O 25 de Abril tem sido frequentemente retratado no cinema português, mas nunca em estilo musical. Como surgiu a ideia de usar a música como fio condutor?
Já se fizeram uma série de coisas sobre o 25 de Abril e já foram retratados, digamos assim, os momentos-chave e as personagens-chave. Sentia que ainda ninguém tinha falado, ou encontrado uma ideia para falar sobre a música de intervenção portuguesa e os grandes cantautores que, na minha opinião, continuam a ser os grandes compositores e letristas da música portuguesa do século XX. Sinto que estes músicos ultrapassam a questão musical ao fazerem uma coisa que a arte, volta e meia, tem de fazer, que é posicionar-se face ao mundo, ao país e à política. Muitas vezes é mais fácil mudar ou educar as pessoas através da arte do que com debates políticos. Queria fazer alguma coisa com os cantautores e com as suas músicas, mas não os queria a cantar no cinema. Gostava que fossem todas as pessoas anónimas, que ainda não foram referidas nas obras que já se fizeram sobre o 25 de Abril, a cantar estas canções.
Depois de tantos filmes com figuras reais, neste não há nenhuma personagem conhecida ou famosa…
Só temos uma pessoa que se pode dizer famosa no filme, a Celeste Queiroz. Mas a Celeste é também uma anónima, uma espécie de arauto de todos os anónimos. Foi intencional, é como se estivesse ali uma representante do povo. Queria perceber como é que estes anónimos viveram o antes, o durante e o depois do 25 de Abril. Fui congeminando esta ideia ao longo dos anos, até que comecei a trabalhar num guião com uma estrutura que é, aparentemente, muito pedagógica. Queria que fosse um filme muito fraternal e igualitário. Quando as pessoas me perguntam quem é que são os atores principais, respondo que são todos. Então quem é que são os secundários? São todos. Somos todos principais e secundários na vida uns dos outros. Neste filme vou a muitos mundos, a muitas visões, a muitas formas de ser, a muitas pessoas anónimas, e é através delas que ouvimos as canções, é dentro das suas vidas que estas canções existem. As canções não surgem como momentos musicais a que estamos habituados a ver no cinema dito musical. As canções vêm de um momento de intimidade de uma personagem.
A Lúcia Moniz e o Fred Ferreira escolheram os temas musicais ou o Vicente já sabia quais incluir no filme?
O guião já estava escrito com as músicas definidas. Confesso que não era um grande conhecedor da música de intervenção portuguesa. Olhei para as discografias dos cantautores e durante semanas ouvi as suas músicas no Youtube. Eram tantas… Gostei de muitas. Percebi que não podia partir das músicas para escrever o guião, porque acabaria por me perder. Então, achei que tinha de fazer o contrário, isto é, decidi primeiro as histórias que queria contar e depois encontrava a música para essas histórias. Era muito importante ter a maior parte dos cantautores portugueses representados e não podia usar mais do que uma canção por artista. O único que tem duas canções é o Zeca Afonso, porque o tema Grândola, Vila Morena, um tema óbvio, surge num contexto à parte. Depois descobri uma coisa muito triste, e qualquer pessoa do mundo da música que leia isto pode rebater imediatamente esta afirmação, porque sou um leigo, mas não encontrei muitas mulheres cantautoras, há intérpretes, mas compositoras não. Mas consigo ter a Ermelinda Duarte, com o Somos Livres.
Mas a Lúcia Moniz e o Fred Ferreira também ajudaram?
A Lúcia acompanhou, essencialmente, as vozes. Também falei com os pais da Lúcia, o Carlos Alberto Moniz e a Maria do Amparo, sobre o projeto. Mas, acima de tudo, queria que eles validassem a minha ideia. Perguntei-lhes se a conjugação das histórias e com aquelas canções fazia sentido. Estava disponível para ouvir as propostas deles, caso não concordassem. O Fred entra como um mágico. Disse-lhe que queria aquelas canções e que gostava que fosse ele a adaptá-las e a trabalhar todo o lado instrumental que o filme necessitasse. Queria que ele desse um cunho pessoal, mais atual. Não é modernizar as canções, até porque tínhamos feito um acordo com os herdeiros e com os autores que definia que tínhamos de respeitar completamente a melodia. Ele dá uma transpiração do tempo de agora.
Não deve ter sido fácil escolher os temas…
Muitas vezes escrevo coisas por ideias que tenho, ou por vontades. Aqui foi por princípios. O princípio de criar um guião em que falo das pessoas que não estão representadas. O princípio de ter todos os atores protagonistas no filme. O princípio de ter o máximo de cantautores possíveis no filme e cada um representado com uma canção. Foram princípios, poder-se-á dizer quase políticos, que construíram o filme. Foi este jogo de consciência política, de princípio político, de fazer um filme que ainda ninguém fez, de dizer coisas que não se dizem normalmente na ficção portuguesa porque se tem medo, e ter estas músicas que raramente estão na ficção.
O elenco do filme é bastante extenso. Como foi o processo de conjugar os temas musicais, as personagens e os atores que as interpretam?
Misteriosamente são 50 personagens. Eram 63, mas como tive de cortar partes, porque o filme estava muito grande, ficaram 50. É uma coincidência feliz porque se comemoram os 50 anos do 25 de Abril. Foi um processo um pouco complexo, porque às vezes não é óbvio que tenha de ser um ator do teatro musical a interpretar os momentos musicais. Havia duas pessoas que para mim eram fundamentais: a Lúcia Moniz, para um determinado momento do filme, e o Diogo Branco, que abre o filme e que é neto do José Mário Branco. Mas também tive de fazer casting e a Lúcia Moniz estava presente para me ajudar. Queria que os momentos musicais fossem entre o cantado e o vivido. Era importante que a voz fosse captada em direto na rodagem, porque não queríamos dobrar em estúdio. Conseguimos que todas as canções do filme fossem cantadas em direto.
Optou por fazer um filme a preto e branco, mas todos os momentos musicais são a cores. Porquê?
