Foi em 2019 que Filipe Raposo deu início a um projeto a que chamou Trilogia das Cores. Neste “ensaio sonoro e visual”, em que começou por se debruçar sobre o vermelho, em Øcre vol. 1, e depois sobre o preto, com Øbsidiana vol. 2, chega agora a vez da terceira cor com o lançamento de Variações do Brancø vol.3. Nesta quinta-feira, 19, às 20 horas, o pianista toca as composições deste novo disco no pequeno auditório do Centro Cultural de Belém, mostrando-nos a música que criou inspirado numa tonalidade “que simboliza o renascimento, a Primavera, o sul através da cal, e é uma cor também presente nas grandes planícies gélidas, ou nos grandes desertos de areia. É a cor da resiliência e até, em algumas culturas orientais, a cor do luto”, escreve.

A Trilogia das Cores parte de uma reflexão artística sobre a influência da cor ao longo da História, mas também no meu percurso enquanto músico: vermelho, preto e branco, as três cores de Orfeu. Partindo de uma lista simbólica, como o branco-cal, o branco-pão, o branco-gelo, o branco-linho, o branco-luz, ou a noite branca, a cor vai-se desdobrando em múltiplas e renovadas colheitas. Neste ensaio sonoro, qual rio lento que se afeiçoa à paisagem por onde flui, a cor vai sugerindo e moldando o processo composicional e dramatúrgico.” Cada um dos discos é acompanhado por um livro que associa as músicas a imagens, textos e citações – mas nada como o ouvir ao vivo, dizemos nós… ao vivo e a cores, claro.

Eis as suas sugestões culturais para o resto da semana.

Zéfiro, de José Álvaro Morais

O Pão, de Manoel de Oliveira, e Zéfiro, de José Álvaro Morais

16 junho, 19h30
Cinemateca Portuguesa

Uma sessão dupla na Cinemateca, que acontece a propósito do lançamento de Variações do Brancø vol.3. “Dois filmes que considero essenciais para perceber o cinema português: Zéfiro é uma carta de amor ao grande sul, mostra a posição geográfica lisboeta, única e particular, que combina a natureza mediterrânica, com a costa atlântica, e O Pão é uma breve história do pão (português), num documentário carregado de beleza e poética”, considera Filipe Raposo, que estará presente na projeção. Rodada em 1963, a curta de Manoel de Oliveira antecede o filme de José Álvaro Morais, estreado em 1993, e que tem como protagonistas José Meireles, Paulo Pires e Inês de Medeiros.

Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário

Até 2 novembro
Museu Nacional de Etnologia

Filipe Raposo começa por recordar os versos de José Mário Branco, em Canto dos Torna Viagem, para falar desta exposição: “Tentemos então ver a coisa ao contrário / Do ponto de vista de quem não chegou (…) Os navegadores chegaram cá a casa / E foi tudo novo p’ra eles e p’ra mim / A cruz e a espada e os olhos em brasa / Porque me trataste assim?” O pianista explica porquê: “Há uns anos, quando visitei o Museu Afro Brasileiro em São Paulo, percebi pela primeira vez o quão enviesada era a minha perceção histórica do colonialismo. A história dos outros estava ausente nos manuais escolares, e quem a contaria? Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades é precisamente sobre o lugar dos outros, dos colonizados, dos povos que foram sujeitos à cruz e à espada.”

Algarve Mediterrânico. Tradição, produtos e cozinhas, de Bertílio Gomes, Maria Manuel Valagão e Vasco Célio

Tinta-da-china

“A descrição de Fernand Braudel, em O Mediterrâneo, é uma das mais belas sínteses do território mediterrânico, onde Portugal é parte integrante: ‘O Mediterrâneo corre assim da primeira oliveira avistada quando se vem do Norte aos primeiros palmares compactos que surgem com o deserto. (…) Oliveiras e palmeiras formam aí uma guarda de honra’”, lembra o pianista. “O Algarve é um território único, no Al Andaluz era chamado de Gharb – O Ocidente”, continua Filipe Raposo, falando deste livro sobre a culinária algarvia, que junta nas suas páginas a recolha de memórias e costumes feita por Maria Manuel Valagão, as fotografias de Vasco Célio e os saberes e sabores do chefe Bertílio Gomes na cozinha contemporânea. “Terra do sol, do sal, do vinho, do azeite, do pão e do peixe, o Algarve preserva tradições mediterrânicas que devemos não só valorizar, como também fixar”, lê-se na apresentação desta edição da Tinta-da-china.

Nasceu numa família com uma forte tradição musical. Como teria sido a sua vida sem essa influência?

Essa influência acabou por acelerar a descoberta dos talentos musicais na família. O ambiente foi propício a isso, mas posso dizer que seria a mesma coisa… mais cedo ou mais tarde, acabaria por acontecer, com o gosto que tenho pela música. Não consigo imaginar-me sem uma família como a minha, sempre a estimular-me: os meus irmãos mais velhos, os meus pais, os meus tios… O estímulo veio de músicos para músicos e isso acabou por ter uma grande influência e estimular-nos ainda mais.

Fundou, em 1977, com os seus irmãos, o Grupo de Cantadores de Redondo, que se dedica a perpetuar a tradição do cante alentejano. Como definiria o cante alentejano?

O cante alentejano é um cante de convívio, de solidariedade. Revela tudo aquilo que o alentejano é. Fala de tudo o que é mais importante na vida e mostra o caráter e a maneira de ser do alentejano: generoso, ingénuo, contemplativo, solidário. E o cante é isso mesmo.

Acompanhou Zeca Afonso pelos palcos. Qual foi a coisa mais importante que aprendeu com ele?

A estar em palco sem aquele autoritarismo que muitas vezes acaba por atingir os cantores. Procuro fundir-me com o público cantando, mas sem sair do palco.

Chegou a compor para peças de teatro e a participar enquanto ator. Não ficou com esse bichinho?

Não fiquei porque o da música é mais forte. Mas foi uma bela experiência com a Maria do Céu Guerra e outros atores que conheci. Foi uma experiência que me enriqueceu muito.

No ano passado lançou Pássaro Azul, um disco que inclui textos de autores como Natália Correia, Manuel Alegre ou Hélia Correia. Como foi feita esta escolha de textos?

