António Maria Lisboa

Uma Poesia Extrema

Cometa que iluminou de forma intensa, mas breve, a poesia portuguesa do século XX, António Maria Lisboa (1928-1953) morreu prematuramente aos vinte e cinco anos, vítima de tuberculose. No final dos anos 40, tornou-se num dos mais ativos protagonistas do Surrealismo Portuguesa, exercendo uma influência determinante na formação do Grupo Dissidente, ao lado de Mário Cesariny com quem partilhou uma intensa amizade. Todavia, como sublinha Joana Matos Frias na introdução da presente edição, a sua obra “evolui toda no sentido da afirmação de um percurso convictamente individual, avesso a conceções grupais ou coletivas de criação e de poesia”. O poeta escreve numa carta a Cesariny, datada de 1950: “A leitura, a escrita, a prática e realização do Amor, a conquista da Liberdade – são formas de ação individual!” Individualidade e singularidade de uma obra caracterizada por “um vocabulário próprio de atos-palavras” onde cabem “certas irreconhecíveis palavras conhecidas, várias palavras conhecidas, uma vasta zoologia fantástica de seres imaginários (…), uma mitologia de raízes nem sempre óbvias ou reconstituíveis, uma constelação surrealista divergente (…) e uma tão rica quanto distante rede de referências culturais ancestrais e não ocidentais”. Esta antologia reúne o essencial da obra do poeta que escreveu “– o peixe morreu ao sair da água / e assim já não é peixe //Assim como eu que vivo uma VIDA EXTREMA.” LAE Penguin Clássicos

Han Kang

Despedidas Impossíveis

Um rosto de mulher centrado e focado; ao fundo, fora do foco, uma montanha coberta de neve e uns ramos de arvore secos e enegrecidos. A fotografia da escritora Han Kang, Prémio Nobel de Literatura 2024, patente no verso da contracapa de Despedidas Impossíveis parece ter sido tirada propositadamente para este livro marcado pela omnipresença da neve, símbolo de morte (a neve que “congela sobre o rosto dos mortos”), e a imagem recorrente de troncos negros e retorcidos, metáfora do sofrimento humano. A melhor amiga de Kyungha sofre um grave acidente.  Internada num hospital em Seul, suplica-lhe que vá a sua casa, na Ilha de Jeju, salvar o periquito que está há três dias sem água nem comida. A caminho, Kyungha é detida por uma tempestade de neve. Chegará a tempo? Esta obra não se destina aos leitores que se satisfazem com uma resposta prosaica a esta questão. Trata-se de uma narrativa complexa e profunda, de grande beleza, que dilui os contornos entre vida e morte, sonho e realidade, presença e ausência, longe e perto, passado e presente. No centro, o trauma de um assassínio em massa, ocorrido nessa ilha, no tempo da ditadura militar. Juntas, as amigas, assombradas pelo pesadelo deste massacre, irão resgatar a memória das vítimas através da escrita e do cinema. Tudo isto narrado como se a protagonista “tivesse aberto a porta para um sonho dentro de um sonho, e entrado”. LAE Dom Quixote

Xavier Durringer

A Love Supreme

Nem sempre acontece, mas é de louvar que a tradução para português (de Joana Frazão) da peça do dramaturgo francês Xavier Durringer (n. 1963) chegue às livrarias ao mesmo tempo que, na Karnart, em Belém, o espetáculo esteja em cena, numa produção dos Artistas Unidos, com encenação de Andreia Bento e Nuno Gonçalo Rodrigues. Roubando o título ao famoso álbum de John Coltrane, A Love Supreme é o intenso e emocionante monólogo de uma dançarina de strip tease num peep show de Pigalle, em Paris. Depois de 32 anos de trabalho, Bianca é surpreendida ao ser despedida pelos novos donos do estabelecimento que há décadas ostenta nome de obra-prima do jazz. Na solidão do camarim pela última vez, a dançarina revisita a sua vida no lado mais secreto da noite parisiense, onde o sexo, as drogas, o álcool e o dinheiro imperam, e reflete sobre o modo como, face ao envelhecimento do corpo, a mulher deixa de ser olhada enquanto “objeto de desejo” e se torna descartável e invisível, num meio onde a regra é ditada pelo “culto da juventude”. Escrita por Durringer em 2018, especificamente para a atriz e cantora Nadia Fabrizio, o texto combina com especial apuro o retrato de uma mulher com as transformações sociais, culturais e urbanas em Paris, de finais do século passado aos dias de hoje. FB Artistas Unidos/SNOB

Margarida Ferra

Saber Perder

Delicado é talvez um dos melhores adjetivos para descrever o novo livro de Margarida Ferra, Saber Perder, o primeiro de prosa, mais de uma década depois de ter publicado Sorte de Principiante, de poesia. A autora escreve sobre objetos, pessoas, histórias que se passaram consigo e outras que ouviu e colecionou, põe no papel episódios do seu quotidiano e das suas memórias, para nos falar sobre escrita – o prazer de escrever, a dificuldade de escrever, a tentação e a fuga à escrita. Como os fios de malha de que nos fala logo nas primeiras linhas do livro, Margarida Ferra vai entrelaçando uma narrativa composta de pequenos textos (por vezes, só parágrafos) que se sucedem numa cronologia e num sentido próprios. Ao longo das páginas, vamo-nos deparando com um tecido de memórias feito de histórias, lugares, gestos e pensamentos que reconhecemos como familiares – sendo seus, podiam ser nossos também, sobretudo aqueles a que no dia-a-dia não damos importância, mas que aqui nos devolvem uma sensação de intimidade caseira. Uma leitura de conforto, mesmo quando nem tudo é confortável. GL Companhia das Letras

Antonio Scurati

Fascismo e Populismo: Mussolini Hoje

Depois de nos presentear com a colossal biografia romanceada de Benito Mussolini, em quatro volumes e mais de 2 mil e 600 páginas, Antonio Scurati faz o exercício radicalmente inverso que é traduzir para um livrinho de assinaláveis clareza e concisão, a mesma figura enquanto portador de sinais para a política do presente: Mussolini como “criador da prática, da comunicação e da liderança política a que hoje chamamos populismo soberanista.” Fascismo e Populismo: Mussolini Hoje tem por base uma conferência apresentada por Scurati poucos dias após a vitória nas eleições gerais italianas do partido Irmãos de Itália, encabeçado por Georgia Meloni. O autor define a estratégia do populismo soberanista como a substituição da política da esperança, simbolizada pelo Sol do Futuro do socialismo, pela política do medo, que se aproveita dos períodos de crise económica e social para reduzir a vida aos humores mais negros. O evangelho populista convida a que passemos “de um sentimento passivo, introvertido, depressivo, como o medo, a um sentimento ativo, expansivo e eufórico como o ódio.” A compreensão destes mecanismos em nós é fundamental para entender e desmontar os populismos soberanistas atuais. RG ASA

Jenny Erpenbeck

Kairos

Kairos, como a autora explica no prólogo, é o nome do “deus do instante auspicioso”, e somos levados a pensar que esses instantes são despoletados pelo encontro, por mero acaso, de Katharina e de Hans num autocarro em Berlim Leste, no ano de 1986, quando a cidade integrava a República Democrática Alemã. Ele tem mais 34 anos que a rapariga e é casado. O amor de ambos será vivido por isso na clandestinidade. É também natural que esqueçamos o prólogo ao avançarmos na leitura, uma vez que a intensidade de cada encontro e de cada separação, com a descrição minuciosa em particular dos estados de alma da mulher, levam a que vivamos o romance sempre no tempo presente; um tempo que engloba as condicionantes sociais de um país marcado pela escassez de recursos e pelo cerceamento da liberdade individual. As condições externas contribuem igualmente para a erosão da relação, bem como a diferença de rumos que tomam as vidas de cada um. Existe um efeito de suspense neste livro de Jenny Erpenbeck que passa dos amantes para o leitor, que também vê nos pequenos indícios o anunciar de algo que ameaça em definitivo a estabilidade do relato amoroso. RG Relógio D’Água