Acho que a realidade portuguesa, pré-25 de Abril, era muito a preto e branco. Queria de alguma forma passar esta ideia triste de Portugal e de como os portugueses lidavam com a vida, com o peso da ditadura e com a realidade comezinha. De alguma forma, acho que a cor simboliza alguma coisa e tinha de estar mais perto das canções. A música traz-nos vida, esperança, apaixona-nos, é talvez a arte mais misteriosa de todas porque podemos ouvi-la, não precisamos de a ver ao contrário de quase todas as artes. A cor surge quando as pessoas cantam, como se fosse uma espécie de sol que as ilumina.
O filme revela muitas histórias, vários lados e interesses. Só assim podemos refletir sobre o passado?
Há muitas histórias, mas acho que as toco no sítio onde têm de ser tocadas. A ficção quando retrata o passado tem a tendência de compartimentar os tipos de personagens, por exemplo, o mau é sempre mau. Quando se fala do Portugal amordaçado há uma visão muito simplista de que os pobres são sempre bons e os ricos são todos maus. No filme não misturo realidades, mas sim comportamentos. Há uma complexidade entre o bem e o mal, as personagens têm essa dualidade. Ao escrever o argumento, o que me deu mais gozo foi estar constantemente a desmontar estas pessoas para que não fossem óbvias.
Não deixa de ser irónico que tanto tempo depois da ditadura e da revolução, voltemos a sentir que a liberdade está em causa. Enquanto seres humanos não evoluímos ao mesmo ritmo da evolução tecnológica. Concorda?
Parece que as pessoas se esquecem muito rapidamente das coisas. Em 2024, um milhão de portugueses, elegeram 50 deputados do Chega, o que não deixa de ser irónico, 50 deputados nos 50 anos do 25 de Abril – são um bocadinho assustadoras estas lógicas matemáticas. Nos últimos 200 anos de desenvolvimento tecnológico houve uma progressão demasiado rápida para aquilo que o ser humano consegue assimilar. As redes socais são hoje um grande big brother e deram protagonismo ao que estava na sombra. O cinema, a literatura, o teatro, as artes são muito importantes para combater estes fenómenos. Mas acho que continuamos a falar muito da coisa social e pouco da coisa política. Há medo de falar da política, porque quase todos somos subvencionados pelo Estado. Temos de pensar que o Estado não são as pessoas que estão no poder, o Estado somos todos nós e devemos a todos essa coragem de falar.
“A minha vida é um tédio. Em casa, um tédio. Na escola, um tédio. Em todo o lado, tédio, tédio, tédio, tédio.” Assim começa Do Outro Lado do Tempo, o novo livro de Ana Markl, que resgata os diários que escreveu durante a adolescência nos anos 1990 e os põe em diálogo com a Ana da atualidade. “O tédio é um luxo. Aos 45, já só desejas aborrecer-te”, escreve mais adiante a adulta de hoje. Com ilustrações de Christina Casnellie, esta edição da Nuvem de Letras – que tem como subtítulo “E se pudesses ouvir o teu futuro?” – é um diário gráfico pensado para os adolescentes de agora, mas que fala também aos de outrora que viveram experiências semelhantes. Com o sentido de humor apurado a que já nos habituou, Ana Markl vai recordando as dores de crescimento por que passou e pondo os grandes dramas da altura em perspetiva. Afinal, como escreve, “por mais que doa, podemos sempre acreditar num final feliz”. Uma leitura deliciosa ilustrada a preto, branco e cinzento, mas onde o cor-de-rosa forte faz toda a diferença.
As Mortalhas
28 maio, às 13h
Cinema Medeia Nimas
Ana Markl diz que adora ir ao Nimas e a explicação é simples: “porque tem aquilo a que chamo ‘sessões para pensionistas’, ou seja, filmes incríveis a horas que só servem a quem não trabalha”. Ou a quem é freelancer e mãe, como ela. Nesse “horário morto” aproveita para ver filmes e nesta quarta-feira há sessão do último filme do David Cronenberg, As Mortalhas. “Posso entrar às 13 e saio bem a tempo de ir buscar o miúdo à escola. Aconselho a que comam um croquete na Versalhes antes, que é para o Cronenberg não vos cair na fraqueza.”

Em Suspenso
31 maio e 1 junho, às 11h30 e às 16h30
Teatro Lu.Ca
“A melhor programação de espetáculos para crianças é no Teatro Lu.Ca”, garante Ana Markl. Com sessões para escolas durante a semana e para famílias ao fim de semana, Em Suspenso, do Théâtre L’Articule, um espetáculo inserido na programação do FIMFA Lx – Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas, é a sua sugestão para estes dias. “Uma produção Suíça que mistura novo circo e marionetas, com música inspirada em Moondog e Erik Satie. Que luxo. Os miúdos (e os pais) não têm de levar só com aquele festival do urso.” E quem for ao Lu.Ca, aconselha Ana, não deve perder a exposição da ilustradora Teresa Cortez, Tralha ou Tesouro?, que está no andar de cima deste teatro municipal.
Curso de ilustração com Teresa Cortez
Escola Nextart
“Por falar em Teresa Cortez, frequentei um curso de Ilustração Para a Infância lecionado por ela na escola Nextart – e adorei. Aconselho. As inscrições para os Cursos de Verão estão a decorrer agora.” A ilustradora dará três cursos diferentes em agosto e setembro e a informação pode ser consultada no site da escola, que tem também aulas de pintura, desenho, escultura em barro, colagem, gravura, escrita criativa e história da arte.
The Rehearsal
em streaming na Max
Ana Markl também tem uma sugestão para quem prefere não sair de casa. “A plataforma de streaming Max está a lançar semanalmente um novo episódio da segunda temporada da série The Rehearsal, saída de uma das mais loucas, geniais e invejáveis cabeças do nosso tempo: Nathan Fielder. Ele acredita que pode ter respostas para grandes questões da vida através da construção de simulacros de realidade. O resultado é tragicómico, emocionante e deliciosamente constrangedor.”
Quando percebeste que querias seguir uma carreira musical?