São temas de outros discos, que fui buscar lá atrás, não são inéditos. Resolvi revisitá-los fazendo-me acompanhar de grandes cantores que só vieram enriquecer-me e dar-me uma experiência nova. Ganhei mais amigos e ganhei outra vez os temas que estavam esquecidos. Foi uma forma de ressurgir porque estive desativado durante algum tempo, devido a problemas pessoais que me afetaram e que me tiraram a energia.

“O que se está a passar [na Palestina] é uma limpeza étnica, um genocídio”.

Chamou ao disco Pássaro Azul. Porquê?

O nome está relacionado com dois livros que li há muito tempo e cujo final culmina num naufrágio. Também num naufrágio andei eu durante o tempo em que estive afastado da música. O náufrago vem arrastado pelas ondas, é levado para a areia e fica de braços abertos. Morto ou vivo, não se sabe. Entretanto, pousa-lhe um pássaro azul em cima. E esse pássaro azul é a alma, a vida. Tal como eu, que estou aqui outra vez.

O disco conta com muitas participações: Ana Bacalhau, Camané, Filipa Pais, Fogo Fogo, José Cid, Lúcia Moniz, Maria João, Marisa Liz, Rão Kyao, Vitorino. Porquê estes nomes?

Sabia quem queria ter a cantar comigo naquelas canções específicas, conhecendo a versatilidade e a qualidade dos cantores. Por outro lado, quis ter a experiência de cantar com cantores que admiro, de quem gosto, foi um grande prazer tê-los comigo. Se alguns ainda não eram meus amigos passaram a ser, se outros já eram passaram a ser ainda mais. Foi ganhar amigos, ganhar experiência e fazer coisas diferentes neste meu percurso.

Os Fogo Fogo participam no tema Palestina. Que emoção quis passar com esta canção?

O sofrimento do povo palestiniano e esta teimosia do Netanyahu em chaciná-lo. O que se está a passar é uma limpeza étnica, um genocídio. Esse tema foi composto nos anos 80. Tenho vindo sempre a acompanhar o percurso dos palestinianos, tenho estado sempre atento.

Os músicos têm o dever de chamar a atenção para estes temas?

Enquanto cidadãos têm o poder de o fazer.

Ao longo da sua carreira, têm sido muitas as colaborações que tem feito. É sempre especial cantar com o seu irmão Vitorino?

É sempre, porque cantamos os dois bem e gostamos de nos ouvir. Gostamos do que fazemos e do que o outro faz. Sempre que há oportunidade, cantamos juntos.

No dia 20 apresenta este disco no Teatro Armando Cortez. Como vai ser este concerto?

Levo comigo os músicos que atualmente me acompanham: Mário Delgado, Miguel Amaro, Carlos Miguel e Ruben Alves. São excelentes músicos, excelentes amigos. Além disso, existe entre nós uma cumplicidade muito grande.

Já está a pensar no próximo disco?

Já tenho temas para o próximo disco, ainda não sei exatamente como vai ser, mas têm vindo a surgir ideias.

Aos 31 anos, Miguel Mateus usa o gerúndio para se definir. “Entre ator, encenador, programador, fui estando e fui-me entusiasmando. Não consigo estar num único sítio, se bem que ator é o que me vai dando mais prazer de ser.” Fundou a companhia de teatro Casa Cheia, é codiretor artístico do espaço com o mesmo nome e tem trabalhado, sobretudo, em televisão e cinema (vimo-lo em Doce, Bem Bom, Soares é Fixe). Diz que escrever e encenar é como programar: “Tenho uma ideia e chamo artistas para a completarem”.

Casa Cheia – um lugar aberto aos outros

Neste final de manhã não se passa muito no início da Rua Lopes, aquela que liga o Alto do Varejão à Parada do Alto de São João. Já atrás da porta do número 3, onde fica a Casa Cheia – Espaço de Pesquisa Artística, há muito a acontecer. De um lado, chegam os sons soltos de um ensaio que decorre na blackbox; do outro, ouvem-se os acordes que se experimentam no estúdio de música. As salas alugam-se, por preços acessíveis, e é ali também que se vai realizando a programação desenhada por Miguel Mateus. “Fundámos a Casa Cheia em 2015, como companhia de teatro, e foi esse o nosso trabalho até virmos para a Penha de França. Em 2022 inaugurámos este espaço, mas penso que estava já na génese do projeto ter um lugar que pudéssemos abrir aos outros, com espaço de trabalho e com programação”, diz o ator e encenador.

Depois de dois anos de uma agenda intensa, com espetáculos de teatro, performances, concertos e conversas, a Casa Cheia tem feito um esforço para desacelerar e focar-se. “A nossa ideia é ser um lugar de ignição para novos trabalhos, um ponto de partida para outros lugares. E, quem sabe, criar uma rede que permita rotas de apresentação e circulação de trabalho”, conta.

Com descontos nos bilhetes para residentes e open calls para artistas da freguesia, a Casa Cheia procura dar voz ao que se passa à sua volta. “Na Penha de França vivem muitas pessoas ligadas à arte e à cultura, mas há pouca oferta cultural. E por sabermos que aqui existe uma grande comunidade artística, queremos mostrá-la. Conseguiríamos fazer uma programação o ano inteiro só com os artistas da Penha de França e seria belíssima. Se todos aceitassem, talvez fosse a melhor programação de Lisboa!”, garante. “Tenho o sonho de que a Penha de França se torne o grande lugar de arte em Lisboa.”

Os locais da Penha de França

Espaço da Penha

Travessa do Calado, 26B / 213 428 985 / 213 431 646

Depois de cinco anos de coabitação na LX Factory, desde 2014 que O Rumo do Fumo e o Forum Dança dividem uma antiga garagem na Penha de França. Com estúdios, escritórios, uma sala de formação e um centro de documentação, acolhem também outras estruturas. O Forum Dança, por ter uma missão formativa e pedagógica, organiza várias atividades abertas ao público. “Que todas as garagens ao abandono fossem recuperadas e usadas assim!”, aponta Miguel Mateus.