José Silva Carvalho

Escola Nocturna – A Escola Republicana de Carnide

Editora independente, desde 2002, a Caleidoscópio tem-se especializado na publicação de livros e revistas, sobretudo nas áreas da Arquitetura, do Património, do Urbanismo, do Design, das Artes, da História. Escola Nocturna – A Escola Republicana de Carnide, de autoria do arquiteto José Silva Carvalho, é um dos seus mais recentes títulos. O enfoque principal deste livro é a história do singular imóvel onde no início do século XX se instalou a Escola Nocturna de Carnide. Contudo, o autor considerou que era natural e necessária a inclusão de referências várias a outros edifícios do sítio, de alguma forma correlacionados com aquele estabelecimento de ensino, alargando e enriquecendo também, deste modo, o livro. A Escola Nocturna teve uma intensa utilização, abarcando atividades complementares às da instrução, quer no plano cívico, quer no político, conferindo-lhe uma relevância particular no chamado núcleo histórico desde os primeiros anos de novecentos. Essa polivalência, embora de forma menos acentuada, continuou durante o Estado Novo. O amplo espaço da sala de aulas da Escola Nocturna, localizado no piso superior do edifício, teve, pois, um papel primordial ligado a uma longa e continuada vertente letiva, assim como à difusão do ideário republicano. LAE Caleidoscópio

Vanessa Barbara

Três Camadas de Noite

“Mas a realidade era uma torrente de lama que veio carregando o bolo de ameixa, o canguru, as tardes de sol e foi me soterrando, me cobrindo, até que me vi em uma caverna sem abertura, de onde eu não sairia pelos próximos anos e de onde provavelmente ainda não saí.” Três camadas de noite conta-nos a história duma recente mãe e dos desafios da maternidade. Com três livros premiados, esta escritora e tradutora de grego, que já antes do nascimento do filho tinha dificuldades em dormir e cumprir os supostos horários de trabalho normais, vê a sua saúde mental ser cada vez mais afetada, sobretudo pela privação do sono e pela necessidade de alimentar o bebé durante a noite. Num misto de ficção e autobiografia, este é o primeiro romance de Vanessa Barbara a ser publicado em Portugal. Mas esta é também a história de Sylvia Plath, Clarice Lispector, Henry James e Franz Kafka, escritores com um temperamento melancólico que em várias fases das suas vidas tiveram de lidar com a depressão. Apesar de ser um tema sensível, ao longo de cerca de 200 páginas, a autora aborda-o com humor, mantendo sempre a esperança de melhores dias. “… durante um só dia tudo fica claro e tudo fica escuro e de novo tudo claro. O que é preciso é não ir demais contra a onda. A gente faz como quando toma banho de mar: procura subir e descer com a onda.” SS Suma de Letras

Jacques Ranciére

As Viagens da Arte

Jacques Ranciére é filósofo e professor emérito da Universidade de Paris VIII. O autor que, há décadas, investiga as relações entre a estética e a política, é considerado um dos maiores pensadores da atualidade. Rancière tem contribuído em larga medida para o debate de ideias nas áreas da história, da política, da filosofia e da estética. As Viagens da Arte, obra publicada em 2023, reúne seis textos “escritos para responder a ocasiões diversas”. Contudo, a problemática comum e as linhas de força que circulam entre eles são facilmente percetíveis ao leitor. O próprio autor contribui para clarificar essas conexões: “Estes escritos exploram as premissas, os desenvolvimentos e alguns resultados deste movimento que leva a arte para fora e além de si mesma”. Isto é: quando a arte é levada “pela sua lógica interna, a sair de si mesma, não só a deixar os seus lugares próprios para explorar o mundo que a rodeia, mas também a pôr em questão a sua identidade e a sua perfeição própria para se tornar qualquer coisa diferente de si mesma”. Movimento impulsionado por aventuras, como a dos “artistas soviéticos numa revolução que veem não como causa a servir, mas como a própria realização do destino da arte, que é produzir  não apenas obras para contemplar, mas formas concretas da vida comum”. LAE Orfeu Negro 

Confirma-se: o teatro musical parece mesmo estar na moda! Depois de tempos em que assistir a um musical em Lisboa se circunscrevia a uma ida ao Teatro Politeama, hoje, este género teatral que combina o registo dramático com a música e a dança encontra cada vez mais espaço no cartaz dos teatros da cidade. Lisboa parece estar a tornar-se mais musical e, para além de receber com regularidade grandes produções internacionais, algumas provenientes da Broadway e do West End, são cada vez mais os artistas portugueses a apostar na recriação dos grandes sucessos ou a criar propostas artísticas inéditas.

Preparados para abrilhantar os palcos de Lisboa, fomos de Alvalade ao Parque Mayer, passando pelas avenidas novas e Chiado, visitar os bastidores de cinco espetáculos: três são musicais de sucesso internacional; os outros usam o cancioneiro português, colocando-o ao serviço de uma boa história.

Maria Inês Lopes, Mari Ribeiro, Leonor Estrela e Beatriz Terras

Foi muito fácil para mim construir

o imaginário deste espetáculo

através das canções do Sérgio Godinho.

Rita Lage

Rita, põe-te em guarda

Antes de colocar no papel a história cruzada de quatro mulheres nos tempos que antecederam a queda da ditadura, Rita Lage começou por se inspirar na história de amor dos seus avós. Para além de se definir como “uma pessoa muito politizada e interventiva”, a autora e encenadora é formada em teatro pela Evoé e pela EDSAE (Escola de Dança e Teatro Musical), e à história de amor que tinha como ponto de partida, não resistiu a “introduzir todo um conjunto de temáticas sociais e políticas”, que iriam ao encontro de canções de artistas que “ousaram enfrentar a censura”. Foi então que percebeu: “a larga maioria dos temas que pretendia usar continham um misto de intervenção, de luta e força, mas também de romantismo”.

Assim, foi na extensa discografia de Sérgio Godinho que descobriu que, “a um espetáculo que já estava montado na cabeça, só faltavam mesmo canções onde há imagens, há histórias, há pessoas reais, há uma teatralidade gigante…”

Na verdade, a relação de Sérgio Godinho com o teatro é longa e profícua, tendo começado na juventude onde, exilado em Paris, integrou o elenco do musical Hair. Se, como ator, trabalhou com encenadores como Ricardo Pais ou Jorge Silva Melo, como músico e letrista, a lista é extensa, destacando-se, já neste século, Portugal, uma comédia musical, encenado por António Feio, e Tropa-Fandanga, a revista à portuguesa do Teatro Praga.

Ao saber das intenções de Rita em usar canções suas nesta produção da companhia Ação Reação, o cantautor recebeu a encenadora – “A princípio ficou naturalmente confuso. Afinal, íamos fazer com as canções algo completamente diferente do seu propósito original, isto é, colocá-las num musical; depois, afirmou: afinal, as canções já não são só minhas, e desde aí tem sido um apoio extraordinário para nós.”

NO AUDITÓRIO CAMÕES A 1 E 2 DE MARÇO.

David Gomes, Miguel Cruz e Sara Madeira

É um espetáculo que fala da revolta dos artistas

e dos sonhos que procuram alcançar,

mas com muito pouco tempo para o fazer.”

Bernardo Raposo

Tick, Tick… Boom!

Nem todos os musicais de sucesso planetário se estreiam na grande meca do género, a Broadway. Peças como Hamilton, Avenida Q ou Rent começaram por ver o brilho das luzes off-Broadway, um circuito alternativo de teatros de Nova Iorque com lotações inferiores às das grandes salas, viveiro efervescente de novos talentos teatrais.

Entre autores que deram que falar está o nome de Jonathan Larson que, em 1990, estreava o solo que esteve na origem de Tick, Tick… Boom!, e que em 2001 seria adaptado a uma versão para três atores assinada pelo multipremiado David Auburn. Hoje, a peça do prematuramente falecido Larson é uma das referências do musical off-Broadway, estando na origem de um filme protagonizado por Andrew Garfield.

Pela mão do jovem encenador Bernardo Raposo e da sua Ultra Produções, Tick, Tick… Boom! vai ter agora uma versão em português da história de Jon, um compositor que lida com a ansiedade de fazer 30 anos e ainda não ter alcançado o sucesso profissional que almeja.

Depois de ter estudado teatro em Londres e Nova Iorque, onde participou em produções off-Broadway, Bernardo decidiu, como assume, aventurar-se “num musical que alinhasse os objetivos pessoais com os da [sua] produtora”. Deste modo, estrear esta peça em Portugal é como um statment: “Quando voltei, deparei-me com episódios onde os atores parecem estar a fazer um favor aos produtores para pertencer a um projeto. Isso é contrário à realidade que vivi lá fora, onde as coisas são milimetricamente desenhadas e pensadas e os atores são vistos como o auge do espetáculo”.

Por isso, fazer Tick, Tick… Boom! é a melhor maneira de pôr a soar a “revolta de uma geração de artistas”, sob a égide de “um compositor que adoro e traduz como ninguém a paixão de seguir os nossos sonhos.”

ESTREIA NO AUDITÓRIO SANTA JOANA PRINCESA A 7 DE MARÇO.

