Eram os loucos anos 20. A Europa deixava para trás a guerra e a pandemia de gripe espanhola, entregando-se a um período de euforia. Na Lisboa da Primeira República, e embora tratando-se de uma capital periférica, a vida artística e cultural começava a fervilhar com as modas chegadas das grandes cidades como Paris, Londres e Nova Iorque. Mas se Lisboa também ansiava por dançar o charleston e o foxtrot, o gosto popular continuava seduzido por carrosséis e figuras de cera, barracas de pim pam pum e tiro ao alvo, tascas, exibições de animais amestrados e “aberrações” de feira, animatógrafos e saltimbancos.

Foi para procurar recriar o ambiente das tradicionais feiras populares que pululavam pela cidade desde o século XIX, juntando-o ao sopro de sofisticação dos tempos, que, nas traseiras do Palácio Lima Mayer (atual Consulado de Espanha em Lisboa), mais concretamente no seu jardim, a chamada Sociedade Avenida Parque, liderada pelo empresário teatral Luís Galhardo, inaugurava, a 15 de junho de 1922, o Avenida Parque, ou feira do Parque Mayer.

Sobre a novidade, lia-se no Diário de Notícias: “Quando ontem entrámos na feira, lembraram-nos imediatamente alguns detalhes pitorescos das antigas feiras do Campo Grande e das Amoreiras, dos nossos melhores bons tempos. E lembrou-nos isso no meio daquele ruído moderno e caprichoso, num recinto onde as barracas têm todas, pelo menos, limpeza, algumas bom-gosto e muitas, se não a totalidade, um ar de sedução irresistível.”

O triunfo do teatro de Revista

Consta que nas antigas feiras de Lisboa, o mais apreciado dos divertimentos era mesmo o teatro-barraca, sendo que Luiz Francisco Rebello, na História do Teatro de Revista em Portugal sublinha que “nos derradeiros anos da Monarquia e primeiros anos da República, os teatros de feira foram importantes alfobres de autores e atores de revista”

Não surpreende, portanto, que, no dia 1 de julho de há 100 anos, o Parque Mayer visse abrir portas o primeiro dos seus teatros, o Teatro Maria Vitória, com a revista Lua Nova.

Curiosamente, o primeiro dos teatros a inaugurar foi aquele que, no Parque Mayer, quase ininterruptamente se manteve em funcionamento ao longo destes 100 anos, mesmo tendo sido assolado, em 1986, por um violento incêndio. Atualmente, e por iniciativa de Hélder Freire Costa, o Maria Vitória permanece mesmo como o último baluarte do teatro de revista em Lisboa, estreando, ano após ano, um novo espetáculo.

Sendo mais ou menos sofisticado, a preferência do grande público de Lisboa, naquela primeira metade do século passado, ia diretamente para o teatro musicado. Por juntar à música, a pertinência do humor na crítica social, a Revista à portuguesa era cada vez mais um género teatral generalizado nos teatros lisboetas, tornando-se numa espécie de berço de grandes atores e atrizes, que mais tarde se impunham como importantes nomes no cinema português.

A 8 de julho de 1926, no Parque Mayer abria portas um novo teatro, o Variedades, com a estreia do espetáculo de Revista Pó de Arroz. A par das barracas de tirinhos e dos comes e bebes, do fado e das danças da moda, o Parque Mayer era cada vez mais o local de excelência da diversão e boémia na cidade de Lisboa.

A seguir, e sempre sob a égide do teatro de revista, um género que de tão acarinhado pelo Estado Novo se tornou numa escola de oposição e resistência à censura política e de costumes, abriram o Teatro Capitólio (construído em 1931 e reabilitado e reaberto em 2016) e o Teatro ABC (fundado em 1956, onde outrora funcionara o Pavilhão Portuguez, demolido nos anos 90 e transformado num parque de estacionamento).

Neste século de Parque Mayer, a exposição Parque Mayer 100 Anos – O Esplendor da Revista, patente na Praça dos Restauradores, evoca os antecedentes históricos e as mutações que aquele pedaço de cidade, entre a Avenida da Liberdade e o Jardim Botânico, sofreram ao longo de décadas, sempre com os olhos postos nos teatros, na Revista à portuguesa que ali se renovou e reinventou à procura de sobreviver à passagem do tempo e às mudanças sociais e políticas pelas quais o país passou, da Primeira República à Democracia, passando pelos longos anos da ditadura.

No extenso programa comemorativo, destacam-se ainda uma série de tertúlias com artistas, trabalhadores, espectadores e conhecedores das vivências do local; dois itinerários (um sobre a história do Parque Mayer e outro sobre os anos de ouro do cinema português); sessões de cinema; momentos de fado e de jazz; e até um combate de boxe entre os atletas Miguel Amaral e Ricardo Costa. Entretanto, aos sábados, o Cineteatro Capitólio vai ser palco de concertos de Sara Correia, Black Mamba com Adelaide Ferreira, Pedro Moutinho e Real Combo Lisbonense.

Programação integral.

Porque, como o próprio faz questão de sublinhar, um diretor artístico não deixa de ser um artista, o espetáculo que abre a Temporada 2022/2023 do Teatro Nacional D. Maria II (TNDM II) é escrito e encenado por Pedro Penim. Chama-se Casa Portuguesa e traz consigo a habitual marca biográfica que o autor emprega às suas criações.

Desta feita, Penim mergulha no diário de guerra colonial que o pai, Joaquim Penim, escreveu para ser lido por si e pelo irmão e junta-lhe “aquele fado pobre e alegre” que Amália celebrizou, e que dá título ao espetáculo (precisamente, Uma Casa Portuguesa), apologia de um “certo saudosismo estereotipado de uma ideia de país muito ao gosto do salazarismo”. A isto, Penim junta ainda o olhar do filosofo italiano Emanuelle Coccia sobre a “casa” como “espaço ancestral de injustiças, opressões e desigualdades.”

Com estreia marcada para 22 de setembro, Casa Portuguesa conta com interpretações de Carla Maciel, João Lagarto, Sandra Feliciano e a dupla Fado Bicha, que volta a trabalhar com Penim, três anos depois do espetáculo que o Teatro Praga concebeu para os 125 anos do Teatro São Luiz.

O final de semana de reabertura do TNDM II é ainda marcado pelo ciclo Antecipar o Futuro, um programa que dá enfase à “pesquisa e investigação como base de inovação e renovação artística”. Entre instalações, workshops, palestras e concertos, destacam-se dois projetos performativos: Cosmic Phase/Stage, de Ana Libório, Bruno José Silva, Carlos Cardoso e João Estevens (23 de setembro) e Atlântico (título provisório) de Odete (25 de setembro).

“Ça Ira (1) Fin de Louis” de Joël Pommerat ©Elisabeth Carecchio

Em outubro, Marco Paiva parte de uma das peças referenciais de Edward Albee e dirige dois intérpretes surdos (Marta Sales e Tony Weaver) que representam o texto em língua gestual portuguesa. Zoo Story é um espetáculo inclusivo, legendado em Português e com audiodescrição em todas as récitas.

O mês tem ainda como grande protagonista o teatro brasileiro, com um ciclo de leituras encenadas de alguns grandes textos dramatúrgicos da autoria de autores referenciais da língua portuguesa do século XX: Nélson Rodrigues, Adriano Suassuna, Newton Moreno e Leilah Assumpção. A dirigir estas leituras estão Keli Freitas, Carla Bolito, Álvaro Correia e Pedro Penim.