Por acaso sei precisar esse momento. Foi num concerto do Bruno Mars no MEO Arena, quando tinha 16 anos. Lembro-me perfeitamente da forma transparente com que ele conseguiu transmitir aquilo que estava a sentir com a música que estava a fazer, e a forma como o público aderiu a esse mesmo sentimento… tornou-se uma coisa partilhada entre todos que ali estavam. Foi a primeira vez que me lembro de olhar para o palco e pensar “é ali que eu quero estar”.
Quais dirias que são as tuas principais referências musicais?
A minha grande referência é sempre o Stevie Wonder, há de ser a referência que me acompanha até ao final da vida. Depois tenho várias pequenas referências. Em Portugal são os irmãos Sobral, o Manel Cruz, o Samuel Úria, a Maro… depois tenho muitas referências do Brasil; adoro a música brasileira: o Jobim, o Edu, o Dori Valle, o Dori e a Nana Caymmi.
Como funciona o teu processo de escrita?
Há alturas em que a emoção é tanta que me apetece escrever e preciso de “vomitar” pensamentos para dentro de uma guitarra, mas é necessário ter alguma disciplina de escrita de canções. Não deixa de ser um músculo que trabalhamos, que treinamos, às vezes até a ler um livro ou a ler poesia. Isso também é trabalhar para a escrita… Acho que é daí que vem a disciplina e é daí que, muitas vezes, vem a inspiração e o brio. Amiúde sento-me para tentar escrever porque sei que pode acontecer a alegria de sair alguma coisa maravilhosa, mas também vivo bem com a alegria de sair uma coisa muito má, mas que me fez chegar a um sítio novo.
Fizeste um curso de escrita de canções com a Luísa Sobral. Que ferramentas te deu?
Foi exatamente essa questão da disciplina. Lembro-me da Milhanas dizer, sobre estas aulas, que também teve, que a Luísa nos ensinou que a inspiração não vem da manhã nebulosa de onde desapareceu D. Sebastião, ou daquela madrugada luminosa onde o sol se ergueu. Percebemos que a inspiração vem, muitas vezes, desta procura, desta disciplina, e que não é por nos obrigarmos a sentar e a escrever que as canções vão ser más. Muitas vezes, é a forma como nos conectamos com aquilo que estamos a pensar e a sentir.
Lançaste recentemente o teu terceiro disco, gravado ao vivo no estúdio de Vale de Lobos. Como surgiu a vontade de gravar um disco ao vivo?
Penso que foi um bocadinho pela sensação de falta. Quando gravo um disco sinto falta do público e quando estou em palco sinto falta da intimidade do estúdio. Portanto, unindo as duas coisas, podíamos ter o melhor dos dois mundos, que era esta ideia de estarmos todos dentro de um estúdio – que é um lugar tão bonito e tão íntimo – a gravar, mas, ao mesmo tempo, sentir o poder que tem a energia do público e sermos contagiados por isso. Muitas das vezes respondemos quase fisicamente àquilo que está a ser pedido pela energia do público e isso é uma coisa que queria muito gravar e captar. Isto faz-se muito noutros países. Há imensos showcases deste género e nós ainda não temos assim tanto disto. Foi uma experiência maravilhosa, é para repetir.
Neste disco contaste com a participação especial de Rui Veloso, um dos teus ídolos de infância. Como foi trabalhar com ele?
O Rui Veloso é uma grande referência, crescemos todos a ouvi-lo. Em pequena adorava a música do Rui, ainda hoje adoro. Ouvia, cantava… lembro-me que, quando fazia covers em bares, era sempre das canções dele. Foi sempre uma referência, que achava que era tão alta que era impossível lá chegar. Ao longo da vida tenho sido muito abençoada e, a dada altura, tive a oportunidade de o conhecer e de ele ouvir a minha música. Depois foi uma coisa muito bonita e orgânica. Ele é uma daquelas pessoas muito generosas que quando gosta diz a toda a gente. Cada vez que o encontrava, deixava-me sempre um elogio e dizia às pessoas do lado “ela faz coisas bonitas”. Isso foi de tal forma reconfortante que eu ia sempre para casa nesta segurança a pensar “seja o que quer que estou a fazer, já tenho aqui uma das minhas grandes referências a dizer que estou no caminho certo”. E isso é uma confiança que às vezes é muito difícil de ter, porque o caminho do artista é mais de nãos do que de sins. E com estes sins decidi arriscar num “sim” ou um “não” mais absoluto: “participas, vens cantar comigo?” e depois tive a sorte de me responder afirmativamente.

Optaste por gravar com o Rui uma versão de Vai Ruir, que fazia parte do teu segundo disco, Contornos (2023). Porque escolheste esse tema?
Curiosamente, foi ele que escolheu. E faz algum sentido, é um bocadinho mais blues, estamos a falar do rei do rock. Acho que a canção o chamou por causa da batida, da ideia blues que está toda por trás. Caiu-lhe que nem uma luva.
Nesse disco, Contornos, tens outras participações com nomes como Luísa Sobral ou Ricardo Ribeiro. Para ti é importante trabalhar com nomes consagrados?
Sim, acima de tudo é algo que me dá muita confiança. Tenho sido muito sortuda com os sins que tenho recebido. Por outro lado, faz-me querer mais. O ser humano é insatisfeito por natureza; quando já temos os sins de pessoas que admiramos muito, achamos que o céu é o limite. Tive muita sorte com as pessoas que quiseram trabalhar comigo, que me ensinaram muitíssimo. Isso é a coisa mais importante: deram-me um “sim”, mas também me deram a mão para me ajudar e guiar. Sou um bocado esponja, apesar de ter 26 anos não deixo de ser nova, portanto estou numa fase em que tenho muito a aprender.
Voltando ao novo disco, tens também uma versão de um tema de Manel Cruz, O navio dela. Por que é que esta canção te diz tanto?
A nível lírico é uma canção muito especial porque vem de um lado real para um lado lúdico, para um lado etéreo e depois volta para o real, e é maravilhosa. E depois, por causa desta ideia, muito desprendida de “a minha mulher não é minha, é da cabeça dela”. É um lema que temos de levar connosco, acho que é lindo e ao mesmo tempo sentimos a liberdade da canção. Do quanto nos leva para todo lado. Adoro esta canção desde sempre, foi das primeiras canções de que fiz cover. Fazia parte do meu primeiro alinhamento de concertos em nome próprio, por isso quis gravá-la, quis eternizar essa versão.