Raquel Tillo, Jorge Mourato, Ana Cloe e Inês Pires Tavares

A opção insólita e fora da caixa de tornar

um texto tão conhecido e icónico num musical

revelou-se desafiante e atrativa.

Diogo Infante

Sonho de uma Noite de Verão

Quantas vezes uma história já contada terá inspirado um musical? São incontáveis os casos, mas, a propósito de Shakespeare, entre comédias e tragédias, foram várias as peças que deram origem a musicais, contando-se entre os mais célebres The Boys of Syracuse, de Rodgers e Hart inspirados pel’A Comédia de Enganos, ou o inigualável West Side Story, composto por Bernstein a partir de Romeu e Julieta.

Curiosamente, neste Sonho de uma Noite de Verão, que volta ao Teatro da Trindade depois de uma temporada de sucesso, não foi Shakespeare, mas um popular jukebox musical que esteve na origem do espetáculo. Conta Diogo Infante que, numa ida a Londres para ver Moulin Rouge, se pôs a pensar “como seria fazer aquele espetáculo em Portugal e se a adaptação musical de temas pop muito conhecidos iria funcionar em português”.

O encenador, que já levou a cena musicais tão famosos como Cabaret e Chicago, reconhece que, “a partir daí, a mente viajou” até ao Sonho de uma Noite de Verão, peça que interpretou como ator há mais de 30 anos, no Teatro da Malaposta, dirigido por Rui Mendes. Sendo um texto que tão bem conhecia, e atendendo à vontade de “mergulhar naquele universo de fantasia e magia” que o marcara, Infante fez do cancioneiro pop/rock a base para criar “uma versão única e muito portuguesa” do clássico, onde Hérmia, Lisandro, Teseu, Helena ou o irresistível Puck entrelaçam as palavras de Shakespeare com canções de Amália, Paulo de Carvalho, Simone de Oliveira, Ornatos Violeta, Heróis do Mar, Catarina Deslandes, HMB, entre outros.

Tudo isto, combinado com uma talentosa equipa artística num dos palcos históricos da cidade, proporciona “uma viagem sensorial de prazer e bem-estar” que já encantou mais de 40 mil espectadores.

A PARTIR DE 5 DE MARÇO NO TEATRO DA TRINDADE.

Ruben Madureira, Joana Manuel, Brienne Keller e João Maria Cardoso

Embora todos conheçam

estas personagens da televisão ou do cinema,

aqui, estamos a fazer algo que também é nosso.”

Ricardo Neves-Neves

A Família Addams

Macabros, excêntricos e com uma pitada de bom gosto aristocrático, os Addams habitam a cultura popular desde o final dos anos 30 do século XX, quando o cartoonista Charles Addams os apresentou através das páginas da revista The New Yorker. A partir dos anos 60, Gomez, Morticia, Wednesday, Pugsley e companhia chegaram à televisão, mas foi no início de 90, através do cinema, que esta versão irónica e negra, mas bem-humorada, da família americana chegou com estrondo ao imaginário de espectadores de todo o mundo.

Os Addams são recebidos na Broadway em 2010, através da peça premiada de Andrew Lippa – com Nathan Lane, no papel de Gomez, e Bebe Neuwirth no de Morticia -,  mantendo-se em cena nos Estados Unidos desde então. Surpreendentemente, Ricardo Neves-Neves desconhecia este musical até a Força de Produção o desafiar a encená-lo. Levando em conta o gosto pela música, pelo absurdo e pelo non sense, “pareceu-me um projeto até bastante óbvio que só me parece estranho nunca me ter passado pela cabeça”, confessa com humor o encenador.

Nesta comédia, o casal Addams fica desconcertado quando a filha, Wednesday, anuncia ter-se apaixonado por um jovem, digamos, convencional. Após uma série de peripécias, Gomez e Morticia decidem demonstrar boa vontade e convidam o noivo da filha e os pais deste para um jantar na mansão da família. Sem desvendar muito, “a dada altura, parece que a família Addams é mais ‘normal’ do que os convidados”, afiança Neves-Neves.

Neste regresso aos musicais de outras autorias, depois do grande sucesso de Mães, o encenador assume o quão estimulante do ponto de vista criativo pode ser dirigir “um musical que, embora tendo personagens tão reconhecidas pelo público, tem certamente a identidade dos artistas que o fazem.”

ESTREIA NO TEATRO MARIA MATOS A 6 DE MARÇO.

Marta Lys, Dennis Correia, Pedro Fontes e Bruno Huca

Este foi, talvez, o primeiro grande musical

a pôr em palco temáticas que habitualmente

não eram tratadas neste género de teatro.”

Martim Galamba

Rent

“Muita paixão e uma grande dose de loucura”. É deste modo que Martim Galamba, cofundador (com Sissi Martins e Ruben Madureira) da MTL – Musical Theater Lisbon começa por explicar a grande aventura de produzir em Portugal “a obra que revolucionou o teatro musical e se tornou um dos espetáculos mais conhecidos de sempre”: Rent, da autoria do malogrado Jonathan Larson.

“Quando a Câmara [Municipal] de Lisboa nos convidou para integrar a programação do primeiro ano do [renovado] Teatro Variedades, quisemos trazer algo marcante e que fosse importante para o teatro musical em Lisboa”, conta o produtor. Rent estreou off-Broadway em janeiro de 1996, na noite seguinte à morte súbita de Larson, mas depressa saltou para uma sala com mais de 1200 lugares na Broadway, onde permaneceu em cena durante 12 anos e fez mais de um milhar de apresentações.

Para além de um conjunto de grandes personagens e do retrato da vida boémia nova-iorquina dos anos 90, o segredo do sucesso de Rent, acredita Martim, foi “o modo como Larson tocou temas tão atuais como a homossexualidade, a epidemia do HIV, a igualdade de género, as drogas e até o problema da habitação nas grandes cidades”.

A versão portuguesa deste blockbuster dos musicais tem encenação de Sissi Martins, que também integra o elenco, e consultadoria artística do encenador original Michael Greif, o que leva Martim a afirmar que “isto é ter, literalmente, a Broadway em Portugal”. Segundo o produtor, a presença nos ensaios do encenador “que trabalhou diretamente com Jonathan Larson garante-nos um padrão de qualidade que nos permite ser o mais fiel e autêntico ao processo original de criação de Rent.”

ESTREIA NO TEATRO VARIEDADES A 26 DE MARÇO

No teu percurso tens cantado sempre em inglês. Como é que surgiu a vontade de mudar o registo para português?

Surgiu há muito tempo. Na verdade, desde que comecei a escrever em inglês, também sempre quis escrever em português. Tinha intenção e vontade de o fazer, mas as tentativas feitas também eram muito superficiais e pouco dedicadas. E, como as coisas não começavam imediatamente a sair de forma fluida, como já acontecia com o inglês, voltava a pôr a ideia na gaveta e não pensava muito nisso. E ia fazendo aquilo que ia surgindo: mais um disco de Sean Riley & The Slow Riders, ou ia começando a escrever para os Keep Razors Sharp… No final de 2019, estava de volta da guitarra e tive uma ideia para uma canção em português. Escrevi essa canção e, pela primeira vez, fiquei satisfeito com uma coisa que tinha escrito em português. Pensei: “se consegui fazer isto, espero que não seja uma tentativa que dê apenas uma canção. Se consegui fazer uma, se eu continuar a trabalhar nisto, provavelmente vai acontecer alguma coisa”. De repente entramos em 2020 e vem a pandemia… Os fins de semana eram passados em casa, as noites eram passadas em casa, não havia saídas, nem distrações, nem concertos, e então passei a ter mais tempo disponível e também passei por um período de uma certa reflexão que acho que a maioria de nós fez durante a pandemia: o que valorizávamos ou não na vida, qual o percurso que estávamos a tomar até então, se era esse que queríamos, se não era, e acho que essas duas coisas juntas fizeram com que realmente conseguisse começar a escrever de forma mais fluida em português.

Por que motivo é tão difícil compor em português? O que é que tem a língua que torna esse processo mais difícil?

Se sempre escreveste em português, se calhar não vais encontrar dificuldade, mas para quem vem do inglês, acho que talvez seja mais difícil porque tudo muda, mas também porque está habituado a escrever numa língua onde tudo soa bem: a métrica é fácil, a melodia é fácil, a exposição das ideias também é fácil, é tudo mais fácil. Há dias falava com um radialista numa entrevista, e ele dizia “I love you” não é o mesmo que “eu gosto de ti”. Para escreveres “eu amo-te” numa canção é preciso enquadrar muito bem… a língua portuguesa leva-me a uma ponderação muito maior, a uma escolha mais detalhada das palavras, das sílabas, etc. É preciso ter algum cuidado com aquilo que se diz para não cair num certo ridículo, para não ser um bocadinho plástico. Até porque, em português, a mensagem passa logo, enquanto que em inglês, se calhar, muitas pessoas nem prestam atenção à letra. Há uma transparência muito maior. Tenho a certeza de que há coisas que eu disse em canções em inglês que nunca ninguém percebeu a sério ou ninguém prestou sequer atenção.