Já em novembro, a portuense Raquel S. estreia a sua mais recente criação, Cadernos de, com a atriz Maria Jorge (de 3 a 13), e o artista franco-brasileiro, radicado em Lisboa, Romain Beltrão Teule volta a apresentar Dobra (dias 26 e 27). Espetáculo em destaque no Festival Temps d’Images, em 2021, Dobra é uma palestra-performance que procura dissecar a palavra “dobrar” em incontáveis contextos.

No último mês do ano, a Companhia Capa Torta, de Filipe Abreu e Miguel Maia, leva ao TNDM II o festim de leituras de textos de teatro Esta Noite Grita-se, com o anuncio, lançamento do livro e sessões de leitura do texto vencedor do concurso literário Prémio Nova Dramaturgia de Autoria Feminina de 2022 (3 e 4 de dezembro). Na Sala Estúdio, a partir de 8 de dezembro, Paula Diogo apresenta a sua mais recente criação, decorrente de uma residência artística na Islândia, Espelhos e Monstros.

A programação internacional e uma homenagem histórica

Nome incontornável do teatro europeu, com recorrentes passagens pelo Festival de Almada onde apresentou espetáculos absolutamente marcantes, como A reunificação das duas Coreias e Pinocchio, Joël Pommerat volta a Lisboa com um espetáculo histórico: Ça Ira (1) Fin de Louis. Reflexão avassaladora sobre a Revolução Francesa e a marca que deixou na história da luta pela democracia, a peça tem corrido mundo desde 2015 e fará, entre 28 e 30 de outubro, a sua última apresentação, precisamente na Sala Garrett.

Em novembro, há Alkantara Festival e pelo TNDM II, passam dois espetáculos: The Making of Pinocchio, “um espetáculo teatral e cinemático” sobre a ideia de identidade trans da autoria da dupla Cade & MacAskill; e Mascarades, um solo da coreógrafa e bailarina Betty Tchomanga, construído com a simbiose entre a música eletrónica e os ritmos tradicionais africanos.

A 28 de novembro, o TNDM II presta homenagem a uma das suas figuras históricas por ocasião das comemorações dos 80 anos de carreira. O ator Ruy de Carvalho estreou-se em 1942 e, cinco anos depois, subiu pela primeira vez ao palco do TNDM II, integrado na Companhia Rey Colaço/Robles Monteiro. Até 2000, seria ator residente da casa. Por tudo isto, como lembra Pedro Penim, “a celebração da data tem de ser feita aqui, no D. Maria, que será sempre a sua casa.”

Como já fora previamente anunciado, o edifício do Rossio encerra no final do ano para obras de renovação e requalificação ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Enquanto isso, e durante todo o ano de 2023, o TNDM II vai percorrer o país, continente e ilhas,  com a chamada “Odisseia Nacional”. Trata-se, esclarece Penim, “não de uma embaixada lisboeta a percorrer Portugal continental e ilhas”, mas de uma operação que envolve “mais de 90 municípios e as comunidades locais”. Os pormenores de programação serão anunciados em novembro.

Tens uma voz muito poderosa. Sempre tiveste noção disso?

Na verdade, só comecei a cantar quando tinha quase 16 anos. A minha avó ofereceu-me uma guitarra quando eu tinha 14. Entretanto comecei a aprender e ia tocando com amigos. O canto só apareceu mais tarde porque era – e sou – muito tímido. Só mais tarde comecei a explorar essa vertente. Achava que até tinha algum jeito, mas não tinha a confirmação porque nunca tinha mostrado a ninguém o que era capaz de fazer. Mas quando comecei a cantar nunca mais me calei [risos].

Não era, portanto, um sonho de criança…

Nunca foi uma coisa que me passasse pela cabeça. O meu pai está ligado à área da construção civil e das energias renováveis e eu sempre me imaginei a trabalhar com ele, a dar continuidade ao negócio de família… Durante muitos anos, o meu objetivo era ser engenheiro civil. Claramente, não foi esse o meu caminho, mas estou muito feliz por isso. A música apareceu mais tarde, mas quando surgiu foi em força e não tive mais dúvidas. Sempre gostei de música, toda a minha família é muito musical, mas não pensava nela dessa forma.

Perdeu-se um engenheiro, mas ganhou-se um cantor de muito sucesso… Como reagiu o teu pai?

O meu pai ficou muito feliz por eu ter optado pela música. Foi a pessoa que mais me incentivou a seguir este caminho. Tem uma voz fantástica, canta muito bem, sempre foi muito ligado à música. No fundo, sinto que ele se revê em mim. Agarrou o meu sonho como se fosse dele e nunca duvidou do que o filho poderia vir a fazer.

Como chegaste a este nome artístico?

O meu nome é Pedro Fidalgo. Nasci em Amarante há 25 anos. As pessoas que fazem parte do meu núcleo mais próximo tratam-me por Fidalgo. Apesar de cantar em inglês, queria ter um nome que fosse pessoal, que tivesse alguma história. Noble acabou por ser a tradução mais próxima do meu nome.

O que te inspira?

São principalmente coisas que vivo. Gosto muito de escrever na primeira pessoa, acho que escrever sobre algo que vivi facilita muito o trabalho. Tenho sempre muito mais substância para falar ou aprofundar determinados assuntos. Mas também escrevo sobre coisas que leio, notícias que ouço. A inspiração pode surgir nos momentos mais inusitados e das coisas mais simples.

Essa exposição não te incomoda?

Não penso muito nisso, sobretudo pelo facto de cantar em inglês. A língua serve como escudo, é uma proteção para conseguir dizer tudo aquilo que quero e que me vai na alma, sem pensar que estou a expor-me completamente. O inglês ajuda-me muito nesse aspeto. Se quisesse dizer o que digo nas minhas músicas mas em português, nunca conseguiria ter o mesmo resultado. Ia sentir-me muito mais exposto. Nunca teria conseguido escrever uma canção como Honey em português. Não ia conseguir chegar a casa depois de uma consulta e escrever “se eu partir amanhã não chores, porque o teu amor vai ser a minha salvação”. Nunca na vida o conseguiria fazer, não ia conseguir entregar isso às pessoas. Claro que a arte tem de ser genuína e sincera e sinto que é isso que tenho feito. Tenho-me mantido fiel a mim mesmo.

Essa canção, Honey, fala de um momento complicado que atravessaste a nível de saúde. Imagino que tenhas uma relação muito ambígua com ela…

Tenho um amor extremo por esta canção. O facto de a cantar significa que está tudo bem e que superei os problemas que me apareceram no caminho. No início foi um bocadinho difícil, mais até para a minha família e para a minha namorada, que eram as pessoas mais envolvidas em todo o processo. Não é fácil ouvir esta letra, mas depois de tudo passar e de ter ficado bem – felizmente tenho uma saúde de ferro – esta canção tornou-se um hino de superação. Para quem ouve, tem todo o significado que as pessoas lhe quiserem dar, porque essa é a parte mais bonita, é a da interpretação que cada um lhe dá. Para mim, estar em palco e poder cantar esta canção e ver as pessoas a cantarem também, é sinónimo de superação.

“Durante a pandemia não conseguia compor nem pensar em escrever música, sentava-me ao piano e não saía rigorosamente nada”

Ficaste muito surpreendido a forma como o público te acolheu?

