicação original, em 1960, as suas personagens desvendavam uma geração que, então, se afirmava e questionava no mundo do pós-guerra português. A história desenvolve-se em torno de um grupo de mulheres pertencentes à aristocracia empobrecida, que procuram manter o estatuto através do casamento. Fernanda Botelho traça um apurado retrato social da sua época, trabalhando processos narrativos, que versam sobretudo o monólogo interior das personagens. Escreve Marcelo G. Oliveira no prefácio da presente edição: “Talvez uma das características fundamentais de todo o percurso de Fernanda Botelho seja a forma com a sua obra sempre conseguiu escapar a rótulos e a apreciações convencionais, revelando uma integridade inexcedível na sua constante e pessoalíssima busca por uma expressão justa da condição humana nesse Portugal da segunda metade do século XX.” Abysmo

 

Anna LLennas

O Monstro das Cores Vai à Escola

O primeiro dia de escola é um dos momentos mais marcantes na vida de uma criança. E o Monstro das Cores está compreensivelmente nervoso porque, afinal, esse dia nunca é fácil. Muitas emoções para explorar e gerir, novos amigos para fazer, muitas aventuras para viver… Como se sentirá o nosso amigo? Neste livro, é possível acompanhá-lo na descoberta de novas rotinas, diferentes espaços e outras dinâmicas e o importante é ele perceber que não está sozinho. Porque por muito difíceis que sejam as mudanças, há sempre a parte boa: as surpresas que elas nos podem trazer. Será que o Monstro das Cores vai gostar da experiência? Nuvem de Letras

Diamantino começa assumindo-se como ficção. No entanto, a personagem principal e o contexto sociopolítico têm uma aparência muito real. Onde encontraram inspiração para esta obra?

O filme parodia bastante o que está mesmo agora a acontecer. Aspirava a satirizar ludicamente a cultura da celebridade, especialmente focada em estrelas dos desportos como Cristiano Ronaldo ou Lance Armstrong, estrelas de reality show como Kim Kardashian, ou mega-celebridades como Madonna e Angelina Jolie. Mas todas essas estrelas foram só inspirações. Diamantino deixa de algum modo ver para além e por detrás da máscara da celebridade superficial, auto-obsessiva e materialista, e permite aceder a um tipo de pessoa completamente diferente, que é apenas inocente, cândida, e cheia de amor.

O filme é uma metáfora de um país, Portugal, mas também do mundo ocidental. Através da comédia são abordadas questões dramáticas: a crise dos refugiados, o populismo que vinga nos EUA e na Europa, e um endeusamento exacerbado de determinadas personalidades. Foi intenção levar o público a reflectir sobre estas questões?

O filme é uma sátira e espero que faça o público rir e pensar sobre as coisas mais ridículas e chocantes que estão hoje a acontecer, como o Brexit, a presidência do Donald Trump, a ascenção da extrema direita ou a crise dos refugiados. Nesse sentido, Diamantino inspira-se na grande tradição da sátira política que vem desde Aristófanes, passa pelo Candide para desembocar em South Park: uma comédia que é suposto fazer rir e pensar ao mesmo tempo.

Podemos dizer que hoje os estádios de futebol são as novas catedrais, que os jogadores são os novos Michelangelo?

O filme começa com o Diamantino a dizer isso mesmo em voz off. E há alguma verdade nessa frase. A beleza dos jogadores mais talentosos pode ser comparada às mais belas obras de arte e os estádios são um centro de devoção, de fé, de superstição. Mas tudo isso talvez esteja um pouco hiper-romantizado. Os estádios são também lugares comparáveis ao Coliseu de Roma, no sentido em que neles se manifesta a mentalidade da horda populista que os tornou possíveis. Penso que o filme joga com essa dupla função do desporto de elite – pode ser belo e inspirador e ao mesmo tempo uma das mais virulentas formas do nacionalismo, do nepotismo, e do pensamento massificado que hoje se espalham rapidamente.

“É um filme sobre ambiguidade e liberdade, sobre a descoberta da sexualidade, sobre a fluidez de género.”

 

Diamantino foi o filme de abertura do festival Queer, em Lisboa. Em que sentido se pode dizer que esta obra pertence ao universo queer?

Diamantino é um filme sobre ambiguidade e liberdade, sobre a descoberta da sexualidade, sobre a fluidez de género. É também extremamente camp e tonto, e deleita-se no poder intoxicante do mau gosto mais trashy, como por exemplo com uma super estrela do futebol a fantasiar sobre cãezinhos pequineses enormes a saltar através de nuvens cor-de-rosa.