No dia 29, atuas no Teatro Tivoli BBVA. O que estás a preparar?
Vou ter a companhia do Rui no concerto, o que é maravilhoso. Vou ter também o Miguel Marôco, que é um artista ligado ao indie fusão e que está a dar os primeiros passos na música. É um grande músico, estou a desenvolver um projeto com ele e vou levar uma canção desse projeto ao concerto. Vou também levar algumas canções novas, não muitas, que é para deixar um cheirinho do que vem a seguir. Vamos ainda revisitar alguma obra antiga: se viemos do palco para o estúdio, agora voltamos para o palco novamente e vamos tentar amplificar esta intimidade do estúdio e torná-la um bocadinho mais ampla dentro da maravilhosa sala que é o Tivoli.
Odile e Odette dançam entrelaçados, num amor que acreditam capaz de criar futuro e de fazer uma revolução. Mas já sabemos que, em O Lago dos Cisnes, não há histórias com finais felizes. Nem no clássico bailado de Tchaikovsky, nem nesta “especulação”, como lhe chama o encenador Daniel Gorjão, a dias da estreia no Centro Cultural de Belém, a 28 de maio.
Há muito que Gorjão queria levar esta obra para um palco de teatro e desviá-la do cânone do bailado clássico. Foi agora que aconteceu, depois de, já há uns anos, ter desafiado o escritor André Tecedeiro a escrever um texto “sobre a forma como pode reverberar nos dias de hoje”.
“Tinha vontade de trazer uma história da dança para o teatro, no sentido inverso ao que se costuma fazer. É raro trazer peças marcadamente do repertório da dança clássica para o teatro e dar-lhes palavras. Fui perseguindo essa ideia, mas o que podia fazer com ela já foi muitas outras coisas que não isto que é agora”, explica o encenador. O texto final, diz, acabou por ser muito partilhado entre os dois e também com os intérpretes. “Acredito que o espetáculo agora comunica mais com o tempo atual do que se o tivesse feito há dez anos.”

Em cena, reconhecemos nomes de personagens, mas nem sempre elas correspondem ao perfil e à posição na trama que originalmente Tchaikovsky lhes deu. O Lago dos Cisnes está lá, com toda a sua carga dramática, mas está também com leituras que nos levam para outros caminhos: os da mutação, da aceitação (ou não) do outro, da violência e do medo, da culpa e da mentira. “Penso que toca vários temas ao mesmo tempo: a fluidez, o género, a família, o amor, o desejo – para mim, o desejo é muito presente no espetáculo”, sublinha Gorjão.
Questionar o padrão
Ao contrário do ballet clássico, que elege corpos perfeitos capazes de gestos coreográficos irrepreensíveis, aqui procuraram-se corpos disruptivos que nos confrontam com conceitos pré-estabelecidos. No palco, Batata, Duarte Melo, Inês Cóias, Rita Carolina Silva e Zé Couteiro não nos parecem menos admiráveis nos seus movimentos. “É o que dá esperar coisas de corpos alheios”, havemos de ouvir, na peça, a filha dizer à mãe – mulher tóxica, que tudo quer controlar –, perante a desilusão desta e a rejeição a que a condena. “Queria questionar o padrão dos corpos usados naquilo que é uma companhia de repertório. Em audição, escolhi estes atores, com estes corpos e estas histórias e, de alguma forma, quis trazer isso para cena”, afirma Gorjão.

Por isso, nas audições onde escolheu os intérpretes, conta, foi em busca de “corpos reais”, sem nenhuma ideia já definida. “Estava aberto a ver pessoas que nunca tinha visto. Para este espetáculo, não podiam ser só os atores que conheço.” Depois, pediu-lhes movimentos a que não estavam habituados e foi de encontro ao que daí resultou. “Não quis anular o lugar de onde isto partiu. Há muitas coisas na coreografia que remetem para uma codificação coreográfica que existe no bailado clássico e fui à procura de outras referências, nomeadamente ao universo da revista Vogue. Foi uma tentativa de ver como é que isso se comporta nestes corpos que não estão treinados como estão os dos bailarinos clássicos. São corpos reais, com pouco treino a nível de movimento. Queria perceber como é que isto ressoava neles. Para mim, estas pessoas dançam com os seus corpos e isso está certo. É dentro dos seus movimentos que isto se torna bonito, frágil e vulnerável.”
Num cenário espelhado e ao som de música composta por Máximo propositadamente para o espetáculo, este O Lago dos Cisnes lembra-nos que somos todos “um corpo de possibilidades”. Ali naquele bosque, naquela água, todos se hão de transformar, de alguma maneira e será assim, afinal, que se criará um futuro. Bem vistas as coisas, “uma forma é só uma forma” e não há como mergulhar em nós mesmos para perdermos o medo. Haverá poesia maior no fim dos tempos?
Reconhecido como um dos grandes intelectuais portugueses das últimas décadas, António Mega Ferreira foi escritor, jornalista e gestor cultural. Como mentor de vários projetos culturais de grande relevo, contribuiu para projetar a imagem da então jovem e periférica democracia, ávida de inscrever-se no espaço europeu. Destaque para a Expo-98, ambicioso projeto de comemoração dos 500 anos da chegada dos portugueses à Índia, que transformou e requalificou definitivamente a zona oriental de Lisboa.
É, justamente, num dos mais icónicos edifícios criados para o evento, o Pavilhão de Portugal, projetado pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira, que nasce a Biblioteca António Mega Ferreira, o mais recente equipamento cultural de proximidade a abrir as suas portas à cidade. Este equipamento acolherá a biblioteca pessoal do escritor, fruto de um memorando de entendimento assinado pelos herdeiros de António Mega Ferreira, a Câmara Municipal de Lisboa, a Junta de Freguesia do Parque Nações e a Universidade de Lisboa, proprietária do edifício.