Fiquei. Esperamos sempre que o nosso trabalho tenha sucesso, ninguém começa um projeto a pensar que não vai correr bem. Mas aconteceu tudo tão rápido que tive dificuldade em processar. Foi muito interessante porque escrevi Honey, produzimos a música e ela era para sair em abril. Entretanto, o meu manager entrou no estúdio e disse-me que a canção ia ter de sair dali a duas semanas porque ia ser o genérico de uma telenovela da TVI. Fiquei incrédulo e sem palavras para aquela notícia. Percebi que o meu sonho estava a tornar-se realidade e comecei a preparar-me para entregar a música às pessoas. A novela foi uma rampa de lançamento muito grande e ajudou-me a chegar a muito mais público. Para mim, essa é a parte mais importante, a música vive da partilha. Sinto que consegui juntar muitas histórias diferentes à volta da minha história. Essa foi a parte mais bonita desse processo todo. Há pessoas que me dizem que a Honey marcou uma fase da vida delas ou algum momento especial e isso não tem preço. A parte mais gratificante é saber que as pessoas se ligam àquilo que nós fazemos e que se identificam com as nossas palavras.

Muitas pessoas ficam surpreendidas quando descobrem que és português…

Tenho que fazer um agradecimento à professora Maria do Rosário Barros, minha professora de inglês. Quando escrevi as primeiras letras ia a casa dela mostrar-lhas, para ver se estava tudo bem, se as formas gramaticais estavam bem escritas. Sempre foi muito recetiva, ajudou-me muito nesse aspeto. Quando as pessoas me dizem que ficam surpreendidas por eu ser português, há uma sensação agridoce. Por um lado, é muito bom porque as pessoas comparam-me a artistas incríveis de que eu próprio sou fã, como o John Legend, o Ed Sheraan, o James Arthur… Por outro lado, deixa-me um bocadinho triste porque, em Portugal, há muita gente a fazer muita coisa boa. Senti mais isso agora quando criei este desafio com a RFM para pôr novos talentos a cantar no meu disco. Tivemos mais de 400 participantes. Sentado, a ouvir aquelas vozes, percebi que há muita gente, especialmente nesta nova geração, que tem muito talento e muita coisa para dizer, por vezes não têm é oportunidade. Eu, felizmente, tive oportunidade, tive pessoas que acreditaram em mim e que me ajudaram a levar as minhas palavras até ao público. Mas claro que fico muito agradecido quando o público reconhece o meu inglês. Nunca escondi que o meu sonho era ter uma carreira internacional. Sempre que elogiam o meu inglês sinto-me mais perto de atingir esse objetivo.

Quem são as tuas maiores referências musicais?

O Bruce Springsteen é a minha maior referência, principalmente a nível de espetáculo. Acho que ele é um performer incrível, e toda a gente que pisa um palco devia assistir a concertos dele, porque tem muito para ensinar. Estamos a falar de uma bagagem de quase 50 anos de carreira. A banda da minha vida foi e será sempre The Doors, mas também ouço coisas mais recentes, como o Harry Styles (que eu sinto que é o David Bowie desta geração, e digo-o sem medo). Gosto muito da Dua Lipa, para mim é das melhores vozes da atualidade, tem uma voz que se reconhece em qualquer lado. Também ouço muito Guns n’Roses, Aerosmith ou Coldplay. Outro artista de que gosto muito é o James Blunt. É muito divertido, consegue brincar com a sua própria carreira. O que ouço vai variando muito consoante o estado de espírito.

Como surgiu a ideia de lançar este desafio em conjunto com a RFM?

A ideia surgiu durante a pandemia, depois daquela fase inicial onde não existia mais nada a não ser angústia. Não conseguia compor nem pensar em escrever música, sentava-me ao piano e não saía rigorosamente nada. Estávamos a atravessar um momento de incerteza muito grande e isso refletia-se em todos os aspetos. No campo criativo refletiu-se muito. A dada altura comecei a pensar em qual poderia ser o meu contributo para um setor que estava a sofrer tanto como o da cultura. Sempre tive a sorte de ter muita gente a acreditar em mim, que me apoiou, e este desafio pretendia proporcionar isso a outras pessoas que têm muito talento mas que não tinham a forma ou os meios de mostrarem aquilo que conseguem fazer. Juntei-me à RFM, esses criadores de sonhos que têm apoiado a minha carreira desde o início, foi uma parceria que para eles também fez todo o sentido. Criámos o desafio no Tiktok e no Instagram Reels para ser mais fácil para as pessoas acederem, até porque estavam presas em casa. Nesse aspeto, as redes sociais ajudaram muito, era a forma mais fácil de se ligarem aos artistas. Tivemos mais de 400 participantes no Tiktok, e mais de 4 milhões de visualizações só no #RFMNobleduetos. O mais difícil foi reduzir esses 400 participantes a dez, e consequentemente, a 5. Essa parte já foi mais divertida porque, depois de chegar à lista dos 10 finalistas, fomos todos para estúdio e ai conheci os vencedores pessoalmente. Cantámos as músicas, colocámos um vídeo no site da RFM, e a escolha dos vencedores ficou totalmente nas mãos do público. Resultou em cinco duetos que fazem parte do meu novo disco. São cinco talentos nacionais. Algumas delas nunca tinham entrado num estúdio, foi muito giro ver a forma como elas pegaram nas minhas canções e lhes deram o seu toque pessoal. Gravámos videoclipes para todas as canções. Entretanto já fiz alguns concertos em que consegui ter algumas destas vozes, mas a primeira vez que nos vamos juntar todos em palco vai ser no dia 25 de junho, no Teatro Tivoli BBVA. São duas estreias: é a primeira vez que vou atuar em Lisboa – e estou mesmo muito feliz por isso – e vai ser a primeira vez que vou ter as cinco vencedoras comigo em palco. Vai ser uma noite muito emotiva e especial.

Já estás a trabalhar num próximo disco ou ainda é cedo?

Não tenho saído do estúdio, tenho trabalhado bastante em material novo. Estou muito entusiasmado com o que tenho estado a fazer mas, para já, nestes concertos vou concentrar-me no Secrets, até porque saiu há muito pouco tempo e ainda o quero levar a muita gente. Já que o primeiro disco não teve a sorte de ver os palcos por causa da pandemia, quero tocar este novo disco ao máximo. Claro que isso não impede que, entretanto, lance canções novas, É sempre uma possibilidade.

São raros no mundo os festivais que a pandemia não parou. O Festival de Almada foi um dos casos extraordinários de resistência, vontade e persistência, tendo passado os últimos dois anos a reinventar-se para não deixar de dar ao seu público aquilo de que ele jamais pretendeu abdicar: o melhor teatro nacional e internacional que fosse possível trazer a salas de Almada e Lisboa.

Este ano, quando se crê que o pior já passou, o Festival anual organizado pela Companhia de Teatro de Almada com a autarquia local, volta ao formato habitual, com a Escola D. António da Costa, paredes meias com o Teatro Municipal Joaquim Benite, mesmo no coração de Almada,  a recuperar o estatuto de epicentro do certame. Por lá, há concertos diários de acesso gratuito durante todos os dias do Festival e, claro, no Palco Grande, dia sim, dia não, exibem-se alguns dos mais interessantes espetáculos do momento, assinados por criadores consagrados e bem conhecidos do público de Almada, como o sempre surpreendente mestre suiço Christoph Marthaler (Aucune Idée é o espetáculo de abertura desta edição), os marionetistas berlinenses da Familie Flöz (com o recém-estreado Hokuspokus) ou os jovens madrilenos La Tristura (com Renacimiento), que o Festival revelou em 2020, em plena pandemia, naquele que foi uma das raras presenças internacionais em Almada.