Workshop de criação e exploração sonora, com Rodrigo Martins, 21 de junho
Ver programação e oferta educativa em forumdanca.pt

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Penha Sco Arte Cooperativa

Rua Neves Ferreira, 10B / 912 872 999

Numa antiga fábrica têxtil, existem agora ateliês de criação, uma blackbox e uma galeria. A Penha Sco (ler “penhasco”) tornou-se um lugar multidisciplinar, com uma programação intensa de muitas artes e uma relação próxima com a comunidade. “São nossos vizinhos e é um espaço muito parecido com o nosso. As pessoas que o frequentam são as mesmas que vêm aqui”, nota Miguel Mateus, que já chegou a usar as salas de ensaio que ali existem.

Encontro de edição da Wikipédia, 17 de junho
Encontro PechaKucha, 28 de junho, das 18h30 às 22h

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Ateliers da Penha

Alto do Varejão, 10A / 963 144 355

Dinamizado pelo coletivo de arquitetura e arte Warehouse, é um espaço de cowork, com residentes e diferentes modalidades de trabalho, juntando ateliês e oficina de produção. “Há vários artistas a trabalhar ali e o coletivo Warehouse, que conheço melhor, faz um trabalho muito interessante no espaço público, de reflexão e intervenção. Além disso, às vezes, também acolhem encontros e eventos, sobretudo na área da arquitetura e do design.”

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Mono Lisboa

Rua Feio Terenas, 31A / 913 174 690

Gerido por artistas, este lugar é como uma tela em branco, pronta a receber diferentes expressões artísticas. Lá dentro, apresentam-se exposições e performances, disponibilizam-se estúdios de trabalho para artistas e mantém-se um programa internacional de residências. “Um belo espaço ao pé de Sapadores, quase no limite da Penha de França. Está mais ligado à performance e às artes plásticas, mas estive lá recentemente a ver um espetáculo de teatro.”

Exposição Rinkeli-Ränkeli, inauguração a 19 de junho

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Clube Lusitano da Penha de França

Rua Padre Sena de Freitas, 22A

“É uma associação cultural e recreativa fundada em 1953, mas que tem agora novos corpos dirigentes, malta nova que lhe trouxe uma nova vida. Tem uma forte programação cultural, desde há cerca de três anos, muito ligada ao jazz, mas também à dança e, claro, aos jogos de futebol”, diz Miguel Mateus sobre esta coletividade que tem organizado concertos, rodas de samba e de cumbia, noites de jogos e de petiscos, tardes de chá e até jantares pop-up.

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O Limbo

Rua Morais Soares, 7A / 936 622 987

“Um espaço mítico na Penha de França”. É assim que Miguel Mateus descreve o restaurante do ator Miguel Melo, mesmo em frente ao muro do Cemitério do Alto de São João. “Além de ter uns belos chefes e cozinheiros, faz um ótimo trabalho cultural e consegue ter uma oferta muito interessante, porque o Miguel chama músicos para tocarem ali, sobretudo de jazz – aliás, a Penha de França está muito ligada ao jazz. Acaba por ser também um ponto de encontro de artistas.”

Concerto Robalo no Limbo: João Pereira a solo e João Carreiro guitarra a solo, 25 de junho, às 22h
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Museu Nacional do Azulejo

Rua Madre Deus, 4 / 218 100 340

O antigo Mosteiro da Madre de Deus, fundado em 1509 pela rainha D. Leonor, mereceria, só por si, uma visita – mas este museu, com uma coleção única de azulejaria, é de visita obrigatória. “Penso que é dos mais visitados em Portugal e é importantíssimo. Fazem um excelente trabalho de curadoria e de divulgação e está sempre cheio de turistas. Acredito que trabalham para trazer mais público português e seria ótimo se isso acontecesse.”

Exposição Uma Cozinha no Museu
Visita Museu e Convento da Madre de Deus

São dois os singles de Rita Cortezão que já se podem ouvir por aí: dia após outro e lisbolha. Ambos fazem parte do álbum tudo, um pouco, que será editado depois do verão. Por enquanto, para se conhecerem mais canções, só ao vivo – e o próximo concerto da cantautora é já a 18 de junho, no Musicbox, onde fará a primeira parte para os Quase Nicolau. Aos 24 anos, Rita confessa que nunca sabe bem o que dizer quando lhe perguntam que tipo de música faz. “Estudei jazz e comecei a ter aulas de voz nesse contexto. Valorizo muito a improvisação e a sensação de navegar através de uma intuição qualquer, emocional. Uso muito essa ferramenta para compor. Gosto muito de escrever e quero que as pessoas ouçam o que estou a dizer e que tenham atenção à minha escolha de palavras, de trocadilhos e de camadas de significados. Foi a palavra que sempre me guiou”, afirma. Jazz, pop, indie, tudo se conjuga nas músicas que escreve, canta e toca, numa experimentação onde entram ainda sons que a rodeiam no dia-a-dia.

O seu primeiro álbum, adianta, há de juntar várias abordagens musicais e várias temáticas. “Algumas canções são tudo, outras canções são só um pouco”, nota, justificando o título que escolheu para este disco em que está a trabalhar há três anos. tudo, um pouco foi gravado no estúdio Louva-a-Deus e será lançado pela Discos Submarinos, editora do músico e produtor Benjamim, que tem estado a colaborar com Rita. “O álbum foi para outro nível que jamais teria conseguido alcançar sozinha. Juntaram-se estes dois mundos: eu, no meu quarto, sozinha a fazer canções, muito insegura, sem saber o que seria daquilo, e depois o Benjamim a puxar um lado meu que eu não sabia que existia: o de acreditar e querer afirmar as minhas canções de forma mais audaz.”

Atualmente a estagiar no CAM – Centro de Arte Moderna, como anfitriã de sala, Rita Cortesão Monteiro (assim se chama fora dos palcos) prepara-se agora para dar o seu quarto concerto a solo na próxima semana e garante que será diferente dos anteriores – até lá, também tem uma agenda bem recheada.