Os atores são todos portugueses. Como foi feito o casting para o filme, foi imediata esta opção em relação aos atores?

O Daniel e eu ficámos muito empolgados por trabalhar com este cast. Já tinha trabalhado três vezes com o Carloto Cotta, e o Daniel e eu escrevemos o guião a pensar nele. Queria também o Filipe Vargas e a Joana Barrios, com quem já tinha colaborado. Não conhecia a Margarida e a Anabela Moreira, a Maria Leite, a Carla Maciel ou a Cleo Tavares, mas foram todas tão brilhantes… São alguns dos atores mais talentosos e foi realmente magnífico trabalhar com eles.

Diamantino recebeu este ano o Grande Prémio da Semana da Crítica no Festival de Cannes. Tem ainda marcado presença em importantes festivais de cinema. Qual o impacto dos prémios e a importância da presença em festivais?

O Daniel e eu ficámos chocados por ganhar o prémio. Já tínhamos ficado surpreendidos por termos sido aceites num festival tão prestigiado. Começámos a trabalhar no Diamantino em 2010 e estamos ainda a trabalhar na distribuição do filme agora em 2019 – por isso pode dizer-se que, do princípio ao fim, levou mais de uma década a fazer esta obra. Durante este tempo houve imensos altos e baixos, chegámos por vezes a perder a perspetiva do filme e do que ele poderia representar para as pessoas. Neste sentido o prémio, bem como a reação dos críticos e público em Cannes, foi arrebatadoramente positiva e uma grande emoção, fazendo-nos sentir que todos estes anos a trabalhar no filme valeram a pena. O mais importante para nós era ouvir as pessoas a rir, senti-las a emocionarem-se com o filme.

O Gabriel tem também formação em artes visuais. De que forma essa vertente influência o seus filmes?

Comecei a pintar quando era muito novo, fui para a escola para pintar e foi então que passei a frequentar as aulas de História do Cinema com o mítico crítico do Village Voice, Jim Hoberman.  Aprendi quase tudo o que sei sobre história do cinema nessas aulas. Ele deu-nos a ver Dryer e Griffith juntamente com Anger e Warhol. Penso que foi esse mix de experiências arcaicas no cinema primitivo e de filmes de arte underground que realmente influenciou as minhas primeiras tentativas de fazer cinema.

De que melhor maneira poderíamos definir este objeto enigmático e caricato, grotesco e absurdo, tão excessivamente divertido, mas até trágico, chamado Ballyturk? Jorge Silva Melo, que assume ter sido a peça mais difícil que dirigiu até hoje, considera-a “uma slapstick comedy [em português a referência será o chamado “pastelão”] que faz Beckett sair da academia e entrar numa taberna irlandesa, com Guiness a rodos e serradura no chão.”

Aliás, o teatro de Enda Walsh (n. 1967) desde Acamarrados explora “esse lado voluntariamente rasca” e impregna-o de referências eruditas. Em Ballyturk, uma comédia bem irlandesa, descortinam-se marcas de James Joyce (as paredes que falam sugerem ser conversas de vizinhos num qualquer bairro de Dublin), do galês Dylan Thomas “e do seu belíssimo Sob o Bosque de Leite”, mas, principalmente, de Samuel Beckett e do seu incontornável À Espera de Godot. “Descobri Godot himself naquele misterioso visitante que surge na sala, vindo de algures numa paisagem irlandesa”, sublinha Silva Melo.

O ator António Simão numa cena da peça.

 

A essas referências, Walsh junta o tal universo slaptick das populares comédias britânicas da série Carry On ou dos célebres Três Estarolas. Como se metesse todos os ingredientes numa centrifugadora – tal o ritmo frenético a que, em palco, os atores (no caso, Américo Silva e Pedro Carraca) são sujeitos –, o autor constrói uma “espécie de ritual a dois, aplicando excesso aos gestos quotidianos que, à Beckett, retira às rotinas das vidas normais.”

A peça é “uma loucura” não só pela exigência física das interpretações, como pelos efeitos especiais em cena. “Não imaginava no que me estava a meter quando decidi fazê-la”, confessa o encenador, lembrando que o cuco do relógio se incendeia e até o microondas explode a dada altura.

Aliás, é o tempo, marcado pelos relógios e pelos mais diversos artefactos em palco, que parece ser a chave para descodificar este objeto tão fascinante como enigmático. Porque, no fundo, nunca sabemos onde estão e quem são aqueles homens e que lugar é esse que ressoa, mas não vemos, chamado Ballyturk.

paginations here