Por se tratar de uma coleção patrimonial, a sua consulta ficará circunscrita ao espaço da biblioteca para que curiosos e estudiosos possam, a partir dela, conhecer melhor António Mega Ferreira, intelectual que adotou o compromisso cívico de, em prol da liberdade individual, empenhar-se na educação social e cultural das populações.
A par da sua coleção, este espaço disponibiliza também muitas das obras editadas durante a Expo-98, num trabalho conjunto com o Centro Interpretativo do Parque das Nações, que ficará igualmente instalado no Pavilhão de Portugal. A biblioteca será um espaço de estudo e de trabalho, a funcionar 24 horas por dia e que acolherá uma programação cultural, em articulação com a Reitoria da Universidade de Lisboa e do Centro Interpretativo, sob a gestão da Junta de Freguesia do Parque das Nações.
Chegou o mês dos arraiais e marchas populares e das celebrações em torno do mais amado santo dos lisboetas, Santo António. Como não poderia deixar de ser, Lisboa está em festa e, num misto de tradição e contemporaneidade, a Câmara Municipal de Lisboa e a Lisboa Cultura/EGEAC prepararam uma programação que aposta na diversidade para chegar a todos os públicos.
Este ano, os grandes momentos estão reservados para o Castelo de São Jorge e para a Praça do Comércio. Na Praça de Armas do monumento há Música no Castelo, um ciclo de concertos de entrada gratuita que tem como protagonistas o jovem pianista Gil Brito (dia 7, às 18h), Rui Massena com o seu novo projeto (no mesmo dia às 19h) e Carminho, acompanhada por André Dias, na guitarra portuguesa, Flávio Cardoso, na viola de fado, Pedro Geraldes, na lap steel guitar e guitarra elétrica, Tiago Maia, no baixo acústico, e João Pimenta Gomes, no mellotron (15 de junho, às 20h30).

Entretanto, tal como no ano passado, o encerramento das Festas de Lisboa faz-se em dose dupla na Praça do Comércio. Primeiro, a 28 de junho, os D.A.M.A. reúnem-se a uma série de convidados, como Ágata, Bandidos do Cante, Beatriz Felício & Buba Espinho e Los Romeros, para uma fusão entre a pop e a música tradicional portuguesa; na noite seguinte, o palco é de Bárbara Bandeira que, com a Banda Sinfónica da GNR, revisita os seus principais hits com arranjos orquestrais e outras surpresas. Ambos os espetáculos estão agendados para as 21 horas.
Festivais e diversidade
Durante nove dias, Lisboa recebe o grande evento europeu que celebra a igualdade e os Direitos Humanos. Sob o tema “Proudly Yourselves”, o Europride 2025 conta com um programa diverso e inclusivo que terá uma conferência sobre direitos humanos, exposições, workshops, palestras, atividades desportivas, concertos e performances e a Marcha pelos direitos LGBTI+ que está agendada para dia 21 entre o Saldanha e a Praça do Comércio.

No âmbito da presença da capital portuguesa na Expo de Osaka, a cidade japonesa vem a Lisboa com uma programação especial que inclui exposições, oficinas e cinema. Em destaque, a mostra Osaka – 55 anos depois, desenhar o futuro, que leva ao MUDE – Museu do Design (até final do mês) o projeto desenhado por Frederico George e algumas peças projetadas para o interior do pavilhão português na Exposição Universal de Osaka em 1970; e um ciclo de longas e curtas-metragens japonesas, no Cinema São Jorge (entre 5 e 7 de junho), onde não faltarão o incontornável Viagem a Tóquio, de Yasujiro Ozu, ou o espetacular Os Sete Samurais, de Akira Kurosawa.
Antes, a 31 de maio e 1 de junho, também no Cinema São Jorge, e nos teatros e na rua do vizinho Parque Mayer, há Around Classic, um festival que, diz a organização, “promete reinventar o modo como se vive e sente a música clássica”. Ainda no âmbito dos festivais, a não perder os Recitais de Jazz dos estudantes finalistas da escola do Hot Clube de Portugal, no Teatro da Comuna, de 12 a 15 de junho.
Santo António, Feira do Livro e ciências
Este ano, as Festas marcam presença na Feira do Livro de Lisboa (de 4 a 22 de junho, no Parque Eduardo VII) através de uma programação especial no espaço municipal, o auditório Lisboa Cultura, onde vão decorrer conversas, oficinas e apresentações de livros. A história da cidade, personalidades como Pessoa, Bordalo e Santo António dão o mote para esta programação concebida em colaboração com a Rede de Bibliotecas de Lisboa.

Por falar em Santo António, não podemos deixar passar em claro mais uma edição da Trezena de Santo António que, durante 13 dias da primeira quinzena de junho, alia a fé à cultura popular no Museu de Lisboa – Santo António, com fados e guitarradas, percursos, oficinas, uma exposição de Tronos de Santo António e um espetáculo de teatro assinado pelo dramaturgo e encenador André Murraças.
Como aprender é também uma festa, a Agenda não poderia deixar de destacar mais uma edição da Noite das Ideias, no Teatro Municipal São Luiz. A 25 de junho, a partir das 18 horas, noite dentro, escritores, poetas, bailarinos, cientistas, jornalistas, músicos, ilustradores e filósofos juntam-se em torno do tema Poder de Agir – Em busca de um novo horizonte de universalidade para pensar e debater o mundo. Há ainda espaço para performances, espetáculos, encontros literários e ateliês.
A programação integral das Festas de Lisboa pode ser encontrada aqui.
Denise Fernandes nasceu em Lisboa e cresceu na Suíça, mas é o país de origem dos pais, Cabo-Verde, que tem inspirado o seu trabalho. A curta Nha Mila, realizada em 2020, sobre o encontro, em Lisboa, entre duas amigas que viveram a infância neste arquipélago vulcânico de África, foi o prenúncio para a primeira longa-metragem: Hanami. Integralmente filmado em Cabo-Verde, o filme acompanha o crescimento de Nana, uma menina que aprende a ficar num local de onde todos querem sair. “É um conto insular, que atravessa partidas e memórias entre Djarfogo, a Ilha do Fogo, em Cabo Verde, e o mundo fora. Filmes como o Hanami precisam de público presente e atento para poderem permanecer em sala. Desejo que o filme encontre o seu público e que quem o veja, o leve consigo por um tempo”, afirma a realizadora.