Sete mulheres negras partilham percursos de vida em “Mailles” (“Malhas”), de Dorothèe Munyaneza, considerada uma das criadoras fundamentais da atualidade. ©DR

Mas, o Palco Grande do Festival de Almada é também o espaço privilegiado para dar a conhecer a um público mais vasto nomes que estão a dar que falar nas artes performativas mundiais. Nesta edição, e no âmbito da Temporada Cruzada Portugal/França 2022, duas criadoras, e consequentemente dois espetáculos, destacam-se. A primeira é a cantora, autora e coreógrafa de origem ruandesa Dorothèe Munyaneza, que regressa a Portugal com Mailles, um espetáculo poderoso protagonizado por sete mulheres negras, afrodescendentes provenientes de Holanda, França, Haiti, Inglaterra e Espanha, que partilham experiências de vida onde a resistência e a sobrevivência se impõem.

A segunda é a franco-portuguesa Nadège Prugnard, que apresenta “um espetáculo-catarse” intitulado Fado dans les veines (Fado nas Veias). Segundo a autora, trata-se de “um poema escrito em forma de confissão”, dedicado aos portugueses que emigraram para França no século passado, fugidos ao salazarismo.

Outros ilustres regressados

Depois de em 2019 ter apresentado o inesquecível Mary Said What She Said com Isabelle Huppert, o teatro de Robert Wilson está de volta ao Festival com a remontagem, 45 anos depois, de I was sitting on my patio this guy appeared I thought I was hallucinating. Cocriado e interpretado à época por Wilson e Lucinda Childs, os papéis são agora entregues ao ator alemão Christopher Nell e à bailarina australiana Julie Shanahan. Como lembra Rodrigo Francisco, diretor do Festival de Almada, citando Wilson: “Em I was sitting on my patio… o que importa não é o que o texto significa, mas as emoções que cria nos intérpretes”. O espetáculo é um díptico em dois atos que funciona como “uma corrente onde os elos nunca chegam a tocar-se.”

Robert Wilson e Lucinda Childs, os autores e intérpretes originais do solo desdobrado “I Was Sitting On My Patio…” ©DR

De regresso a Almada, no caso à sala principal do Teatro Municipal Joaquim Benite, está Thomas Ostermeier e a Schaubühne. Seis anos depois de A Gaivota, o reconhecidíssimo encenador alemão apresenta “uma peça de câmara” escrita pela dramaturga Maja Zade a partir de Édipo. ödipus é um olhar contemporâneo sobre a tragédia de Sófocles, tendo como protagonistas uma família de capitalistas alemães na sua casa de férias na Grécia.

Outra personalidade muito acarinhada pelo fiel público do Festival é o romano Ascanio Celestini, “um contador de histórias” por excelência, que volta a Almada com Museo Pasolini, para entabular um diálogo imaginário com várias personalidade em torno da figura de Pier Paolo Pasolini. “Uma mistura de técnica narrativa com investigação antropológica”, marca de Celestini, para assinalar os 100 anos do nascimento do intelectual, cineasta, dramaturgo e escritor italiano.

No âmbito dos regressos, destaque ainda para o de Wim Vandekeybus, com Hands do not touch your precious Me, onde pela primeira vez o cenógrafo belga trabalha com o performer e artista visual Olivier de Sagazan, especialista em trabalhos de transfiguração do corpo e do rosto, e com a música eletroacústica da compositora Charo Calvo.

Nota para o novo-circo que, este ano, tem presença dupla: primeiro, com os ingleses Gandini Juggling (Smashed2); segundo, no Centro Cultural de Belém, com os Baro d’Evel e essa “corrente de ar soprada por um fenda a pulsar de vida” que é Falaise.

No teatro português, dando um panorama de grande vitalidade, a oferta é rica e muito diversificada, com espetáculos da Companhia de Teatro de Almada (em estreia absoluta Noite de Reis, de Shakespeare, encenado pelo alemão Peter Kleinert), de Rita Calçada Bastos (Se eu fosse Nina), do Teatro Experimental de Cascais (Eu sou a minha própria mulher), do Teatro dos Aloés (Em Casa, no Zoo), de Marco Martins (Selvagem), dos Artistas Unidos (Taco a Taco) e do Teatro do Bairro/Ar de Filmes (Sonho).

Como habitualmente, o Festival homenageia uma figura de particular relevância no teatro português, cabendo ao cenógrafo, pintor e arquiteto José Manuel Castanheira o mais do que merecido aplauso. Em Almada, durante a mostra, apresenta-se uma exposição evocativa de um percurso de quase 50 anos dedicado à cenografia. Como o próprio assume, “tudo aquilo que fiz, fosse na pintura, na arquitetura teatral ou efémera, ou no design, andou quase sempre à volta do teatro e da cenografia”. Paralelamente, Castanheira concebeu uma pequena instalação intitulada A nudez do cenógrafo e a perplexidade do espectador, e assume, entre 11 e 15 de julho, o papel de formador no curso Um lugar para transformar o tempo, no âmbito de O Sentido dos Mestres, uma iniciativa do Festival com o apoio da Share Foundation.

Os ingressos para esta 39.ª edição do Festival de Almada, que decorre de 4 a 18 de julho, variam entre os 35 e os 12 euros, estando também já disponível a modalidade Assinatura, que dá acesso a todos os espetáculos numa das sessões programadas, pelo valor de 80 euros. A programação integral do Festival pode ser encontrada aqui.

Três mulheres, três homens; ou seis personagens à procura do seu lugar no mundo. E ainda uma sétima, absolutamente central, mas silenciosa na sucessão alternada de solilóquios que compõem grande parte de As Ondas. O mais experimental texto de Virginia Woolf, que Marguerite Yourcenar, no sempre citado prefácio que fez à tradução para francês, considerou um romance que, pela sua técnica, se encontra mais próximo da música erudita do que da literatura em si, regressa ao palco numa criação conjunta do Teatro Meia Volta Depois À Esquerda Quando Eu Disser.

Falamos de regresso porque, embora o romance de Woolf seja quase impossível de encontrar “eco” noutro meio que não o do livro, as artes performativas têm-se sentido profundamente atraídas para as existências de Susan, Bernard, Jinny, Rhoda, Neville e Louis (e de Pervival, a sétima personagem). Só em Portugal, podemos apontar duas incursões particularmente felizes: a de Clara Andermatt e João Garcia Miguel, em 2004; e a de Sara Carinhas, em 2013.

Procurando estar sempre muito próxima do romance, a peça que o Teatro Meia Volta agora apresenta no Teatro da Politécnica resulta de um longo processo de leituras e reflexão à volta da obra de Woolf. “Interessava-nos continuar a olhar para esta coisa do arco do tempo nas vidas humanas, para o crescimento e o envelhecimento, prosseguindo com uma temática a que já nos havíamos dedicado no anterior espetáculo, Joyeux Anniversaire, que assinalou os 15 anos do Teatro Meia Volta”, explica Anabela Almeida.