A Comédia de Deus, de João César Monteiro

9 junho, 21h
Cinemateca Portuguesa

Rita Cortezão começa por dizer que a maior parte das suas sugestões são programas que vai mesmo fazer. Logo no primeiro dia da semana, vamos encontrá-la na Cinemateca, para ver, pela primeira vez, um dos filmes mais emblemáticos de João César Monteiro, estreado em 1995. “Ainda só vi dois filmes dele – Vai e Vem e Recordações da Casa Amarela – mas arrisco dizer que, até agora, é o meu realizador português favorito”, afirma. “É muito poético e muito cómico, muitas vezes em simultâneo, o que acho raro. Gosto muito da forma como faz cinema”, elogia. “Gosto muito de assistir a estes filmes importantes na carreira de um realizador no cinema e, em especial, na Cinemateca, que também é provavelmente o meu lugar preferido em Lisboa.”

Musseque, de Fábio (Krayze) Januário

10 e 11 junho, terça às 19h30 e quarta às 22h
TBA – Teatro do Bairro Alto

Nada como conhecer pessoas bem informadas. “Foi um amigo que me recomendou e sou mensageira dessa recomendação, confio nele”, diz Rita Cortezão, que sugere Musseque, “uma performance que explora as raízes do kuduro”. Como se escreve na apresentação do espetáculo, em palco estarão quatro bailarinos que revisitam “as periferias de Luanda que são casa, os discursos que são revolução e os corpos que são resistência, no ritmo alucinante de quem continua para lá da guerra”. Acrescenta a cantautora: “O TBA é um lugar onde acontecem muitas coisas interessantes e pertinentes e que dão visibilidade a muitos artistas de vários lugares do mundo.”

Chantal Akerman. Travelling

Até 7 setembro, das 10h às 18h30
MAC/CCB

Foi também na Cinemateca que, recentemente, Rita Cortezão assistiu a dois filmes do ciclo dedicado à realizadora belga Chantal Akerman. “Gosto muito dela, já tinha visto os outros filmes que apresentaram e diria que é outra das minhas realizadoras favoritas.” Por isso, tem muita vontade de ver a exposição que está no MAC/CCB desde abril. “Já estou para ir há algum tempo. Tenho muita curiosidade, porque percorre a carreira dela do início ao fim e os vários lugares onde esteve.”

Aulas pelo Teatro do Imigrante

A partir de 9 junho
Sociedade Filarmónica Recordação d’Apolo

Fundado por seis brasileiros e um português, o Teatro do Imigrante é uma companhia nascida em Lisboa no ano passado. “Tem o intuito de dar oportunidade a pessoas imigrantes de fazerem teatro aqui em Portugal, mas é para pessoas de todos os lugares. Abriram agora inscrições para aulas de atuação, improviso, corpo, voz e produção criativa, que começam esta semana, e estou a pensar nisso. Ainda não sei, mas sempre tive vontade de experimentar aulas de teatro. Iria ajudar muito a minha persona performativa a estar em palco. Acho interessantes os exercícios que se fazem nas aulas e os desafios que têm se de enfrentar. Ajuda a perder inibições e a ser mais criativo na forma como nos expressamos e comunicamos”, nota Rita, que deixa um desafio: “de qualquer forma, convido as pessoas a conhecerem este projeto”.

Errático, de Rosa Oliveira

Tinta-da-china

É a única sugestão de Rita Cortezão que não faz parte da sua agenda desta semana, mas pode fazer da nossa. Vale a pena ouvi-la: “Foi o último livro que li e li-o ao pequeno-almoço. Gosto muito de ler poesia, mas ainda não tinha arranjado uma forma de a ler que me fizesse sentido. Descobri agora que ler ao pequeno-almoço é perfeito – ler poemas ou contos, outros livros já não funcionam para mim. Sou uma pessoa muito lenta de manhã e gosto muito de tomar o pequeno-almoço, porque é a única refeição em que bebo café – a minha bebida favorita – e gosto de aproveitar esse momento para beber lentamente e ler um poema ou vários, nesse ritmo mais lento, e deixar as coisas serem absorvidas à medida que o dia começa com calma. Gostei muito deste livro, da forma como a Rosa Oliveira escreve e dos temas que explora.”

Será que deus, GOD, é um poodle, DOG? Digamos que, em King Size, esta espécie canina, normalmente efeminada e pouco consentânea com os traços associados a uma masculinidade normativa apresenta-se, entre portais de néon, fumos e hologramas, como tal. Cabe-lhe, nos primeiros minutos da peça, proferir em off (e em inglês) um discurso virulento e crítico sobre o patriarcado e todas as suas emanações violentas inscritas no sistema capitalista.

DOG/GOD é pois incisivo e objetivo quando anuncia um “despertar queer”, capaz de superar os binários de género masculino/ feminino, e apontar à transformação. Eis quando entram em cena quatro performers que, através de um exercício de burlesco, ironia e artifício, ou assumidamente “camp”, para usar o conceito citado pela criadora Sónia Baptista, vão desafiar os códigos de construção da masculinidade.

“Já há muito tempo que pretendia explorar o drag king, até a um nível lúdico”, conta Sónia. Contudo, “a dado momento, percebi que era interessante questionar a performatividade da masculinidade, explorando o modo como o comportamento dito ‘normal’ é encenado e, desse modo, explorar a construção performativa do macho através do drag, do camp.”

Entre a leitura de estudos de género e alguma filosofia queer, a coreógrafa embrenhou-se na cultura pop, percorrendo desde os concursos de Mr. World aos memes que pululam pela Internet. “Como já tinha abordado o tema da masculinidade tóxica em Dykes on Ice [peça de 2024], aqui quis fazer uma coisa diferente. Embora tenha mergulhado nalguma ‘manosfera’ e tropeçado em discursos mais extremados que, pelos nossos dias, vão sendo cada vez mais frequentes, King Size é uma peça que se situa ali num espaço temporal entre os anos 70 e o início dos 90 [do século XX]. Recorri até a antigos anúncios de after shave, e o espaço cénico remete para aquelas igrejas com néon colorido que associamos à Las Vegas desse tempo.”

Para construir quatro “boys” muito machos, a braços com bolas de futebol, alteres e carradas de testosterona transbordando dos slips, Sónia, Crista Alfaiate, Joana Levi e Maria Abrantes frequentaram workshops drag king/queen, onde exploraram da “make up mais construída” ao “lip sync e a todo um código dos shows drag que nenhuma de nós alguma vez havia experimentado”. Através do excesso e até do histrionismo quase sempre muito presente neste tipo de shows, aqui a encenação da masculinidade procura também questionar o que é isto da performance de género no teatro. Mas, como vem sendo característico das criações de Sónia Baptista, fá-lo com humor, “ferramenta de trabalho sempre muito importante para falar de questões difíceis, de questões mais sérias”, como evidencia o já referido discurso de DOG/GOD poodle.