O filme venceu em Locarno, na secção Cineasti del Presente, os prémios de Melhor Realizador Emergente, Prémio Boccalino de Melhor Argumento e obteve uma Menção Especial do Júri “Primeira Longa-Metragem”. No Festival IndieLisboa, em 2024, arrecadou o Prémio MAX de Melhor Longa-Metragem Nacional. A jovem cineasta realizou ainda Idyllium (2013), Pan sin mermelada (2012) e Una notte (2011). Dia 19 de maio, às 19h, no Cinema City Alvalade há uma conversa após a exibição de Hanami, com a realizadora Denise Fernandes e Marta Lança, fundadora da plataforma Buala.
Le Notti di Cabiria, de Federico Fellini
19 de maio, às 21h30; 23 de maio, às 15h30
Cinemateca Portuguesa
O filme sugerido integra uma carta branca com dez títulos escolhidos por Eduardo Geada, no âmbito do ciclo Eduardo Geada, O Olhar do Desejo, que apresenta uma retrospetiva de toda a obra cinematográfica e uma parte significativa da produção televisiva do cineasta português. “Cabiria é uma personagem maravilhosa, uma força da natureza. Um pouco louca, muito teimosa, absolutamente viva. Procura amor nos lugares mais improváveis e talvez, sem saber, esteja à procura de outra coisa: aprender a gostar de si. Le Notti di Cabiria é um filme que me faz rir e chorar.”
Ciclo Chantal Akerman
A partir de 24 de maio
Cinemateca Portuguesa
A propósito da exposição Travelling, que percorre as várias etapas da carreira da cineasta belga Chantal Akerman (patente no MAC/CCB, até 7 de setembro), a Cinemateca apresenta seis sessões dedicadas a Chantal Akerman. “Este ciclo todo é um presente. Aconselho ver qualquer filme que esteja em exibição. Há um filme no programa que está entre os meus favoritos: News From Home. É uma espécie de carta de afeto (ou de amor) filmada entre Nova Iorque e a voz da mãe da própria Chantal, que permanece na Europa, longe dela. Esse laço epistolar, nesse cenário de ruas e solidão urbana, é qualquer coisa que me toca profundamente, uma conversa entre o mundo exterior e o mundo interior. Todo o ciclo é uma oportunidade de mergulhar na maneira de observar e viver o mundo desta cineasta.”
Entre os vossos dentes, obras de Paula Rego e Adriana Varejão
Até 22 de setembro
CAM – Centro de Arte Moderna da Gulbenkian
“A Paula Rego sempre me pareceu uma espécie de fada. Há qualquer coisa de encantatório no modo como ela pinta, um universo que é ao mesmo tempo feroz, fantástico e profundamente feminino. Fico hipnotizada. Esta exposição junta-a à Adriana Varejão, artista brasileira contemporânea que estou a começar, com muito prazer, a descobrir.”
Qrê Voltá
Novo álbum da Cachupa Psicadélica (lançamento previsto para finais de maio)
“Cachupa Psicadélica é um projeto musical que não se deixa agarrar, atira notas e melodias em todas as direções e, de alguma forma, acerta sempre. A música é hipnótica, experimental, melancólica e groovy. O crioulo cabo-verdiano repousa sobre estas melodias como se tivesse nascido para isso. Qrê Voltá (quero voltar) está para sair e eu espero como se esperasse uma tempestade bonita.”
“P.S: Escrevo estes textos enquanto ouço Amor Cavol, desta banda de piratas, em loop.”
A Expedição Rocambolesca do Professor Mariposa
Simon-Catelin e F. Soutif
O professor Óscar Mariposa e a sua ave palradora partem em busca da borboleta levana misteriosa, ameaçada de extinção. Será que a encontram ao longo das páginas deste livro, em que atravessam rios, lagos e ribeiras, montanhas, grutas e túneis, charnecas e florestas cerradas, e sobem ao cimo de árvores, moinhos e mastros de navios? Uma história em que os leitores também se podem transformar em exploradores (quem descobre a borboleta?) e que chama a atenção para a necessidade de proteger a biodiversidade, falando da importância das borboletas para o equilíbrio do planeta. Lilliput
Três Grandes Perguntas
Philip Ball e Bernardo P. Carvalho
O título completo deste livro é (Toda) A Ciência em três grandes perguntas e fala disso mesmo com um à-vontade e uma aparente simplicidade, capazes (acreditamos) de conquistar os jovens a quem é dirigido. Numa edição com mais de 200 páginas, mostra-se como “a Ciência existe para nos ajudar a fazer mais e melhores perguntas” e não para nos dar todas as respostas, como habitualmente se espera. Sigamos os personagens que nos guiam por toda a informação aqui contida e defendamos a importância de confiar num cientista. Planeta Tangerina
O Tempo Corre Como Um Rio
Emma Carlisle
Tem bonitas ilustrações da natureza e dos animais que nela vivem, este livro que fala sobre o passar do tempo e as mudanças que ocorrem ao longos dos anos (até em nós). Um desafio à observação atenta de tudo o que existe ao redor, que, muitas vezes, muda sem nos apercebermos disso. É também um convite para nos sentarmos na margem de um rio e percebermos como são “comunidades efervescentes” onde podemos fazer descobertas incríveis – sem pressas, de olhos bem abertos. No final, há ainda sugestões de atividades para fazer ao ar livre, aproveitando cada momento. Fábula
As Aventuras do Dinis – o mini-biólogo
Dinis Rocha
Foi nas redes sociais que Dinis Rocha se deu a conhecer como o “mini-biólogo”, em vídeos em que nos dava a conhecer a sua paixão por animais. Agora, aos 12 anos, edita este livro em que escreve sobre “51 animais incríveis para descobrires”, que bem conhece, mas também dos 50 animais que gostava um dia de encontrar ou até dos animais que tem em casa. No tom solto a que já nos habituou, fala sobre segurança, dá dicas para quem quer ser explorador, defende a importância da defesa do ecossistema, conta os seus maiores sustos e também as piores mordidelas que já recebeu… Um livro cheio de boa disposição e com muitas curiosidades e informações interessantes – porque a Ciência não é só assunto de adultos e interessa mesmo a muitas crianças. Planeta Júnior