Achas que esta maior facilidade de compor em português é uma evolução natural do processo de escrita ou surge de alguma maturidade?

Certamente que surge de alguma maturidade, mas também acho que a principal razão pela qual isso acontece é haver vontade e dedicação. Normalmente o trabalho é a única coisa que dá frutos, porque ninguém nasce extremamente talentoso e cada vez que agarra numa caneta ou num telemóvel escreve uma letra inacreditável. Há uns quantos predestinados a quem isso aconteceu [risos], mas a grande maioria das pessoas tem de trabalhar e acho que, na verdade, se eu for honesto comigo, só quando quis mesmo e quando comecei a fazê-lo é que as coisas saíram. Até aí era uma coisa em que pensava, mas depois não acontecia nada. Adorava escrever em português, mas na verdade não fazia nada para isso. Tinha uma frase linda que escrevia no telemóvel, mas depois não fazia nada com ela. É preciso trabalhar…

E agora que já experimentaste esse processo onde é que te sentes mais confortável?

Depois de fazer praticamente todas as canções do disco, fiz uma canção em inglês, para um projeto de um amigo, e o esqueleto da canção (melodia e letra principal) demorou uns 20 minutos a fazer enquanto ia de mota de uma ponta à outra da cidade. Parei a mota, gravei a ideia com o dictafone, e tinha a canção mais ou menos estruturada. Portanto, em termos de conforto, eu diria que seria mais fácil para mim escrever em inglês. Mas há uma questão engraçada que baralha tudo isto: por o português ser um desafio muito maior nesta altura, também é muito mais interessante e também me tem motivado mais. Dá mais luta, dá mais gosto.

Já nem sei é o cartão de visita deste disco. Por que é que escolheste esta canção para primeiro single?

Foi a última canção que escrevi para o disco e curiosamente foi a primeira a sair. A escolha de singles é sempre uma coisa um bocadinho difícil e eu gosto sempre de o fazer em equipa com o Filipe Costa (que fez o disco comigo), com toda a equipa da agência, do management, etc. Gosto sempre de ouvir a opinião de todos. Apesar de já ter feito discos, isto é como começar do zero, porque a outra história conta pouco para a música que estás a lançar neste momento. Acho que queríamos uma canção que fosse um bocadinho a montra daquilo que é o álbum, que conseguisse espelhar a sonoridade do disco e ao mesmo tempo uma canção que não fosse muito complexa do ponto de vista da letra e da melodia, para também, de alguma forma, ser fácil para as pessoas numa fase imediata. Era um bocadinho a conjugação disto: encontrar uma canção que realmente pudesse ter alguma amplitude e ao mesmo tempo que também conseguisse dar uma ideia bastante correta daquilo que é o álbum.

“Era um objetivo pessoal muito grande fazer este disco em português”

Por que motivo chamaste Areia Branca ao disco?

Toda a pré-produção e gravação do disco foi feita com o Filipe, que fez os arranjos e os instrumentais quase todos. O Filipe é um dos meus melhores amigos, acompanha-me nos Sean Riley & the Slowriders desde o início. Quando começámos a trabalhar nestas canções, fazíamos alguns retiros para uma casa que ele tinha na praia da Areia Branca. Desde aí que o nome de código do projeto era Areia Branca, porque ser o sítio para onde íamos trabalhar. Depois a ideia foi crescendo em mim e acabámos por deixar de trabalhar nessa casa para ir para uma casa no Pedrogão, mais uma vez em frente ao mar e à areia. Depois havia também esta ideia de a areia branca ser uma imagem que me traz alguma tranquilidade, paz e serenidade. Adoro o mar e adoro, quando estou a trabalhar em música, poder estar isolado do mundo para me concentrar naquilo que estou a fazer. E tem acontecido ir para sítios assim, casas que são perto do mar, normalmente nunca em alturas de verão, mas quando as praias estão desertas.

É estranho para ti ouvires a tua voz a cantar em português?

Agora já não sinto isso, mas também já estou neste processo há algum tempo. Estive em sessões de estúdio durante todo o ano de 2024 a gravar o álbum, tive sessões de pré-produção, houve esses retiros durante quase todo o ano de 2023 e eu comecei, como dizia, de uma forma mais séria a escrever canções em português em 2020. Ou seja, já tive tempo para me adaptar. Neste momento, já não penso sobre isso, mas lembro-me, no início, de sentir alguma estranheza e inclusive, como me causava estranheza a mim, de pensar que, quando pusesse as canções cá fora, também seria estranho para as pessoas que conheciam a minha música em inglês.

E que feedback é que tens tido?

Muito bom, na verdade. Se calhar as pessoas têm coisas más a dizer e não me dizem [risos]. Das pessoas com quem tenho falado, toda a gente tem dado um ótimo feedback. E mesmo aqueles que estavam um bocadinho mais resistentes acabam por dizer que, apesar da mudança de língua, sentem que a essência está lá. Sentem que há qualquer coisa autoral ali e que permanece independentemente da língua.

Pretendes continuar a gravar em português ou foi um projeto único?

Não tenho nenhum plano, não acabei nenhuma das outras bandas que tinha, não tenho nenhuma ideia de ir com nenhuma das outras bandas para o estúdio, portanto neste momento não tenho nenhum projeto. Era um objetivo pessoal fazer este disco em português, era uma coisa que ambicionava muito, uma prova de fogo que eu queria ver se era ou não era capaz de concretizar. Portanto, tê-lo feito foi uma grande vitória. E se eu nunca mais voltar a fazer nenhum, este está feito. É um bocado como aquela frase que fala em plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro… Mas, ainda há coisas que gostava de experimentar, com outro tipo de arranjos e ter eventualmente participações de outros artistas.

Como é que consegues gerir a tua carreira a solo ao mesmo tempo que tens as tuas duas bandas – Sean Riley & the Slowriders e Keep Razors Sharp?

Parando [risos]. Houve uma altura em que quase cheguei a lançar discos em espaços curtos de tempo – menos de um ano – com projetos diferentes e depois andar na estrada. Cheguei a ter concertos com Sean Riley a solo, Sean Riley & The Slowriders e Keep Razors Sharp e tudo obrigava a ensaios e a idas a estúdio e a gravações…  Este ano quero só estar focado neste disco e nos concertos deste disco, e eventualmente ter tempo para coisas extra que ainda vou fazer com algumas canções que ficaram de fora, etc. Para já, não quero voltar à correria de sobreposição de projetos. Não digo que não possa, se calhar para o ano, começar a trabalhar num disco de Slow Riders, mas este ano estou focado neste projeto.

A 7 e 8 de março apresentas o disco ao vivo no Teatro Taborda. Estás muito ansioso?

Um bocadinho. Não tanto por mostrá-lo ao vivo, mas por ser capaz de o mostrar bem. Acho que é isso que dá ansiedade, é querer fazer as coisas bem. Na semana passada estive num showcase no B.Leza, no aniversário dos 18 anos da minha agência [Produtores Associados], e tive a oportunidade de tocar cinco músicas. Foi muito bom, porque foi uma espécie de ensaio geral e de aquecimento para os concertos e deu-me bons indicadores. Correu bem, portanto estou um bocadinho menos nervoso do que se não tivesse tido esta sessão de treino. Mas há sempre nervos e há sempre ansiedade e em Lisboa também vou baralhar um bocado as coisas, porque o objetivo é apresentar sempre os concertos em trio: eu, o Filipe Costa e o Zé Cruz, que é o outro multi-instrumentista que toca trompete, piano e guitarra neste projeto. No entanto, nos dois concertos de Lisboa, o Zé Cruz não entra, mas vamos ter alguns convidados. Na primeira noite temos o Ray na guitarra, o Cláudio no trompete e o André Tavares [co-produtor do disco e engenheiro de som] no violoncelo. Na segunda noite vamos ter também o André no violoncelo e o Cláudio no trompete, e na guitarra, o Tó Trips. Portanto, vamos ter dois grandes amigos, pessoas que estão na minha vida há imenso tempo a tocar nos concertos. Então estes dois concertos no Taborda vão ser diferentes porque já não vão ser com a estrutura que estamos habituados. Vai haver vários convidados, entradas e saídas do palco… Mas acho que é bom isto de termos de nos pôr em bicos de pés à procura de alguma coisa que seja excitante e novo para nos mantermos motivados. Se é sempre a mesma coisa torna-se aborrecido.