E é, ironia das ironias, para culminar num estado divino de masculinidade que tudo se conclui, com a “poodelização” do quarteto de machos. Ao som dos Europe, e desse hit feito por poddle rockers chamado The Final Countdown que arrasou os tops de vendas de discos há quase 40 anos.

Depois da estreia no Festival DDD, no Porto – muito perturbada pelos efeitos do “apagão”, como confessa Sónia Baptista -, King Size chega agora à Sala Estúdio Valentim de Barros, nos Jardins do Bombarda, permanecendo em cena até 15 de junho. O espetáculo é falado em inglês e português, com legendagem.

Sobre tolerância, imaginação, felicidade, bullying, persistência, esperança e tantos outros temas, são muitos os livros infantojuvenis editados nos últimos meses. Pegue nas crianças e vá em busca destes (e de muitos outros) títulos na Feira do Livro de Lisboa. No Parque Eduardo VII, de 4 a 22 de junho.

APCC

A casa invisível

Francisca Camelo e Carolina Celas

As coisas incríveis são invisíveis: como a casa que nos dá abrigo, o colo que nos dá conforto, as pessoas que nos dão colo. Um livro sobre o amor e as coisas bonitas – mesmo que invisíveis – que existem no mundo.

O quarto

Susana Moreira Marques e Inês Viegas Oliveira

Está cheio de poesia, este livro, que, através do texto e também das ilustrações, nos leva pelo nosso imaginário fora. Uma ode ao prazer da escrita e à liberdade de a exercitar.

ASA

Bobigny 1972

Marie Bardiaux-Vaïente e Carole Maurel

Uma banda desenhada, carregada de emoção, sobre uma história real: a da adolescente francesa Marie-Claire, que, em 1972, fez um aborto e, acusada de crime em tribunal, foi absolvida, dando origem à despenalização da interrupção voluntária da gravidez em França.

Os avós são fofinhos

António Mota e Beatriz Francisco

A que cheiram as casas dos avós? E o que acontece lá dentro? António Mota escreve sobre estes lugares onde os netos são “sempre reis e rainhas, princesas e príncipes”. Um livro cheio de carinho, de amor e de “beijos fofinhos”.

BOOKSMILE

O período é fixe

Cristina Torrón e Anna Salvia

Primeiro título de Menstruita, a coleção espanhola que desmistifica os temas de educação sexual. Com textos e ilustrações, a menstruação explica-se de forma clara, para que seja encarada com naturalidade e confiança, sem tabus, nem vergonha ou medos.

Perguntas e Mais Perguntas!

Philip Bunting

Nada como fazer perguntas e há muitas nestas páginas. Um livro para desinquietar e nos fazer duvidar das certezas – porque mais do que ter as respostas, vale a pena o caminho das dúvidas.

CAMINHO

Um cãozinho entrou na história

Manuela Castro Neves e Maria Remédio

Aqui põe-se o dedo numa ferida frequente nos recreios das escolas: a dos meninos que nunca são escolhidos para as brincadeiras e ficam de fora, sem amigos.

Uma história a sério

David Machado e David Pintor

Um livro divertido de dois Davides sobre o poder da imaginação e sobre como uma história nos pode levar bem longe, mesmo que seja a mais estrambólica de todas e envolva ursos, fantasmas, polícias e ladrões, piratas e naves de extraterrestres.

FÁBULA

Eu (odeio) adoro livros

Mariajo Ilustrajo

Não é fácil, nos dias de hoje, convencer os mais novos a ler. A espanhola Mariajo Ilustrajo escreveu e ilustrou esta história sobre uma menina que, apesar de contrariada, descobre a alegria de se embrenhar num livro.

O dia em que me tornei pior do que um lobo

Amélie Javaux e Annick Manson

Não é um lugar fácil, o recreio de uma escola. É sobre isso este livro, sobre como se pode tornar tão difícil sobreviver nesse meio agreste quando se quer apenas agradar e fazer parte do grupo e como, num ápice, qualquer um pode passar de vítima a agressor ou vice-versa.

KALANDRAKA

Pim, Pam, Pum

Maria Girón

Uma história que é uma espécie de lengalenga cheia de onomatopeias e jogos fonéticos, sobre um grupo de amigos que vai aumentando ao passar das páginas, a caminho da praia. Com simplicidade, fala-se de amizade, de brincadeira e de liberdade.

LILLIPUT

Terráqueos – os segredos da Terra revelados por extraterrestres

Ewa Solarz e Robert Czajka

Eis um “relatório” com tudo aquilo que os extraterrestres descobriram sobre nós e o nosso planeta. De forma divertida, quer no tom do texto, quer nas ilustrações, compilam-se nestas páginas muitas informações e dados sobre os seres humanos.

MINUTOS DE LEITURA

A nossa árvore

Jessica Meserve

Pode uma árvore e todos os seus ramos e folhas ser de um animal só? Neste livro, o esquilo Vermelhito há de descobrir que não. Uma história, delicadamente ilustrada, sobre a capacidade de partilha e de como “a vida é bem melhor quando estamos juntos”.

A fábrica de chocolate do senhor coelho

Elys Dolan

Nesta fábrica, dirigida por um coelho, trabalham arduamente muitas galinhas: comendo chocolate e pondo ovos… de chocolate, pois. Um livro divertido que fala de exploração laboral e, sobretudo, de como tudo corre melhor quando nos ouvimos uns aos outros e nos entendemos.

NUVEM DE LETRAS

O gato, o coelho e outros contos tradicionais

Adélia Carvalho e Anabela Dias

Adélia Carvalho resgata as histórias que ouvimos a pais, avós e tios mais velhos, para as voltar a contar com algumas adaptações para as crianças de hoje. Será quase impossível não nos lembrarmos de, pelo menos, uma delas, mas também é bom descobrir outras mais desconhecidas.