Terráqueos – os segredos da Terra revelados por extraterrestres
Ewa Solarz e Robert Czajka
Eis um “relatório” com tudo aquilo que os extraterrestres descobriram sobre nós e o nosso planeta. De forma divertida, quer no tom do texto, quer nas ilustrações, compilam-se nestas páginas muitas informações e dados, tão variados como a água e os animais, a anatomia e o modo de funcionamento do corpo humano e dos seus órgãos, os géneros e os relacionamentos, o tamanho e o peso dos seres humanos, os seus hábitos e até as suas fés e as suas incapacidades. Em letras pequenas, mesmo no final, vem um aviso discreto: “Hipótese estimada de sobrevivência da espécie Homo Sapiens – 50%”… Lilliput
O Clube dos Cientistas: Contrarrelógio
Maria Francisca Macedo
Há uma nova aventura dos irmãos Chico, Carlos e Catarina, em mais um volume da coleção O Clube dos Cientistas. Em contrarrelógio para entregar o trabalho final de Ciências, que não está a correr bem, veem-se a braços com uma explosão na estufa improvisada do diretor de turma. Um mistério para descobrir, num livro que alia o prazer da leitura ao gosto pela ciência. No final, existe um caderno de experiências para explorar e um “faz tu mesmo” para a criação de uma horta hidropónica. Booksmile
Doce Gotinha: Uma grande viagem
Inês de Barros Baptista e Alberto Faria
Começou por ser um disco e um espetáculo musical e transformou-se depois num livro, esta história de uma gota de água, que nasce e se estreia a chover, seguindo pelo mundo em aventuras até voltar à nuvem de onde saiu. Um projeto que procura despertar os mais novos para a importância da água enquanto recurso natural e a necessidade da preservação dos ecossistemas. O livro – com texto de Inês de Barros Baptista, adaptado de uma história original de Isaque de Andrade, e ilustrações de Alberto Faria – inclui um QRCode para se poder ouvir as músicas em streaming (a autoria destas é de Emanuel de Andrade e a narração é de Catarina Furtado e José Pedro Gil). Livros Horizonte
Aprender com Ciência: O Ciclo da Água
Aprender com Ciência: O Ciclo das Rochas
Catarina Pinheiro e Sara Paz
São os dois primeiros volumes de uma nova coleção dedicada à Ciência e dirigida às crianças que frequentam o 1.º e o 2.º ciclos. Em cada um deles, uma história ficcionada sobre o tema e, nas páginas seguintes, desafios, atividades práticas e propostas de exploração. De forma divertida e com a ajuda de muitas ilustrações, a informação pedagógica é transmitida nos textos da professora Catarina Pinheiro. A descoberta do mundo natural, pela mão de Gota de Água e de Grão de Areia, prontos a espicaçar a curiosidade dos leitores e a ajudarem-nos a ter metodologias de trabalho científico. Fábula
A Magia dos Oceanos
Gabby Dawnay e Mona K
Em cinco minutos, lê-se uma destas nove histórias em rima passadas no fundo dos oceanos. No final de cada uma, há informações sobre todos os animais e organismos que nadam por estas páginas: o Peixe-Palhaço, o Tubarão-Branco, a Baleia-de-Bossa, as Medusas, a Enguia Mágica, o Polvo, o Pinguim, o Cavalo-Marinho e a Tartaruga Marinha. Para explorar com curiosidade e descobrir a vida que fervilha dentro de água. Lilliput
Ganhou visibilidade nas Golden Slumbers (projeto que tem a meias com a irmã, Margarida, desde 2014), e tem colaborado com artistas como JP Simões, Marinho ou Samuel Úria. Em 2018, estreou-se nos discos a solo com One e, dois anos depois, lançou o EP Room for all. Em maio de 2024, Monday regressou aos álbuns com Underwater, feels like eternity. Um ano após esse lançamento, Cat (como é tratada no meio artístico) inicia uma digressão por salas intimistas. Em Lisboa, apresenta-se na Sala LISA, o cenário perfeito para mostrar, ao vivo, as suas canções melancólicas, que navegam por sonoridades entre a pop e a folk. As letras de Underwater, feels like eternity refletem sobre autoconhecimento, aprendizagem e alguma nostalgia. Um trabalho “profundamente íntimo, construído ao longo de quase dois anos e algumas lágrimas”.
Wolf Manhattan
16 de maio, às 21h30
Galeria Zé dos Bois
Monday sugere o espetáculo que Wolf Manhattan leva à ZDB no dia 16. Wolf Manhattan é uma criação de João Vieira (conhecido por projetos como White Haus ou X-Wife), uma persona folk-punk-garage que o compositor e produtor portuense criou durante a pandemia. Trata-se de um personagem que se desdobra em múltiplas facetas, tendo o primeiro disco, homónimo, saído em 2022, num formato que incluía também um livro e um jogo de tabuleiro. O segundo álbum, Real Life Is Overrated, foi editado o ano passado e é agora apresentado ao vivo num concerto que conta com a participação da própria Monday, que também colabora no disco, na canção Smoke Machine. “Escolhi este concerto porque gosto muito da música de Wolf Manhattan e porque vou participar [risos]”.
On Earth We’re Briefly Gorgeous
Livro de Ocean Vuong
“Recomendo muito o último livro que li, On Earth We’re Briefly Gorgeous, do escritor e poeta americano e vietnamita Ocean Vuong”. Autor da coletânea de poesia Night Sky with Exit Wounds, que recebeu vários prémios, Ocean Vuong publica regularmente em jornais e revistas como The Atlantic, Harper’s, The New Yorker ou The New York Times. Com edição portuguesa da Relógio d’Água, o livro recomendado por Monday foi publicado no nosso país com o título Na Terra Somos Brevemente Magníficos. Trata-se de uma carta de um filho à mãe que não sabe ler, e evoca o passado de uma família cuja história tem como epicentro o Vietname. “Este é o primeiro romance de Ocean Vuong, e é mesmo bonito, arrebatou-me”.