A ideia de um jantar de família que descamba esteve subjacente à escolha de Hugo Franco para levar a cena Dîner de famille, comédia de grande sucesso em França, escrita por Pascal Rocher e Joseph Gallet. “Afinal, todos nós temos ‘aquele’ momento anual em que a família se reúne, seja no Natal ou no aniversário do mais novo, que não raras vezes proporciona inconfidências ou revelações surpreendentes”, nota o encenador, lembrando que isso dá à peça uma universalidade que nos permite “reconhecer, de algum modo, certas situações das nossas vidas”.

Em Um Jantar de Família, Hugo Franco encontrou uma peça que “não só é muito divertida, como consegue pôr-nos a rir de nós próprios”, mesmo perante personagens com perfis que se aproximam do absurdo, e à qual a interpretação dos atores empresta, segundo o encenador, um traço de “grotesco”.

A ação desenrola-se no dia do 25.º aniversário de Alexandre (Rogério Vale) que, em sua casa, prepara secretamente um jantar com os pais, separados desde o seu nascimento. Sabendo que o pai jamais acorreria ao convite do filho que não vê há mais de uma década, Alexandre informa-o de que padece de uma doença letal. Para garantir a presença da mãe, permanentemente ocupada e centrada na sua nova família, o filho inventa uma lesão grave que exige cuidados de terceiros.

Desconhecendo a presença um do outro, Frank (Miguel Damião), o pai, apresentador de televisão e gay, e Beatriz (Maria Ana Filipe), a mãe, dona-de-casa provinciana e em segundas núpcias com um homem que a trai, acorrem à chamada e, quando se reencontram, sobrepõem-se “múltiplas revelações sobre o passado e episódios hilariantes”. Para tornar o jantar ainda mais desconcertante, Alexandre começa por desvendar que engendrou este encontro para poder seguir com a sua vida, resolvendo os traumas de ter sido sempre o filho renegado. Ao mesmo tempo, o jovem aproveita ainda para comunicar aos progenitores que vai casar brevemente. Contudo, a pessoa com quem pretende fazê-lo está longe de obedecer aos requisitos dos pais.

Um Jantar de Família estreia-se a 27 de fevereiro, ficando em cena, na Sala de Novas Tendências da Comuna, até ao início de abril.

Por estes dias, as bonitas pinturas murais das paredes e tetos da Quinta Alegre – Palácio do Marquês do Alegrete, em Santa Clara, convivem com desenhos bem diferentes. Até 28 de março, Joana Estrela mostra ilustrações do seu novo livro Ão ão! e também daquele que lhe antecedeu, Miau!. Bandas desenhadas silenciosas, em que as únicas palavras dão conta de sons do enredo, os títulos da coleção mini micro da Planeta Tangerina nasceram de um desafio feito à ilustradora para que criasse histórias sobre a relação entre as crianças e os seus animais de estimação.

Depois de Miau!, um livro azul e branco sobre os dois gatos de Joana, chega agora Ão ão!, a verde e branco, que acompanha a aventura de uma menina numa quinta, para onde vai com a família e os seus dois gatos (sim, exatamente esses) e onde encontra um cão com quem descobre a vida no campo. Para a desenhar, fez uma residência artística de um mês em França, num santuário de animais abandonados e resgatados. “Sou mesmo uma pessoa da cidade e nunca tinha estado assim numa quinta. Queria descobrir como era a vida lá, sem partir do princípio que sabia como ia ser”, diz.

Na L’Autre Ferme, um lugar “no meio do nada, onde não havia nada à volta”, Joana acabou por se aperceber de muitos dos pormenores que, com a sua graça habitual, transportou para as páginas de Ão ão!: o barulho dos sapatos a pisar as folhas secas, as tocas subterrâneas e as orelhas dos coelhos, as lambidelas das vacas, as cabeçadas e os espirros dos carneiros (“não sei se são todos assim, mas os carneiros de lá espirravam mesmo!”), as bicadas das galinhas, os voos das borboletas e das libelinhas, o prazer de conduzir um carrinho de mão pelo feno ou o de fazer xixi ao ar livre e, claro, a animação constante da cadela, que não a largou nunca e que gostava de correr atrás de uma bola, de mergulhar no lago e de perseguir esquilos.

Joana estrela Quinta Alegre

“Trabalhei imenso, aquele sítio foi uma inspiração tremenda. Observava e desenhava as coisas que via. Aos poucos, fui tendo ideias e fui desenhando. O livro não ficou finalizado nesse mês, mas ficou quase todo planeado enquanto lá estive”, revela.

A esta narrativa juntou também o episódio em que um dos gatos se perdeu e foi encontrado, já de noite, no cimo de uma árvore ou aquilo que aprendeu sobre a necessidade de existirem, na quinta, trilhos que os animais selvagens possam atravessar, para não terem de seguir pelas estradas, correndo o risco de serem atropelados. Tal como já fizera antes, conta esta história quase só com desenhos – as únicas palavras que usa são as onomatopeias dos sons dos animais e de algumas das ações.

Para a Quinta Alegre, Joana trouxe três sequências de seis ilustrações de Ão ão! e Miau!, criadas para uma exposição que apresentou em Bruxelas. “São falsos originais, porque desenhei de forma digital. Tanto num livro como no outro, estava fora de casa e acabou por ser prático usar o ipad para desenhar. Então, decidi fazer uma espécie de originais falsos a partir dos livros. Mas quis que fossem obviamente falsos, porque ninguém vai pensar que fiz desenhos tão grandes para o livro… Ao mesmo tempo, são originais, que fiz”, explica. Na verdade, acabam ainda por ser uma oportunidade de ver o seu traço ampliado e até de descobrir detalhes que podem passar despercebidos nas páginas dos livros.

Num dos expositores desta mostra estão também alguns rascunhos iniciais, desenhados à mão em folhas A4, em que estudou as posições, os movimentos e a anatomia dos animais e das restantes personagens. Numa outra sala, é exibido um vídeo animado do programa em que Joana desenha as ilustrações digitais, lado a lado, com filmagens que fez na quinta – aí podemos conhecer muitos dos animais da L’Autre Ferme e, como não podia deixar de ser, a cadela Nana, que acabou por se impor nesta história como protagonista.

A exposição tem, ainda, uma zona onde os visitantes podem colorir um gato, porque eles não têm de ser sempre pretos ou brancos, mas “podem ter outras cores e padrões”; e onde se podem registar as onomatopeias que se conhecem em balões de fala de várias formas. Desde o “miau” do gato e o “ão ão” do cão, este livro dá-nos ideias para muitas outras: o “bang” de uma porta a bater, o “tac tac tac” de uma faca a cortar legumes ou o “crunch crunch crunch” de um coelho a comer – são esses alguns dos sons que se “ouvem” por estas páginas cheias de animais felizes. Agora, muitos deles andam à solta nesta outra quinta, que é alegre até de nome.

“Nós precisamos de dançar juntos mais do que fazer pão em casa.” É assim que o músico Pedro Coquenão, ou Batida, apresenta 1 Dj + 1 Microfone, a sua estreia na escrita para teatro e encenação. A 6 de março, às 22h30, no Lux Frágil, estará o ator Manuel Moreira, num espetáculo que cruza teatro, stand up e clubbing, convidando o público a escutar e a movimentar-se pelo espaço, “em diálogo com os outros corpos presentes, baralhando as diferenças entre plateia e pista, palco e clube, espaço informal e espaço encenado, improvisado e ensaiado”. O texto, explica, é autobiográfico e íntimo, ao mesmo tempo que interage com a atualidade, o contexto e quem está na sala.

Meet: Criminalizar o Racismo?

28 fevereiro, 18h30
Sede SOS Racismo

O SOS Racismo organiza conversas, com jantar incluído, na sua sede. Pedro Coquenão sugere aquela que acontece nesta sexta-feira, 28. “Fica mesmo ali ao lado da Gulbenkian e tem um ambiente muito familiar e íntimo, por ser numa casa”, sublinha. Para o DJ, é necessário “dar força” a estas associações que lutam por “causas que se mantêm atuais e, infelizmente, cada vez mais atuais do que nunca”.

Discoteca Flur

Mercado de Arroios

Comprar um vinil numa loja de discos independente é um dos programas sugeridos por Batida para esta semana. “Felizmente, muitas têm-se mantido, como a Flur. Sempre que sai um disco da editora Príncipe, tento comprar ali, porque é o mais próximo de comprar diretamente aos artistas. A Flur não é uma loja que tem tudo, mas tem tudo aquilo que querem vender, porque tem uma curadoria e vende apenas aquilo que acreditam ser bom.” Pedro sugere ainda uma outra loja: a Tubitek, mesmo ao lado da saída do Metro do Chiado.