Raio de luz

Kelly Canby

Numa velha e cinzenta cidade começam, pouco a pouco, a desaparecer os tijolos dos muros que a separam das coloridas cidades vizinhas. E, se ao início, ninguém gosta da ideia, há de chegar o dia em que todos percebem como é tão melhor uma vida feita de muitas cores – e de como as pessoas “diferentes, esquisitas, estranhas, excêntricas e desconhecidas” podem trazer boas surpresas.

ORFEU NEGRO

Stop

Ricardo Henriques e Pierre Pratt

Há quanto tempo não vemos um polícia sinaleiro na rua, a orientar o trânsito? O agente Simões é o último exemplar da sua espécie, gesticulando entre carros e peões, salvando situações de vida ou morte ou orientando manifestações e choques ideológicos. O que lhe acontecerá quando for substituído por um semáforo? Um história com muito humor no texto e nas ilustrações.

Pouco a pouco

Amanda Gorman e Christian Robinson

Poeta e ativista, Amanda Gorman tem escrito também livros para crianças. Este – com tradução da também poeta Alice Neto de Sousa –conta-nos como os gestos mais simples podem originar mudança. E de como, começando em cada um de nós, conseguimos, todos juntos, chegar mais longe. Fala de iniciativa e de persistência, de esperança e de comunidade.

PATO LÓGICO

Como criar uma biblioteca

Inês Fonseca Santos e André Letria

Não há retorno, quando se abre um livro. E depois outro e depois mais um. Livro a livro se faz uma biblioteca. Aqui, são muitos os que se acumulam até ocuparem quase as páginas inteiras, numa história contada com frases curtas e ilustrações simples e carregadas de afeto.

PLANETA TANGERINA

Ão ão!

Joana Estrela

Depois de Miau!, Joana Estrela volta à coleção mini micro com Ão ão! com um livro em que as únicas palavras dão conta de sons da história e que nos leva à descoberta da vida no campo na companhia do cão de uma quinta.

Três Grandes Perguntas

Philip Ball e Bernardo P. Carvalho

O título completo do livro é (Toda) A Ciência em três grandes perguntas e fala disso com um à-vontade e uma aparente simplicidade, capazes de conquistar os jovens a quem é dirigido. Sigamos as personagens que nos guiam por toda a informação e defendamos a importância de confiar num cientista.

PORTO EDITORA

Troll

Frances Stickley e Stefano Martinuz

Um troll que vive debaixo de uma ponte e que dali, bem escondido, grita insultos e ameaças a quem passa. Um livro sobre a importância de compreendermos o outro, de sermos empáticos e de como, se formos mais tolerantes com os que nos rodeiam, acabamos também por ser mais gentis connosco próprios.

Napoleão, o camaleão

Filipa Fonseca Silva e Marta Calado

Filipa Fonseca Silva estreia-se na literatura infantojuvenil com uma história de um bicho que sai dos arbustos em busca de uma aventura e, curioso, dos monstros que todos temem. Um livro sobre coragem, mas também sobre a necessidade de se preservar a vida animal.

THE POETS AND DRAGONS SOCIETY

O Urso Papão

Rute Cancela e Sérgio Condeço

Uma história sobre um urso que come tudo, tudo, tudo, pronto a arrancar gargalhadas aos mais novos e a deixá-los colados ao passar das páginas. As ilustrações coloridas acompanham a diversão do texto, que tem um refrão fácil de aprender: “Txica manika! Como é bom encher a barriga!”

Que mosquito tão chato!

José Carlos Róman e Sara Sánchez

Uma lengalenga divertida sobre aquilo que todos conhecemos: o momento em que aparece um mosquito e acaba com o nosso sossego. Pode um inseto tão pequeno desencadear uma verdadeira revolução em casa?

Os ensaios já duram há um mês e meio e Madalena Almeida tem andado mais arredada da vida cultural da cidade. A 14 de junho, estreia, com a sua companhia Urso Pardo, Killer Joe, tradução e encenação de Miguel Graça de um texto do americano Tracy Letts. No palco do Teatro São Luiz, a seu lado, estarão David Esteves, Dinarte Branco, Inês Pereira e Pedro Caeiro, a interpretar a história de uma família disfuncional que vive numa autocaravana no Texas e contrata um assassino profissional, na esperança de resolver todos os seus problemas.

“A peça é brutal, um texto muito duro. É sobre um lugar de pobreza grande, em que muitas pessoas têm muito pouco acesso à educação e à cultura ainda menos. E nesse ambiente acaba por vir à tona a necessidade de sobrevivência”, descreve a atriz, que será Dottie, “a filha mais nova, a mais inocente e que parece a menos estragada por este sistema, também uma das mais sacrificadas, mas que, ao contrário do que todos pensam, sabe desde o início o que se está a passar e também ela vai tentar fazer o melhor negócio para si”.

Diz Madalena: “O mais curioso é que todas as personagens estão a tentar fazer o melhor que podem, sendo todas absolutamente horríveis. São o resultado de uma sociedade que não as soube apoiar e que não as ajuda em nada, são uma consequência disso. O interessante é perceber que as pessoas, levadas ao seu extremo, fazem coisas horríveis, sempre a acharem que vão ter um futuro melhor, mesmo que isso implique destruir os outros”.

Killer Joe fica em cena no São Luiz até 22 de junho. Depois disso, Madalena Almeida estará a filmar a próxima longa-metragem de João Canijo, que talvez se desdobre também numa peça de teatro. “Estou muito entusiasmada, até porque é um filme sobre a encenação de um espetáculo, sobre as relações tóxicas que existem dentro das companhias e a crise de um encenador que sente que está a envelhecer”, revela a atriz.

“Manhattan” de Woody Allen

Manhattan

4 junho, 20h
Perfect Days
5 junho, 20h
Doca da Marinha

“Descobri há pouco tempo o projeto Cine Society, de cinema ao ar livre, que acontece nas Docas da Marinha ou nas Ruínas do Carmo, fui ver o Asteroid City [de Wes Anderson] e adorei”, conta Madalena Almeida. Esta semana, serão dois os filmes projetados: Manhattan, de Woody Allen, e Perfect Days, de Wim Wenders, duas longas que a atriz aconselha, mesmo a quem já as tenha visto. “É um programa mesmo bom de se fazer, quando está bom tempo. Mas se estiver frio, têm mantinhas. Há pipocas, vinho e outras bebidas, as pessoas podem pôr-se à vontade.” Até meados de outubro, são muitos os filmes que por ali passam, por isso, a sugestão prolonga-se pelo verão fora. “A programação junta clássicos e filmes mais recentes, acho que valerá sempre a pena ir, mas diria que é mais giro ver clássicos ao ar livre.”