Mas As Ondas é um desejo antigo do ator Alfredo Martins, que o propôs ao grupo, precisamente, após o anterior espetáculo. “Foi sempre um livro que me acompanhou em várias fases da vida, desde a primeira vez que o li, com cerca de 20 anos. Lembro que voltei a ele pelos 30 e, agora com 40, era tempo de o trazer para cena”.

Na sua torrente “musical” de palavras, As Ondas acompanha o período luminoso da infância, aponta algumas reflexões sobre a juventude e a importância da amizade e da camaradagem, naquilo que Yourcenar comparava à “allegri nas sinfonias de Mozart” e que vêm a abrir espaço para “os lentos andantes dos imensos solilóquios sobre a experiência, a solidão e a maturidade” das suas personagens.

Apropriando-se desta imagem musical, o grande desafio de levar o romance para o palco sem o desvirtuar foi, como confessam os atores/autores do espetáculo, “cortar texto”. “Chegámos a fazer uma leitura integral da obra que demorou umas nove horas”, lembram.

Era, portanto, “necessário abandonar algumas coisas, alguns aspetos que, embora relevantes, tinham que ser retirados para construir o espetáculo”. Porém, “o essencial era conseguir fazer aquelas seis personagens ecoar nos atores em cena, de modo a chegar ao espectador”, numa experiência teatral que não pretende ter paralelismo ao livro e ao modo como “o leitor o leva para a sua esfera pessoal”. Embora, e como relevam, mais importante do que construir personagens dramáticas, As Ondas do Teatro Meia Volta procure ser um espetáculo comprometido com a poética da obra em que se inspira e a importância de continuar a refletir sobre a passagem do tempo. Sempre assumindo os riscos inerentes a fazer de um romance quase impossível uma peça de teatro.

Para além dos citados Alfredo Martins e Anabela Almeida, As Ondas é cocriado e interpretado por Sara Duarte, Tânia Alves, Duarte Guimarães e Luís Godinho. Em cena, de 8 a 25 de junho.x

Devido a um caso de Covid 19, a temporada está suspensa de 16 a 22 de julho, estando agendadas sessões extra de 28 a 30 de junho.

Uma noite de Santo António sem arraiais, sardinhas e marchas populares até pode ser divertida, mas jamais genuinamente alfacinha. Depois de dois anos marcados pelos constrangimentos da pandemia, com as comemorações impedidas de sair à rua, a noite mais longa do ano para os lisboetas está de volta em todo o seu esplendor e, para além dos arraiais e da sardinha assada, no regresso à Avenida da Liberdade, vão estar as marchas populares. Este ano, pela primeira vez, duas marchas infantis, simultaneamente dois projetos completamente distintos, vão desfilar no grande palco.

A Marcha Infantil das Escolas de Lisboa

Desde meados dos anos 90 do século passado que, paralelamente, às convencionais marchas populares, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) organiza, em articulação com as escolas e as juntas de freguesia de toda a cidade, as Marchas Infantis. Este ano, pela primeira vez, um par de crianças representante de cada uma dessas marchas vai formar a Marcha Infantil das Escolas de Lisboa, projeto que a EGEAC desafiou a integrar o grande desfile da noite de Santo António, na Avenida da Liberdade.

Ensaiados por Cristina Coelho, que desde a primeira edição das Marchas Infantis de Lisboa acompanha o projeto do Pelouro da Educação da CML, os jovens das escolas da cidade juntam-se agora nesta marcha conjunta que valoriza ainda mais uma participação “que os miúdos tanto adoram, porque associa toda a componente artística, a dança e a música, ao sentimento de pertença que nutrem pela sua escola ou pelo seu bairro”. Como lhe confessou outrora uma dessas crianças, “as marchas fazem-me amar a minha cidade.”

Para os coordenadores do projeto, Jorge Alves e Sónia Nunes, “mais do que o bairrismo”, as marchas infantis são uma iniciativa que contribui “para a preservação do património popular da cidade”. E não deixa de ser interessante observar como o projeto, embora tenha sido abandonado durante alguns anos, tenha deixado lastro, já que “muitos daqueles que hoje integram as marchas populares começaram, precisamente, nas marchas infantis de Lisboa”.

“Aqui lançamos a semente”, lembra Cristina Coelho ao sublinhar a importância das marchas, manifestação tão representativa “da identidade e da diversidade” de cada bairro numa cidade cosmopolita como Lisboa. Serão elas, com os seus cerca de 700 jovens oriundos das 24 freguesias, que vão encher de cor e alegria o Parque da Quinta das Conchas no desfile das Marchas Infantis de Lisboa, a 18 de junho, e entoar o tema original Somos Filhos de Lisboa, com letra de Natália Teles e música de Fernando Gomes dos Santos.

A Marcha Infantil d’A Voz do Operário

O tempo corre incessante na Voz do Operário. Dois anos depois da última vez em que a Marcha desfilou na Avenida, costureiras, figurinistas, músicos e alguns professores da escola não têm mãos a medir para o regresso triunfal dos jovens marchantes. É com um enorme entusiasmo que a ensaiadora Sofia Cruz, também ela marchante em São Vicente, explica que, embora a Marcha Infantil d’A Voz do Operário não seja obrigada a acompanhar o tema estipulado pela EGEAC para o desfile, a instituição inspirou-se “nas crianças e o Fado”, já que o desfile decorrerá sob a égide do centenário de Amália Rodrigues, temática recuperada de 2020.

À semelhança das marchas dos graúdos, na Voz do Operário tudo é levado muito a sério e todos os elementos, dos arcos aos balões, passando pelos figurinos e outros adereços, são mantidos no maior secretismo. Embora a Marcha não esteja a concurso, a surpresa faz parte da grande festa. “Os trabalhos da Marcha começam por volta de fevereiros e a três dias das férias da Páscoa iniciam-se os ensaios com as crianças”, refere Sofia.

Ao contrário daquilo que é norma desde 1988, ano em que a atividade da Marcha Infantil da Voz do Operário se iniciou, nesta edição, e ainda devido à pandemia, a Voz do Operário decidiu limitar a participação na Marcha a apenas 60 alunos da escola. “Criámos uma bolha como medida excecional, porque habitualmente a Marcha é aberta a todas as crianças da cidade. Em 2019 tivemos 92 participantes.”

Embora os principais segredos fiquem por desvendar até 3 de junho, dia em que a Marcha Infantil da Voz do Operário abre o desfile das marchas populares de Lisboa na Altice Arena, à semelhança do que sucederá, dias depois na Avenida da Liberdade, Sofia Cruz anuncia-nos que o tema musical original deste ano chama-se Oh que Fado, ser moderno, tem letra de Ricardo Dias e música de Carlos Alberto Vidal, o famoso criador do Avô Cantigas.

A Agenda Cultural de Lisboa agradece a participação nesta reportagem do Gonçalo, da Luena,  do Alexandre, da Lara, do Flávio, da  Maria Laura, da Lia, do Nélson, da Leonor e do Afonso, crianças que integram a Marcha das Escolas de Lisboa; e da Maria, da Carlota, do Manuel, do Kavin, do Rythm, do João, da Laura e da Margarida, todos jovens marchantes da Marcha Infantil da Voz do Operário.