Kit Garden, de Joana Vasconcelos

Largo do Intendente

Esta é uma sugestão para quem está apaixonado, diz. “Passar pela Rua de Benformoso, sem olhar condescendente ou contemplativo, a caminho da obra Kit Garden, da Joana Vasconcelos, um bom lugar para namorar. Sugiro entrar pelo lado sul e terminar já no Largo do Intendente. É um sítio bonito, com privacidade e namorar ali parece-me a melhor maneira de lhe dar uso.”

ADR – Associação Desportiva e Recreativa “O Relâmpago”

“Esta associação tem uma componente muito forte de inclusão. Convoca toda a gente, não faz distinções de sexos e de idades e presta muita atenção ao desporto feminino. É muito familiar também, cada jogo acaba por ser um encontro e um convívio, é dado valor a isso. Gosto desta ideia de uma Lisboa associativa, ligada à vida dos bairros”, afirma Pedro, sugerindo que se procure a associação, que neste momento anda à procura de um lugar para a sua sede entre São Vicente e Penha de França. Pode tornar-se sócio, aconselha, e assistir a um dos jogos ou provas, já que são várias as modalidades que têm, do atletismo ao xadrez, passando pelo boxe, o ciclismo e o futsal.

Plantação, de Kiluanji Kia Henda

Campo das Cebolas

Para Batida, qualquer dia da semana é bom para ir até ao Campo das Cebolas e “imaginar a lindíssima obra Plantação, de Kiluanji Kia Henda, um memorial às pessoas escravizadas, previsto para aquele lugar, mas com execução suspensa”. “É uma obra muito bem pensada, que daria uma profundidade emocional e poética a esta zona”, acrescenta.

Não há homens à vista, apenas mulheres. São 13 e estão vestidas de preto: botas, sapatos, camisolas, calças, vestidos, todas diferentes e, no entanto, todas uma só. Um coro em uníssono, capaz de se multiplicar em 13 vozes, 13 corpos, 13 mulheres. Das suas bocas começam por sair frases-feitas que já tantas vezes ouvimos: “A mulher e a mula com um pau se cura”, “deve temer-se mais o amor de uma mulher do que o ódio de um homem”, “da mulher e do mar não há que fiar”, “do marido, a praça; da mulher, a casa”… Há gritos calados, amordaçados. E as frases continuam, quase como se fossem uma ladainha: “Dor de mulher só dura até à porta”, “mulher honrada, mulher calada”…

Teresa Coutinho juntou 13 atrizes em O Fim Foi Visto, peça que escreveu e encena, e que está no Teatro do Bairro Alto entre 25 de fevereiro e 1 de março, depois de se ter estreado no Teatro do Campo Alegre, no Porto. O texto inspira-se no livro Cassandra, de Christa Wolf, sobre o papel da mulher na História, e também no movimento da Caça às Bruxas entre os séculos XV e XVIII e na vivência das mulheres pelo mundo ao longo dos tempos. “Quando comecei a ler sobre as perseguições da Caça às Bruxas percebi como teve tanta influência na forma como hoje nos comportamos em sociedade”, conta a atriz e encenadora, “até na forma como, por exemplo, o aborto foi proibido. Essa proibição chegou aos dias de hoje, pela influência do capitalismo e do poder da Igreja, que não conseguia controlar as mulheres e os seus lugares de cumplicidade. Foi um abanão para mim e, depois desta epifania, comecei a escrever a peça. Quis perceber o que significa a Caça às Bruxas hoje e o que ficou daquela época”.

O tempo neste espetáculo é, aliás, difuso e pouco definido. Não sabemos em que altura nos situamos, porque, na verdade, em todas elas se repetem acusações, agressões, perseguições, opressões. Podia ser ontem, mas também pode ser hoje e, infelizmente, pode também ser amanhã. Teresa Coutinho quis entender, não só como chegámos onde fomos chegando (uma e outra vez), como porque chegámos aí – que força é essa tão temível, a das mulheres, que leva os homens a querer aniquilá-la? Que medo é esse? De onde vem esta cultura machista que resiste há séculos como dominante? O que pode, afinal, “o descontrolo de uma mulher”, como se diz em cena? O que levou, desde a Grécia Antiga, homens a escreverem tragédias em que a elas apenas cabiam os papéis de ousarem, traírem e desafiarem (Aristóteles escreveu que “a fêmea é um macho mutilado”)? “Enquanto a ousadia se mantiver no palco não extravia para a vida”, ouve-se a certa altura. Será essa a justificação da misoginia?

Um coro de sororidade

Que esta é uma tragédia fica logo enunciado no início do espetáculo. “O final vai acabar mal”, anunciam. “Nós somos o coro. E, se somos o coro, então esta é uma tragédia.” Mais do que fazer o paralelo com o teatro, Teresa Coutinho interessou-se por enaltecer a ideia de coletivo, explica. “A ideia do coro vem da tragédia grega, claro que aqui tem uma encenação muito livre, mas queria mesmo ter um grupo de mulheres e contrariar a ideia de que muitas mulheres juntas nunca têm um bom resultado. E 13, o número do azar, foi para ir ainda mais contra o preconceito.”

Juntou atrizes bem diferentes e com experiências distintas: Ana Baptista, Ana Sampaio e Maia, Ana Valente, Cláudia Semedo, Lucia Pires, Maria Duarte, Siobhan Fernandes, Mariana Guarda, Rita Cruz, Sara de Castro, Sara Ribeiro, Tânia Alves e Tanya Ruivo – algumas delas que nunca se cruzariam de outra forma, provavelmente. “Pode soar a cliché, mas houve, neste processo de trabalho, muita sororidade, sentido de união e respeito”, acrescenta.

A força que vem desse coletivo é também a força que Teresa Coutinho quer sublinhar neste espetáculo. “A violência que as mulheres sofreram ao longo dos tempos tem a ver com a sua capacidade de resistência. Há qualquer coisa muito estoica nas mulheres, há qualquer coisa que as mantém de pé”, aponta. Por isso, em reunião ali se juntam em cena e, em reunião, nos mostram a opressão constante de que são vítimas. “Sobrevivemos a quase tudo e essa é a nossa maldição”, há de afirmar uma delas, depois de outra delas instigar, dançando sem parar: “Dancemos. Até não dançar nenhuma”.

Em palco, fala-se de resistência mas também de passividade, de força mas também de fraquezas. Conta-se como à mulher lhe resta, muitas vezes, apenas a alternativa de ser Maria, a casta e obediente ao homem, ou Eva, a pecaminosa, que acaba posta de lado, acusada, agredida. Uma “caça às bruxas e a todas as metamorfoses do feminino”, sussurram. Há cabelos puxados, expressões de pânico, gestos fortes. Há uma mulher presa e condenada, há uma candidata a presidente de um partido contra o aborto que decide abortar, há uma professora que quer pôr os alunos a pensar e passa a ser olhada de lado, há mulheres constantemente julgadas e bruxas constantemente malvistas. Há, sobretudo, desumanidade – seja na violência, seja na inércia ou na complacência para com ela.

A força da utopia

Nesta narrativa, que começa pelo fim para depois voltar ao início, é o coro que manda. Aqui, as mulheres que nos falam são sujeito e não objeto. Como defende Christa Wolf, em Cassandra, torna-se importante a memória e necessária esta “escrita para a paz”. Teresa Coutinho encena contra a invisibilidade e o silenciamento da experiência feminina – e há uma certa esperança nisso, sim.

“Acredito que cabe às mulheres a arte que vem restaurar a paz”, diz. “Falta cumprir essa possibilidade que não conhecemos: e se as mulheres tomassem efetivamente conta do poder? Como seria um sistema e uma política pensados por mulheres? Tem mesmo de ser assim como é?”

Em cena, ouve-se: “O tempo que passou e que afinal nos apanhou, o terrível tempo que veio sussurrar ao ouvido deste tempo”. Passam anos e séculos e continuamos a ter notícia de violências domésticas, feminicídios e toda a espécie de agressões a mulheres. Como nota Teresa Coutinho, “o modo de interagir é igual ao longo dos tempos, o tipo de perseguição é reconhecível”. E, no entanto, continuamos a trilhar os mesmos caminhos. “O mundo está feio. Vivemos mesmo na altura da banalidade do mal, do insulto, da crueldade. Quando comecei, queria escrever um texto distópico. E, neste momento, a violência deste espetáculo é ele falar de coisas tão atuais. Há um ano e pouco, quando nos encontrámos todas numa primeira residência artística, isto ainda era uma distopia. Hoje já o é muito menos… E pensamos: será que daqui a um ano poderemos fazer este espetáculo?” O Fim Foi Visto, já sabemos como acaba a história – evitemos “um desfecho trágico, uma ditadura futura”.