À Primeira Vista
2 e 4 junho, e até 26 julho

Teatro Maria Matos

Madalena Almeida não poupa adjetivos quando fala da adaptação da peça de Suzie Miller, em cena no Teatro Maria Matos: “O texto é muito forte, a Margarida Vila-Nova está incrível – é uma atriz brilhante, mas aqui faz um trabalho mesmo incrível – e a encenação do Tiago Guedes é maravilhosa”. À Primeira Vista, estreado no ano passado, regressou agora para mais sessões até ao final de julho. “Vão ser poucas récitas semanais, mas penso que, mesmo quando está esgotado, vale a pena ir lá e tentar a sorte, porque há sempre uns bilhetes disponíveis à última hora”, aconselha. “É uma peça do ponto de vista de uma advogada, que se vê encurralada numa situação e se vê no lugar das vítimas que defende ou das vítimas dos agressores que muitas vezes defende. É um conflito enorme e acredito que, nos tempos que correm, se revela mesmo um espetáculo pertinente.”

Jeff Wall – Time Stands Still. Photographs, 1980–2023

Até 1 setembro, quarta a segunda-feira, das 10h às 19h

MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia

É uma das prioridades na sua agenda, esta exposição que ainda não teve tempo de ir ver ao MAAT. “Gosto muito de fotografia e penso que o Jeff Wall se tornou num dos fotógrafos mais importantes da fotografia contemporânea”, diz Madalena. “Conseguiu encontrar um lugar muito próximo do cinema, mas também da pintura. Diz muitas vezes nas entrevistas que demorou bastante tempo até descobrir o lugar em que a sua fotografia se situava, porque, não pretendendo ser pintura, vai lá buscar muitas coisas, e não pretendendo ser cinema, acaba por derivar daí. Gosto muito do ambiente de quotidiano nas fotografias dele. Ainda não consegui ver, mas quero muito.”

Arturo Pérez-Reverte

O Problema Final

“Reivindicar a investigação criminal inteligente perante a moda imposta pelo cinema americano e o romance negro” é a intenção do mais recente romance de Arturo Pérez-Reverte. Em junho de 1960, Hopalong Basil, um refinado ator do cinema clássico famoso por interpretar a figura de Sherlock Holmes (uma homenagem a Basil Rathbone), hospedado num hotel de uma pequena ilha paradisíaca ao largo de Corfu, rodeado de oito hospedes, três empregados e uma proprietária, vê-se temporariamente isolado do mundo, devido ao mau tempo. Quando uma série de crimes se sucedem, decide usar as capacidades dedutivas que adquiriu nas inúmeras leituras da obra de Conan Doyle e nos filmes que protagonizou para desvendar o mistério. O Problema Final é uma obra escrita com o engenho de quem sabe que “o duelo num romance policial não é entre o assassino e o detetive, mas sim entre o autor e o leitor” e que “a verdadeira arte do narrador policial (…) não consiste em contar uma história, mas sim em fazer com que o leitor, enganado ou não, a conte a si mesmo”. É também uma fascinante reflexão sobre a relação entre o real e o imaginário, na qual o protagonista “aplica a ficção para iluminar a realidade”. LAE ASA

Fernanda Melchor

Isto não é Miami

Uma criança observa um objeto brilhante na noite escura e julga tratar-se de um OVNI, porém, é apenas mais uma avioneta com carregamento de cocaína. Um grupo de clandestinos desesperados aportam em Veracruz, pensando tratar-se da almejada Miami. Um jovem estudante destaca-se no curso de Direito, mas não tem influências que lhe possibilitem arranjar um trabalho adequado. Aliciadas pelo dinheiro, uma idosa e a sua neta servem de figurantes num filme, mas não lhes pagam sequer metade do prometido. Todas as personagens deste livro veem os seus sonhos consumidos pela dureza da realidade. Estes 12 textos, que a autora recusa qualificar como ficção (“A única ficção que estou disposta a reconhecer nestes relatos é aquela que permeia toda a construção da linguagem humana, desde a poesia às notas de rodapé: a sua forma, a sua estrutura narrativa”), favorecem o “testemunho”, o “relato dramático e oral”. Histórias profundamente ancoradas na realidade, que “só puderam nascer neste sítio” (Veracruz, local de nascimento da autora), que compõem o relato de uma sociedade confrontada com a violência e a brutalidade do mal: a corrupção, o narcotráfico, o assassínio, a miséria, a desumanização. Que evocam, literalmente, a velha canção do filme de Pedro Infante: La vida no vale nada. LAE Elsinore

 

Victor Correia

História da Homossexualidade em Portugal

O objetivo deste livro inédito de um autor que não é historiador – Victor Correia, é licenciado em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e doutorado em Filosofia Política e Jurídica pela Universidade Sorbonne de Paris – é o de escrever “uma história” da homossexualidade que, por um lado, apresente os temas mais importantes, e por outro, os apresente “não de forma minuciosa, mas sim com aquilo que consideramos ser mais significativo”. Trata-se, ainda assim, de uma obra de grande fôlego que apresenta uma visão temporal e temática muito abrangente, estruturada em duas partes: a abordagem da homossexualidade no nosso país ao longo de oito séculos de história, e por um conjunto de anexos, constituídos por documentos antigos. Alguns desses exemplos testemunham a perseguição e condenação de homossexuais em períodos como a Inquisição e o Estado Novo (“Papelada imunda, que impestava a cidade”: assim se refere Marcelo Caetano às obras de Raúl Leal, de António Botto e da “desavergonhada” Judith Teixeira). Um trabalho relevante que procura “tornar visível o que ficou escondido, ignorado, esquecido, posto de parte na historiografia portuguesa”. LAE Âncora Editora