António Mota (texto) e David Penela (ilustração)

A Minha Família

Qual é o significado da palavra família? Que sentimentos desperta nos mais pequenos quando a ouvem? O que é que lhes fará lembrar? Ao autor deste livro, a palavra família faz lembrar um bando de pássaros. Pássaros a voar, pássaros a dormir, pássaros a trabalhar, pássaros a nascer, pássaros a envelhecer… Esta palavra-ninho de António Mota conta com ilustrações de David Penela. ASA

Guilherme Karsten (texto e ilustração)

Boleia

O Verão é sinónimo de passeios, viagens e aventuras. É também a altura perfeita para ler este álbum repleto de humor, que conta a história de um surfista que quer chegar à praia, mas que vai dando boleia a várias personagens pelo caminho. Até porque, como se sabe, o caminho é mais importante do que o próprio destino. Com ilustrações experimentais e divertidas, Boleia foi o vencedor do prémio Jabuti, o mais prestigiado galardão literário do Brasil. FÁBULA

Ondjaki (texto) e Gozblau (ilustração)

Senhor Feroz

Neste livro habitam pessoas, guitarras, pássaros, festas, casas, sombras, cacos, patos de borracha e um avô muito especial. Trata-se de um verdadeiro elogio à liberdade de pensamento, aos laços familiares e aos sentimentos que moram em cada um de nós. Ilustrado por Alex Gozblau, este conto poético foi escrito para ser descoberto, lido e sonhado em família. CAMINHO

Souleymane Mbodj (texto) e Magali Attiogbé (ilustração)

O Colar Mágico

Há muito, muito tempo, quando as pessoas e os animais falavam a mesma língua e se entendiam, viveu um feiticeiro chamado Karamoko. Entre os animais da savana corria o rumor de que ele criava um colar mágico, que tornava invencível aquele que o usasse. Inspirada na literatura oral africana, esta fábula, cheia de cor e humor, tem todos os ingredientes para agradar aos mais pequenos. ORFEU NEGRO

Colin Stuart (texto) e Ximo Abadía (ilustração)
A Tabela Periódica

Os elementos da tabela periódica estão carregados de factos e histórias fascinantes. Através deste guia original, que promete revolucionar o mundo da química e salvar a disciplina a muitos estudantes, vai ser possível descobri-los e memorizá-los de forma divertida. Porque se aprende muito mais rápido se se relacionar o silício com Silicon Valley, ou se se souber que o nome Heavy Metal está relacionado com os metais pesados dos instrumentos. LILLIPUT

Míriam Tirado (texto) e Marta Moreno (ilustração)
O Fio Invisível

O umbigo guarda um segredo e Sara descobriu-o. Agora, ela já sabe que do umbigo sai um fio invisível que a liga a todas as pessoas que ama. Graças a ele, Sara nunca mais terá medo de estar longe da  ãe ou do pai, dos avós ou dos tios, dos primos ou dos amigos, porque sabe que eles estão ligados para sempre. Esta é uma história sobre os vínculos que nos unem a quem mais amamos e sobre a  descoberta de que as coisas mais importantes são aquelas que não se veem. NUVEM DE LETRAS


Radka Janská (texto) e Lida Larina (ilustração)

Os Animais Mais Bizarros do Mundo

Qual é o animal com a cauda mais ágil? E o que tem a língua mais comprida? Neste livro, vai ser possível desvendar os truques engenhosos de alguns dos animais mais incríveis e estranhos do planeta.  través de recortes e páginas desdobráveis, os leitores são convidados a aprender tudo sobre estas estranhas criaturas! Consegues adivinhar que animal se esconde em cada página? BOOKSMILE

Isabel Minhós Matins (texto) e Bernardo P. Carvalho (ilustração)

Apanhar Ar / Apanhar Sol

Apanhar Ar, Apanhar Sol é uma homenagem ao nosso lugar no espaço, ao Sol, à atmosfera, à Terra. Repleto de informação, atividades, páginas para respirar fundo e outras só para divertir, este livro  uplo, ilustrado por Bernardo P. Carvalho, responde a perguntas para as quais a Ciência já encontrou resposta, mas também conta histórias que envolvem sementes voadoras, abelhas ou aves… e pessoas, claro! PLANETA TANGERINA

Ingrid e Dieter Schubert

O Velho Pirata

Will é um pirata reformado e resmungão que não quer ser incomodado. Um dia, ajuda um menino a recuperar um papagaio de papel que encalhou no seu telhado, convencido de que depois pode voltar à  sua vida. Mas Frank é persistente… Esta é uma divertida história sobre o nascimento de uma amizade intergeracional entre um pirata rezingão e o menino que o leva de volta ao mar. BERTRAND

Paul Verlaine
Festas Galantes

Originalmente publicado em 1869, Festas Galantes é agora dado à estampa com as belíssimas ilustrações de Georges Barbier criadas para a edição de 1928. Neste delicioso conjunto de poemas, Paul Verlaine explora, sob a aparência de frivolidade, o tema da sedução num ambiente de festa e mascarada que evoca a graciosidade e malícia da pintura setecentista de Wateau, Fragonard ou Lancret. Contudo, Stefan Zweig distingue nestas paisagens galantes “um doloroso pressentimento”, salientando: “Sob as máscaras e a pantomima, o rosto do poeta, dolorosamente perdido, contempla o espelho negro da realidade…”. No poema Art Poétique da recolha Jadis et Naguère, Verlaine escreve: “Música acima de qualquer coisa / (…) Porque nós queremos sempre as Cambiantes”. De facto, o ritmo dos seus versos e os jogos de sonoridades tornam-no no poeta francês mais musicado. Se dúvidas houvesse, bastaria ouvir o magnífico duplo CD do grande contratenor Philippe Jaroussky, Green, inteiramente dedicado à obra daquele que foi consagrado, em 1894, Príncipe dos Poetas e que inspirou compositores como Chabrier, Debussy, Fauré, Hahn, Honegger, Massenet, Saint-Saëns, Varése ou ainda Charles Trenet, Georges Brassens e Léo Ferré. [Luís Almeida d’Eça] Guerra & Paz

Isaac Asimov
Eu, Robô

No ano de 2060, a humanidade já não tem memória de um mundo sem robôs. “Tempos houve em que o ser humano enfrentava o universo sozinho sem um amigo. Agora tem criaturas para o ajudar, criaturas mais fortes do que ele, mais fiéis, mais úteis, e absolutamente dedicadas a ele.” Eu, Robô não é propriamente um romance, mas um conjunto de histórias, uma série de memória esparsas da robopsicóloga Susan Calvin sobre experiências focadas em diversos incidentes com robôs. O seu autor, Isaac Asimov (1920-1992), russo emigrado nos Estados Unidos, foi um dos nomes cimeiros da literatura de ficção científica do século XX, dotado de profundos conhecimentos científicos, de singular capacidade de antecipação e notável engenho narrativo. A obra defende que os robôs são “uma linhagem mais limpa, melhor do que a nossa”. E avança uma ideia provocadora que merece ampla reflexão, a de que sob o reino das máquinas “não pode haver qualquer conflito sério na Terra, em que um grupo ou outro consiga obter mais poder do que tem em nome daquilo que pensa que é melhor para si, independentemente de não o ser para a humanidade como um todo”. [Luís Almeida d’Eça] Relógio D’ Água