A nossa árvore

Jessica Meserve

Minutos de Leitura

Pode uma árvore e todos os seus ramos e folhas ser de um animal só? Neste livro, o esquilo Vermelhito há de descobrir que não. Por muito que queira a árvore só para si (e ele bem tenta enxotar todos dali para fora), vai perceber como é muito melhor se a partilhar com minhocas, andorinhas, insetos vários, sapos, camaleões e até elefantes. Unidos, vão compreender como a partilha de um espaço traz muitas coisas boas e como, mesmo sendo diferentes uns dos outros, se conseguem entender. Uma história, delicadamente ilustrada, sobre a capacidade de partilha e de como “a vida é bem melhor quando estamos juntos”.

Troll

Frances Stickley e Stefano Martinuz

Porto Editora

Podia estar atrás de um ecrã de computador, mas, nesta história, o Troll vive debaixo de uma ponte e é dali, bem escondido, que, de megafone na mão, grita insultos e ameaças a quem passa. Sem que ninguém o veja, vai ofendendo todos os animais. Até ao dia em que aparece um coelho surdo que, em vez de fugir, se aproxima do Troll e o olha de frente. Será assim tão divertido dizer coisas desagradáveis na cara de quem vem falar connosco? Será assim tão bom viver num buraco lamacento, sozinho e sem amigos? Um livro que, em rima, fala da importância de compreendermos o outro, de sermos empáticos e de como se formos mais tolerantes com os que nos rodeiam acabamos também por ser mais gentis connosco próprios.

O dinossauro da casa ao lado

David Litchfield

Fábula

Um livro delicioso sobre um dinossauro que faz bolos deliciosos. Para viver entre os humanos, que o adoram e adoram os seus bolos, vive disfarçado, de bigode, óculos e chapéu. De vez em quando visita o lugar de onde veio – um mundo encantado, cheio de dinossauros como ele, mas onde não se fazem bolos deliciosos. O que acontece quando, enfim, se descobre que o Sr. Wilson é um dinossauro? Uma história sobre a importância de acolher e aceitar quem vem de fora, sobre solidariedade entre diferentes, sobre a beleza de seguirmos os nossos sonhos e também sobre a liberdade de escolhermos onde viver – afinal, pertencemos aonde quisermos e não pode haver quem nos tire esse direito.

Sem desvios

Stéphanie Demasse-Pottier e Tom Haugomat

Orfeu Negro

Este é um livro carregado de sensibilidade, tanto no texto como nas ilustrações que jogam com sobreposições de duas tonalidades de azul e laranja quase fluorescente. Com frases curtas, conta-se a história de uma menina que todos os dias faz o mesmo caminho para a escola e se confronta com uma mãe sentada no chão da rua, com um bebé ao colo. Mesmo sem compreender as palavras difíceis dos adultos, que falam em “pobreza”, “injustiça”, “solidariedade” e “humanidade”, a menina sente desconforto e tristeza e uma vontade grande de dar àquela mãe aquilo de que nunca sentiu falta porque sempre teve como garantido. Pensando bem, mesmo que não possamos mudar o mundo, há sempre pequenos gestos que fazem a diferença. E acaba sempre por valer a pena olhar a realidade de frente, em vez de virar a cara ou fazer desvios no caminho.

Onde é que nós íamos?

Isabel Minhós Martins, Dina Mendonça e Madalena Matoso

Planeta Tangerina

As conversas são como um jogo de pingue-pongue ou, como se diz logo no início deste livro, “conversar é ir andando”. Onde é que nós íamos? explica-se no subtítulo: Sobre a importância e o prazer de conversar. Ao longo destas páginas, as autoras vão conversando com o leitor sobre o assunto, falando dessa satisfação (que é como a das cerejas da capa), sugerindo como fazê-lo cada vez melhor (sim, é possível e desejável), imaginando as infinitas maneiras e formas que assumem e também propondo atividades e experiências para as pôr em prática. Pelo caminho, fazem várias perguntas, para nos pôr a pensar e a conversar. E, já sabemos, “é a conversar que a gente se entende”, por isso, vale a pena fazê-lo com quem tem opiniões opostas às nossas, quando há nós que é preciso desatar, quando existem polarizações, quando já sabemos que serão conversas difíceis. Como se diz na contracapa, “conversar não resolve tudo, mas é fundamental para fazermos o caminho em conjunto”.

Há um herbário no deserto marca a estreia de Mia Tomé nos discos. Neste novo projeto, a atriz canta e declama – em português e inglês – a poesia da autora americana Emily Dickinson. A sua paixão pelo Arizona (onde gravou o disco) está bem patente na sonoridade folk e pop do álbum, que conta “várias histórias ao ouvido que comemoram a poesia no feminino”. Há um herbário no deserto celebra a Natureza (tão evocada na obra de Dickinson), explorando a sonoplastia do deserto do Arizona na altura da sua gravação, “com o som dos coiotes, o vento, as tempestades entre terras vermelhas, montanhas e desfiladeiros”. Em Lisboa, podemos vê-la a apresentar o disco na Estufa Fria a 23 de fevereiro, e ainda dia 28, numa sessão intimista na Livraria Buchollz que conta com uma escuta em vinil do álbum e uma conversa moderada por Isabel Lucas. Brevemente, a artista levará o projeto à Polónia no âmbito do programa Culture Moves Europe.

Casablanca – inserido no ciclo Teremos Sempre Michael Curtiz (Parte I)

17 de fevereiro, às 16h30
Cinemateca Portuguesa

“Estive no Arizona várias vezes. Na primeira, fiz uma pesquisa onde pude conversar com uma série de mulheres artistas. Uma delas foi a Victoria Lucas – uma mulher inspiradora e neta de Michael Curtiz. Casablanca é um grande filme que merece ser visto em tela e vai ser projetado na Cinemateca no dia 17”, conta Mia. Inserido no ciclo Teremos Sempre Michael Curtiz (Parte I), este clássico do cinema tem Humphrey Bogart e Ingrid Bergman como protagonistas. Passado durante a Segunda Guerra Mundial, acompanha a história de um americano que reencontra um antigo amor em Marrocos, na cidade de Casablanca.

No Yogurt for the dead , escrito e encenado por Tiago Rodrigues

19 a 23 fevereiro
Culturgest

“Adoro o trabalho do Tiago Rodrigues, acompanho-o desde sempre. Quando estava no segundo ano do Conservatório sentia-me cansada do teatro que andava a ver, não era aquilo que me via a fazer. Depois vi um espetáculo dele chamado Bovary, a partir do romance de Gustave Flaubert, que mudou a minha vida para sempre”, confessa. No Yogurt for the dead foi escrito por Tiago Rodrigues a partir das últimas semanas de vida do seu pai. Trata-se de uma peça sobre uma voluntária que acompanha os últimos dias de um homem prestes a morrer, ajudando a combater a solidão da doença. “Ir ao teatro ver [uma peça de] Tiago Rodrigues é sempre uma inspiração. Ele é genial e arriscar-me-ia a dizer que é o melhor no que faz”, sublinha a atriz.

1984 de George Orwell, adaptação de Robert Icke e Duncan Macmillan

21 a 24 fevereiro
Centro Cultural de Belém

“Os Artistas Unidos são uma companhia muito importante para mim porque foi lá que fiz os primeiros trabalhos profissionais de teatro, ainda estava no Conservatório”, conta. Com encenação de Pedro Carraca, o CCB recebe a versão cénica do clássico de George Orwell numa adaptação dos dramaturgos britânicos Robert Icke e Duncan Macmillan. 1984 retrata um futuro sombrio onde a liberdade individual é suprimida e a verdade é distorcida por um governo autoritário. “Dou esta sugestão não só porque eles fazem um bom trabalho em cena, mas porque é importante falarmos deles. Merecem muito mais atenção do que a que estão a ter”, acrescenta a artista.

Exposição And Your Flesh Becomes a Poem, Tamara Alves

Até 8 de março
Galeria Underdogs

Tamara Alves regressa à Underdogs com And your Flesh Becomes a Poem, uma exposição que inclui desenhos, aguarelas, esculturas e dípticos, em materiais tão diversos como a resina e a madeira, que evocam ausência, silêncio e tensão. São 27 novas obras que abordam temas como a vitalidade instintiva, o amor e as forças selvagens que moldam a experiência humana. “A Tamara Alves é incrível e o título da exposição é brilhante. Ela é uma artista visual, mas a poesia está em muitos sítios. Relaciono-me muito com este trabalho que faço à volta dos poemas e ela consegue transformar esse lado feroz e encontrar aí poesia”, afirma a atriz.