Entre os vossos dentes, obras de Paula Rego e Adriana Varejão
Até 22 de setembro
CAM – Centro de Arte Moderna da Gulbenkian
A última escolha recai sobre a exposição Entre os vossos dentes, que reúne obras de Paula Rego (Lisboa, 1935 – Londres, 2022) e Adriana Varejão (Rio de Janeiro, 1964), duas artistas de diferentes gerações (e continentes). A mostra inclui 80 obras de ambas, dispostas em 13 salas temáticas cenografadas por Daniela Thomas. “Escolhi esta exposição porque gosto muito do trabalho da Paula Rego. Quando era miúda, a pintura dela fazia-me impressão de um modo visceral, mas, à medida que fui crescendo, passei a identificar-me com as mensagens que ela passa de forma tão agressiva. Estou com muita curiosidade em visitar esta exposição”.
Pedro é quem começa. A poucos metros dela, a partir de uma aresta do quadrado suspenso do chão que compõe a cena, anuncia-lhe que acabou, que não se pode continuar “a adiar eternamente” a decisão de acabar. Gradualmente, o discurso vai-se tornando mais violento, “assassino”, como descreveria o encenador Nuno Gonçalo Rodrigues, que de Final do Amor diz ser, precisamente, “uma peça fria e assassina”.
O texto de Pascal Rambert chegou-lhe por vontade da atriz Inês Pereira. “E ainda bem que assim foi. Sinto um enorme alívio por ter sido ela a sugerir fazê-lo e não eu!”, confessa, apontando o estado de devastação emocional em que tanto a atriz como o seu par, Pedro Caeiro, terminam cada ensaio e, adivinha-se, cada récita.
É que, depois de ele estraçalhar sem contemplações a memória desse amor que já não existe, Inês responde. E não é meiga, longe disso, sobretudo a partir do momento em que vai à mais profunda fealdade de uma tríade de palavras “feias” para lhe anunciar que elas são como que o “retrato de ti no meu coração”. Aqui, “já estamos numa montanha-russa, os atores estão emocionalmente despidos, expostos perante a plateia e, devido ao dispositivo cénico [o tal quadrado suspenso] não têm onde se agarrar. É devastador”.
Chega então o momento de perguntar se haverá razão a assistir cada um deles? E quem ganha esta espécie de duelo derradeiro no “final do amor”? “Durante quase uma hora temos uma pessoa a dizer atrocidades na direção de outra sem que esta tenha algo que a proteja, nem sequer uma parede para se encostar ou uma cadeira para repousar o braço. Depois, isso volta a suceder, mas do outro lado. Portanto, e pelo que vamos percebendo por quem tem vindo a assistir a ensaios, parece ser uma impossibilidade tomar partido por um ou por outro.”
Embora exista essa “impossibilidade de nos posicionarmos, ora porque achamos que ele tem razão e ela está mal, como tão depressa percebemos que ele está a ser bruto e que ela é uma vítima”, Inês e Pedro são personagens onde se reconhece aquilo que o encenador define como “demasiada humanidade”. Perante o desnecessário e a brutalidade, eles são, como tantos outros, um casal em guerra, e como ele lhe lembra, deixando bem claro do que se trata quando o amor dá lugar ao ódio, “a guerra não é uma coisa engraçada”.
Do dramaturgo que escreve para os ‘seus’ atores
Final do Amor (Clôture de l’amour, no original), estreada com grande furor no Festival de Avignon em 2011, foi, à semelhança de quase todas as peças de Pascal Rambert, especificamente escrita para os atores, no caso, Stanislas Nordey e Audrey Bonnet. A relação do dramaturgo e encenador francês com os “seus” atores passa por uma escrita para intérpretes específicos, estando, entre muitos, as notabilizadas Emmanuelle Béart e Marina Hands ou os atores portugueses Beatriz Batarda e Rui Mendes, que protagonizaram, em 2018, Teatro, espetáculo encenado por Rambert no Teatro Nacional D. Maria II.
O texto, que os Artistas Unidos levam agora à cena, foi o que consagrou internacionalmente Rambert, tendo sido encenado em mais de uma dezena de países, dos Estados Unidos à China. Em Portugal, podemos conhecer duas versões: a de Victor de Oliveira, traduzida e interpretada pelo próprio e Gracinda Nave, em 2016; e a de Ivica Buljan, com Pia Zemljič e Marko Mandić, no Festival de Almada em 2018.
A tradução de Victor de Oliveira (publicada nos Livrinhos de Teatro) é, precisamente, a que serve a atual versão. “Procurando manter o mais possível a tradução, fiz sobre ela uma versão cénica que traduz muito da forma obsessiva com que me envolvi neste trabalho”, conta Nuno Gonçalo Rodrigues. “O objetivo foi, sobretudo, manter uma certa ambiguidade, muito presente na versão original em francês, e que em português nem sempre é possível. Acho que o espetáculo precisava disso, mais a mais, sabendo que o texto foi escrito para atores específicos e a Inês e o Pedro o estão a receber com essa desvantagem.”
Deste modo, o encenador sublinha “o intenso trabalho de adaptar ao corpo e à voz de quem agora diz aquelas palavras a tradução do Victor, pensando que tal como a peça original foi escrita para determinados atores, também a tradução foi feita para ser dita, no caso, pelo próprio Victor e pela Gracinda”.
Outro aspeto a que Nuno Gonçalo Rodrigues deu especial atenção foi à dualidade sempre presente no texto deste resvalar de “uma certa poesia, de um registo mais erudito e intelectual, para a maior banalidade, para o corriqueiro e para múltiplos estrangeirismos”. Um dos exemplos que aponta com especial graça é a evocação do mito de Orfeu e Eurídice surgir “de repente, entre um welcome, welcome ao meu mundo“.
Servido por dois atores “absolutamente incansáveis”, que fazem do texto autenticamente seu, Final do Amor prepara-se para arrebatar plateias a partir de dia 9, no Teatro Meridional, mantendo-se em cena até 25 de maio.
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