Joshua Ruah
Um judeu de Lisboa

António Valdemar, que prefacia a autobiografia Joshua Ruah. Um judeu de Lisboa, define-a como “uma descida às raízes”. Nascido em 1940, filho do reconhecido cirurgião Moisés Ruah e neto do famoso fotógrafo Joshua Benoliel, Joshua Ruah partilha neste livro as suas memórias judaicas, desde a infância até à idade atual, sem esquecer a juventude, o percurso como estudante e médico, o casamento, a ida para a guerra ou os tempos em que presidiu à Comunidade Israelita de Lisboa, o que lhe proporcionou encontros com figuras históricas como o Papa João Paulo II ou Yasser Arafat. Numa escrita sincera e despretensiosa, Ruah abre-nos a porta da sua vida, partilhando episódios como quando o avô fotografou o desembarque de D. Carlos e da família real, mas perdeu o momento do regicídio; a construção da Sinagoga de Lisboa; o 25 de Abril de 1974; a recuperação da comunidade de Belmonte; ou de quando viu pela primeira vez Álvaro Cunhal, de quem foi médico durante 14 anos. Antes d’ O fim, o médico ainda nos brinda com algumas fotos de família e revela que tem na calha um projeto para um livro sobre a história da Feira da Ladra. [Sara Simões] Caminho

Matt Haig
A biblioteca da meia-noite

Depois de renunciar a uma promissora carreira como nadadora olímpica, de ter abandonado o grupo musical de que fazia parte, de ter cancelado o casamento, de não ter conseguido cuidar do gato, Nora Seed é confrontada com a dura realidade: trabalha há 12 anos numa loja de música, sofre de depressão e não tem planos para o futuro. Com medo da vida e invadida por uma tristeza absoluta, decide morrer. É então que chega à Biblioteca da Meia-Noite onde encontra livros que são portais para todas as vidas que podia ter vivido e onde poderá decidir como quer viver. Mas, antes de poder escolher qualquer um destes livros, há um que tem obrigatoriamente de consultar: o Livro dos Arrependimentos. Com a ajuda da sua antiga bibliotecária, a Sr.ª Elm, Nora vai abrindo livros e experimentando várias vidas, até que, perante a morte, a vida lhe parece mais atraente. Sem corresponderem às expectativas, as vidas sucedem-se umas às outras, até que Nora se apercebe que “o verdadeiro problema não são as vidas que nos arrependemos de não ter vivido. É o arrependimento em si.” Viver é a única forma de aprender. [Sara Simões] Topseller

Alain Bergala
A Hipótese Cinema – Pequeno tratado sobre a transmissão do cinema dentro e fora da escola

Como escolher os filmes a mostrar aos alunos? Como expor as crianças a este encontro? O que nos oferece o DVD? Deve falar-se do cinema e da televisão? A educação em cinema passará obrigatoriamente pela passagem ao ato de realização na sala de aula? Como seria uma análise de filmes que visasse uma iniciação à criação? Em A Hipótese Cinema: Pequeno tratado sobre a transmissão do cinema dentro e fora da escola, Alain Bergala responde muito concretamente, com paixão e algum sentido de polémica, a toda uma série de questões que são colocadas àqueles que hoje se encontram na posição de passeurs. A questão preliminar e central da obra consiste em saber como ensinar o cinema enquanto arte em ambiente escolar, tendo em conta que a arte é e deve permanecer, precisamente, uma semente de mudança profunda na instituição. Este livro é, assim, uma tomada de posição, de intervenção, escrita ao sabor do momento, no calor da batalha, mas também um texto de reflexão, sustentado numa experiência de mais de 20 anos e em propostas concretas para uma iniciação ao cinema. [Ana Rita Vaz] Imprensa Nacional

Pelo nosso caráter gregário, “a vida humana tem pouco espaço para ser exercida fora de contextos determinados por regras ou acordos”. Quem o constata é Marta Carreiras, criadora destes Jogos de Obediência que não são mais do que metáforas da vida em sociedade.

Neste espetáculo, quatro concorrentes (Madalena Almeida, Rosinda Costa, Rui M. Silva e Vítor d’Andrade), guiados pela anfitriã dos jogos (Sílvia Filipe), disputam um campeonato de obediência. Perante os espectadores que ocupam os seus lugares munidos de auscultadores, aquelas pessoas, meramente designadas por números, são colocadas à prova numa sequência de jogos que ora exigem destreza física, ora psíquica e emocional. Até porque, tal como no mundo real, há consequências associadas à performance de cada um.

“Este recurso aos jogos permitiu-me refletir sobre como cada ser humano é treinado desde o nascimento para obedecer a regras, independentemente do lugar ou da situação em que se nasce e se cresce”, nota Marta Carreiras. “A nossa postura na vida, perante a empresa, o grupo de amigos, o namorado ou a namorada é, por norma, obedecer a um conjunto de regras que estão pré-determinadas”. Consequentemente, cada um de nós é instruído para dizer ‘sim’, quer “tenhamos ou não instrumentos para o fazer em consciência”. Até porque dizer ‘não’ depende em tudo das “condições que se tem para o fazer, sabendo de antemão que não é a regra perante a vida em sociedade.”

Jogos de Obediência é a segunda parte de uma trilogia iniciada com Pedro e o Capitão, texto de Mario Benedetti que Carreiras e Romeu Costa levaram a cena, também no São Luiz, em 2017, com interpretações de Ivo Canelas e Pedro Gil.

Como explica a autora, “se naquela peça acompanhávamos dois homens que escolheram percursos radicalmente opostos” – um, o prisioneiro, era ativista político de esquerda; o outro, o carcereiro, um militar ao serviço de um regime ditatorial –, “tendo em conta trajetos de vida, contextos ou ideologias”, em Jogos de Obediência “estamos no momento anterior às escolhas”, daí este ser “um espetáculo que nasce do trabalho com adolescentes, e que é, sobretudo, a eles destinado.”

Embora a ideia para o espetáculo seja anterior ao doutoramento em Estudos de Teatro na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa que Martas Carreiras desenvolve, foi em contexto académico que este projeto cresceu e ganhou forma. Através de uma bolsa atribuída pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, foi possível, entre outras atividades, desenvolver workshops com adolescentes (onde o recurso aos jogos foi “essencial devido à relação que têm com eles”) e fazer este espetáculo.

Acabou por ser o mecanismo do jogo que “trazemos para o campo do teatro”, fazendo da dramaturgia do espetáculo (por Raquel S.) “uma experiência científica sobre a obediência”. Contudo, e como Marta Carreiras não deixa de sublinhar, “é teatro, mas também é jogo, logo há espaço para improvisar e convidar o público a jogar também. E, porque não, a ajudar a desobedecer”. Porque, apropriando-nos das palavras de Howard Zinn, o problema nas nossas sociedade humanas, independentemente do regime politico, não é a desobediência. O verdadeiro problema é mesmo a obediência.

Com estreia agendada para 31 de maio, numa sessão especial para escolas, Jogos de Obediência apresenta-se ao público em geral entre 3 e 11 e 14 e 19 de junho, com sessões às 19h30, exceto aos domingos, às 16 horas.

Como surgiu a ideia de usar a correspondência trocada entre o casal para realizar o filme?