Only Light de Ray

“O Ray também tem presente o universo do folk norte americano e escreve muito bem”, diz. Membro dos The Poppers e dos Keep Razors Sharp, o músico prepara-se para lançar o seu próximo álbum, Buffalo. A primeira amostra deste novo trabalho é a canção Only Light, que conta com produção de Paulo Furtado (mais conhecido por The Legendary Tigerman). “Este tema é só guitarra e voz e é muito bonito. É uma carta de amor – não necessariamente romântico”. Na verdade, trata-se de uma declaração de amor ao filho de Ray e uma canção que tocou particularmente Mia Tomé. “Gosto muito desta letra – as letras são poemas, não é?”

“Mas, mas?”, dizem Foxy e Meg, de olhos esbugalhados, como se perguntassem “o que vem a ser isto?”. Pelas páginas fora, a dupla de amigas improváveis (uma raposa e uma galinha) há de tentar descobrir o que é aquela “coisa”, azul e cinzenta, nem redonda nem oval. A Pato Lógico traz de volta as personagens criadas por André Letria em 2004 para uma série de livros editados pela Ambar. Foxy e Meg já foram até protagonistas de episódios para televisão e de um filme animado, com guião de Catarina Sobral e Ricardo Henriques.

Agora, André e Ricardo juntam-se para lhes dar novas aventuras. Este é o quinto livro que fazem juntos e o primeiro de uma coleção com estas duas personagens. Em Foxy & Meg encontram um Mas-Mas, exploram a natural curiosidade das crianças, com muito humor pelo meio, numa história que vale pelo que se encontra no final, mas também pelo caminho para lá chegar. Afinal, o que vem exatamente a ser um Mas-Mas? E será que queremos mesmo saber?

1. Quem são Foxy e Meg?

André Letria (A.L.): São duas amigas improváveis, porque normalmente não se espera que uma raposa e uma galinha sejam amigas, mas neste caso a coisa corre bem. Convidei o Ricardo para escrever a história inaugural desta coleção, que fala de uma coisa misteriosa… A ideia já andava a ser amadurecida há muito tempo, porque fiquei sempre com pena de ver a Foxy e Meg esquecidas. Depois daquelas experiências iniciais, primeiro com os livros que foram editados pela Ambar e depois com a série que foi feita poucos anos depois com a Animamostra. Desde a série, fiquei sempre a pensar que era interessante reabilitar as duas amigas. Não tinha ainda a editora Pato Lógico nessa altura, portanto não havia meios para fazer isso. E, entretanto, elas foram também as protagonistas de um filme, escrito pelo Ricardo e a Catarina Sobral.

Ricardo Henriques (R.H.): Sim, escrevemos um argumento fez-se o filme Isto não é um chapéu, que foi coproduzido pela RTP. Fomos buscar o início da amizade delas: a Foxy roubava galinhas e, um dia, está pôr a Meg no forno e esta diz-lhe “olá” e ela fica espantada: “Não sabia que as galinhas falavam!”. E decide ser vegetariana e fica amiga da Meg. Tem piada porque, no ano em que nasci, a minha mãe escreveu um livro chamado A Raposa Vegetariana… mas essa era só porque estava mal disposta de comer tanta carne.

A.L.: No filme, as personagens são direcionadas para um público mais velho, já não para bebés ou crianças pequenas, como acontecia nos primeiros livros. Agora, encontrámos um público intermédio, que, na verdade, diria que é mais jovem do que aquele para que normalmente trabalhamos na Pato Lógico. Além de recuperar estas personagens e de lhes dar uma vida nova, com um aspeto mais contemporâneo, agrada-me a ideia de este livro ser o início de uma coleção, isso entusiasma-me como editor, e de ocupar um espaço no catálogo que não estava muito preenchido: o dos livros para crianças mais novas, embora não gostemos muito da ideia de limitar o público, porque acreditamos que um livro destes também é para adultos.

R.H.: Pelo menos, para os adultos que não têm vergonha de ler livros para crianças.

A.L.: Já andávamos a falar em fazer um livro com a Foxy e a Meg desde 2018, acho. No ano seguinte, lembro-me que fomos à Feira do Livro Infantil de Bolonha e, quando terminou, alugámos um carro e fizemos uma viagem passando por Parma e Modena. Estávamos em Parma a comer um gelado e a falar de ideias que podiam tornar-se livros no futuro e foi nessa altura que nos entusiasmámos mais com isto. O que me deu mais gozo foi poder atualizar as ilustrações, recuperar estas personagens para criar uma nova coleção na editora e também voltar a trabalhar com o Ricardo.

2. Como é trabalhar um livro a quatro mãos e como foi a criação deste em particular?

R.H.: Neste caso, fui bombardeando o André com várias histórias da Foxy e da Meg e acabou por ficar esta.

A.L.: Já existem várias ideias para histórias da Foxy e da Meg e a próxima já está escrita. O nosso processo de trabalho é: o Ricardo escreve a história em bruto, que tem bastante mais diálogo do que depois aparece no livro e depois é feita uma adaptação tendo em conta o formato e a limitação do número de páginas – os livros desta coleção terão sempre o mesmo formato e o mesmo número de páginas. Neste caso, quisemos uma cadência das frases mais curtas, por isso, fui fazendo uma limpeza de algumas coisas escritas pelo Ricardo. Se vou trabalhar num livro como ilustrador, é uma autoria partilhada e, portanto, aquilo que o texto propõe pode gerar respostas que implicam alguma alteração. Penso que o texto original deste livro seria quatro ou cinco vezes maior do que o final.

R.H.: Não sei como é que são as outras “duplas sertanejas”, mas no nosso caso funciona assim: eu tenho ideias de texto, mas também tenho ideias muito visuais e com o André estou completamente à vontade para as propor. E o André, ao contrário de muitos ilustradores que ficam só no seu cantinho, também lê muito e está sempre a fazer propostas. Acho que acabamos por nos completar bem. Desde que fizemos juntos o livro Mar que costumo usar uma expressão: depois da ilustração ser feita, tens de abanar o livro para caírem as palavras que estão a mais. Porque há sempre coisas a mais, que ficam redundantes depois das ilustrações feitas.

A.L.: Penso que se nota que nos divertimos bastante a fazer livros. E, muitas vezes, a nossa vida pessoal e profissional mistura-se e estamos a falar dos livros que vamos fazer como podíamos estar a combinar outra coisa qualquer, não é? Por exemplo, o título deste livro foi decidido na esplanada no Jardim da Estrela, num dia em que fomos passear o Ricotta, que é o cão do Ricardo.

3. Afinal, o que é um Mas-Mas (sem spoiler)?

R.H.: Penso que este é um livro que explora a curiosidade. Quando algo de diferente ou de estranho aparece nas nossas vidas, podemos ter duas atitudes: ter medo e afastar-nos ou avançar e tentar perceber o que é que está à nossa frente. Isto é tão natural numa criança de quatro ou cinco anos como num adulto. Diria que, nesta história, se existe moral, coisa que odeio, é que medo, mas não muito, e coragem, mas não muita…

A.L.: Esta história não tinha este título originalmente. Na verdade, esta ideia do Mas-Mas apareceu numa conversa em que achámos isto podia ser um bocadinho mais parvo do que tínhamos pensado. O Mas-Mas seria uma coisa misteriosa, mas também podia ser uma coisa disparatada.

R.H.: E a parvoíce em nós é uma coisa natural…

A.L.: Gostamos de imaginar que, qualquer dia, os miúdos passam a dizer ‘olha um Mas-Mas’ para se referirem a alguma coisa grande, estranha e misteriosa. Na verdade, acabámos por ter de explicar mais do que queríamos, por causa das traduções para outras línguas… mas gosto da ideia de que não é necessário explicar nada. Uma das coisas que dei por mim a valorizar na história é aquela parte em que a Foxy e a Meg se viram para o leitor e perguntam, depois daquelas tentativas para perceber o que é o Mas-Mas: “Será melhor não sabermos o que é?” É aquela dúvida que fica. É um momento que pode ser mais filosófico e que nos põe a pensar… O que é que interessa realmente? Ou será que resistimos à curiosidade? E vamos continuar a viver o dia a dia sem nunca saber uma coisa que poderia ter sido muito boa? Mas se formos lá pode ser muito má também… Na verdade, o Mas-Mas nem é a descoberta e aquilo que sai do ovo, é o mistério, não é? É o caminho que elas fizeram até lá, não é?

 

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