A correspondência é um princípio de filme. Nesse sentido, há um convite do António Gomes de Pinho [presidente da Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva] para que eu pensasse na possibilidade de um documentário. E eu gosto desses materiais. Houve uma outra razão, muito específica: um filme era a única maneira de casar tudo. Ou seja, de ter a obra, as fotografias, a experiência de vida e, sobretudo, a pintura e o desenho em paralelo. Já tinha sido feita uma exposição, que era muito focada nas cartas, mas há sempre uma certa distância entre a carta e a obra, e no filme isso não se passa. A dificuldade maior foi mesmo conceber o fluxo. Descobrir o cinema da Vieira e do Arpad, porque eles trabalharam esse fluxo, eles sabiam qual a relação entre as cartas e as obras.

A correspondência, à semelhança do espólio dos artistas, é muito rica e em grande quantidade. Como fez a seleção desse material através do qual conta uma longa história?

Filmei em mudo, isto é, filmei as cartas não por aquilo que elas diziam mas pela sua visualidade. Há uma correspondência visual entre tudo no filme, entre a paisagem, os lugares, as cartas, a pintura. A pintura é a referência essencial. Li as cartas através da pintura e não o contrário. Comecei por filmar a pintura, filmei tudo seguido num sistema automático para não perder o foco. Era muito importante saber como filmar. Filmar a pintura ao baixo é uma coisa, fazê-lo ao alto é outra. O cinema é horizontal, isso determinou muito o tempo, que é uma coisa essencial no filme. Num museu a pessoa pode desligar-se do quadro que está a ver quando quiser, num filme não, as pessoas têm que ver os quadros com o tempo que lhes dou. É importante esse ritmo que o filme tem, que é o ritmo dele, é uma espécie de respiração própria. O trabalho mais desafiante foi respeitar essa respiração, que já estava lá.

O casal documentou a sua vida ao longo de várias décadas. Sente que a intenção de ambos era deixarem um legado que pudesse ser posteriormente divulgado?

A Vieira e o Arpad cuidaram muito bem da sua posterioridade. Acho que o filme foi comandado por eles. Na verdade, procurei fazer o filme que eu achei que eles gostariam que fosse feito. Cada peça era um convite que me empurrava a filmar isto ou aquilo. Portanto, não fiz nada, apenas tentei abrir-me a esse diálogo. Há neles esse lado da dádiva, inclusive um lado performativo. Quando filmei as cartas, a pintura, senti que estava a filmar essa performance. Tentei ser fiel à mensagem que estava nessa voz/documento. A minha questão centrava-se sempre em como merecer a presença deles e em fazer um filme que não os traísse.

Que influência teve, na realização de Vieirarpad, o documentário Ma Femme Chamada Bicho (1976), de José Álvaro Morais?

O filme do José Álvaro, pelo qual tenho uma grande estima, era o lugar onde os tinha vivos. Depois há uma questão no documentário Vieirarpad: como é que se torna uma memória permanente? Quando “eles” me entregaram uma arca com fotografias, cartas, pinturas, estão a dizer-me faz alguma coisa com isto. Tentei pegar em tudo o que havia e o Ma Femme Chamada Bicho era incontornável. Sempre achei que era possível encontrar um ponto de encontro, um momento em que não se percebe bem a diferença entre este filme e o outro. Uma espécie de não tempo. Esse momento surge numa conversa em casa do casal, onde eu repito a sequência do filme do José Álvaro com o mesmo diálogo. Há ali uma confusão de filmes e de tempos que é o nó onde o Vieirarpad foi concebido e acabado. A minha ideia nunca foi fazer um filme definitivo sobre a Vieira e o Arpad. Mas acho que há na vida deles a construção de uma figura, uma entidade, que não é nem um nem outro e essa entidade é o nome do filme: Vieirarpad. É algo que não tem uma forma, mas que embraia uma poética. A vida deles é marcada pela poética dessa figura que constroem em conjunto. Isto para dizer que, a coisa mais importante não é a arte, mas sim a vida, as pessoas.

Os vários locais onde viveram e o exílio influenciaram a obra dos artistas. A geografia determinou o imaginário que reproduziram na pintura. Que importância teve a geografia no filme?

Foi uma aprendizagem para mim. No Brasil, sobretudo, não viveram num sítio qualquer, foram escolhendo e acabaram por ficar longe do Rio de Janeiro, em Santa Teresa, um local que permite ao mesmo tempo uma proximidade e uma certa distância do Rio. A Vieira da Silva odiava o Rio, o Brasil, ao contrário do Arpad. Eu queria que o filme fosse autêntico na forma como transmitia isso. Nas filmagens do Brasil não há nenhum exotismo, porque eles não tiveram uma relação exótica com o Brasil, há, pelo contrário, uma relação sofrida. Isso foi uma aprendizagem do que é a paisagem de um exilado. O filme é também sobre o exílio. Eles sempre foram exilados, exilaram-se de todos os locais, e até a sua morte é exilada. Aliás, o filme começa com a sepultura que está num lugar de exílio. O último ponto do exílio é a pintura. Isso vê-se quando a Vieira está no Brasil e pinta a guerra na Europa. A arte é a única pátria.

Há um paralelismo com os dias de hoje e apesar de toda a evolução tecnológica, que nos deveria ajudar a evoluir, parece que regredimos. O filme também nos ajuda a refletir sobre isso…

Sim, esta é uma questão que está na ordem do dia. O mundo vai ser cada vez mais um lugar de exilados. As pessoas são obrigadas a deslocar-se para sobreviver. Podemos dizer que o exílio será, talvez, a condição pós-moderna, onde as pessoas quando nascem já estão no exílio. Nos dias de hoje também a internet é um lugar do exílio. O lugar onde se vive já não nos pertence. Por exemplo, em Lisboa é cada vez mais difícil ver a Lisboa da Vieira e do Arpad. Atualmente há um aspeto fulcral, a tecnocracia, que faz com que as pessoas que não vivem nesse mundo se tenham que exilar dele para sobreviver. O contacto com a tecnocracia é terrível, começou com o yuppismo nos anos de 1980, mas hoje assume uma dimensão tal onde, para mim, a figura mais emblemática é a do turista. O turista é a pessoa comum. Antes dávamos pelos turistas, hoje eles são a maioria. Nesse sentido, como é que alguém pode sentir que a Baixa de Lisboa é sua? Isso acabou. O filme pode ajudar um pouco a perceber aquilo que chamaria uma fenomenologia do exílio, isto é, aquilo que o exílio é para além de ser uma coisa que as pessoas temem. O exílio é uma condição que pode ser uma escolha de vida. Há uma série de movimentos de deriva, na América e na Europa, onde cada vez mais pessoas decidem passar o tempo todo a viajar, a mudar de sítio.

Realizou, ao longo dos anos, vários filmes de ficção. Pensou neste caso em particular fazer um filme biográfico, sem ser em formato documental?

Não, porque aquilo que era ficção na vida deles já existe. Há inclusive uma fotonovela, em que a Vieira faz um personagem chamada Joana que é pintora. Para mim não faz sentido acrescentar uma ficção à vida, mas sim, acrescentar um documento aos outros que já existem. Quando o artista se deixa filmar, não há mais nada a filmar. A ficção é mais um gadget. O personagem não existe, o que existe é a pessoa. O personagem é uma coisa da indústria. A ficção para mim tem a ver com a construção de um personagem. Aqui não é preciso. Eles foram tão fotografados, houve tanta vontade da parte deles de dar imagens… Tudo está lá, a pessoa, a personagem, é só seguir. A única coisa que tive de fazer foi escolher e definir um tempo.

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