Chimamanda Ngozi Adichie

Inventário de sonhos

Foram precisos 10 anos para que Chimamanda Ngozi Adichie apresentasse Inventário de sonhos, o seu livro mais introspetivo. O que significa ser humano? É em torno desta questão que o romance se desenrola. Ao longo de quase 600 páginas, a autora dá-nos a conhecer a história de quatro mulheres africanas que partem para os EUA em busca do “sonho americano”. Chiamaka, uma escritora nigeriana que, com as suas permanentes incertezas, sempre ansiou atingir a fama. Zikora, uma advogada de sucesso e melhor amiga da Chiamaka, abandonada pelo namorado quando lhe revela que está grávida. Omelogor, prima de Chia, figura importante no mundo da alta finança na Nigéria, dona de um humor nem sempre compreendido, tem um site chamado Só para homens, onde pede aos homens que lhe enviem os seus problemas e depois lhes dá conselhos. Por fim, Kadiatou, a governanta de Chia que, depois de ultrapassar vários dissabores, como a morte do pai, da irmã e do próprio marido, se vê a braços com uma filha bebé, que educa com perseverança, e envolvida numa complexa e dramática situação que pode colocar em causa tudo o que conquistou até então. Quatro mulheres em busca de um significado para as suas vidas, num livro que aborda o tema da migração, maternidade, desejo e necessidade de ser amado, quando o mundo atravessa uma pandemia. “Será a felicidade alcançável, ou é apenas um estado efémero?” SS Dom Quixote

Alexandra Lucas Coelho

Gaza está em toda a parte

Desde 2002, altura da Segunda Intifada, que Alexandra Lucas Coelho iniciou, enquanto repórter, a cobertura regular da zona do Médio Oriente onde se situa Israel e a Palestina. Neste volume, a jornalista compila, essencialmente, um conjunto extenso de crónicas dadas à estampa após o 7 de outubro de 2023, todas (à exceção de uma) publicadas no jornal Público. Como introdução, republica-se a reportagem Gaza à beira de explodir, publicada na Visão História, em julho de 2017, resultado da última visita de Lucas Coelho à Faixa de Gaza, esse território com “apenas 40 quilómetros por 6 a 10 de largura, com dois milhões de palestinianos lá dentro”, porque, como sublinha a autora, “do título à última linha, parecia a véspera do 7 de outubro”. Para além das crónicas, Gaza está em toda a parte inclui as reportagens feitas entre o final de 2023 e o início de 2024 na Cisjordânia, em Jerusalém Oriental e em Israel, e mais de três centenas de fotografias que Lucas Coelho captou tanto em Gaza, nessa última visita, como no contexto das reportagens pós-7 de outubro. Para além do testemunho histórico, este livro, cujo título vem de um conjunto de textos do filosofo judeu Günther Anders intitulado Hiroxima está em toda a parte, é uma reflexão inquietante sobre esta grande tragédia do nosso tempo. FB Caminho

Hugo Gonçalves

Filho do pai

“O pai que salva também é o pai que condena. Qual deles iria encontrar, mais de quarenta anos passados, os dois últimos sem falar com ele, ao chegar à casa onde cresci?”. Depois de Filho da mãe, Hugo Gonçalves encerra o díptico do luto com Filho do pai. Um relato honesto e sentido sobre a relação entre um pai e um filho, onde o autor nos conduz numa viagem desde a sua infância, marcada pela morte da mãe, passando pela cúmplice adolescência com o irmão e a constituição de uma nova família com o segundo casamento do pai. O relato acompanha a sua idade adulta, altura em que Hugo se prepara para ser pai pela primeira vez e toma consciência de que não será pai e filho ao mesmo tempo. “Uma família é um ser vivo em constante mutação e, quando somos pequenos, não percebemos que os nossos pais, aos quarenta anos, são pessoas distintas do que eram aos trinta. Fui criado por um homem que era muitos homens, e ninguém, como ele, foi tão decisivo na formação da minha personalidade, pela sua presença dominante, pela sua ausência continuada, porque imitei quem ele era, porque recusei quem ele era.” Um livro comovente, mas também desconfortante, que questiona os modelos tradicionais de masculinidade. SS Companhia das Letras

Noam Chomsky

Sobre o Anarquismo

O linguista, filósofo, e ativista político Noam Chomsky aborda, neste seu ensaio, o anarquismo como uma tradição intelectual séria e uma possibilidade real explorando as suas raízes e a sua continua vitalidade como teoria política e socioeconómica. O autor concebe o anarquismo como sinónimo de liberdade e questionamento constante das estruturas de poder, assente na ação coletiva. De Proudhon e Bakunine ao movimento Occupy, um testemunho vivo e em evolução, uma alternativa real, cujo legado analisa. Nathan Schneider, jornalista, autor e professor da Universidade de Colorado Boulder, nos Estados Unidos, escreve no prefácio desta edição: “Noam Chomsky desempenha o papel de embaixador de um tipo de anarquismo de que era suposto termo-nos esquecido – aquele que tem uma história e que a conhece, que já demonstrou que outro mundo é possível. (…) representa um tempo em que os anarquistas eram verdadeiramente temíveis – não por estarem dispostos a atirar uma pedra à montra do Starbucks, mas por terem descoberto como se organizar numa sociedade funcional, igualitária e suficientemente produtiva.” LAE Antígona

J. D. Salinger

Carpinteiros, Levantai Alto a Cumeeira e Seymour: Uma Introdução

Salinger conquistou a fama com a publicação da sua única novela, The Catcher in the Rye, em 1951. O relato da deambulação de Holden Caufield pela cidade de Nova Iorque, escrito numa linguagem coloquial plena de frescura, recorrendo ao calão, tornou-se num marco da literatura do pós-guerra. Estes seus dois contos, menos conhecidos, descrevem acontecimentos importantes na vida dos sete irmãos da família Glass. Ambas as histórias são narradas por Buddy, o segundo mais velho. Carpinteiros, Levantai Alto a Cumeeira relata um incidente ocorrido no dia do casamento de Seymour, no interior de um táxi, entre a madrinha e o seu marido, que revela a forma como as pessoas comuns percecionam a família Glass e a excentricidade do irmão mais velho. Seymour: Uma Introdução é uma pungente oração fúnebre. Evocando a morte de Seymour, lança um olhar melancólico sobre a forma impiedosa como os seres diferentes e inadaptados são tratados numa sociedade rígida e conformista. Estas duas narrativas são publicadas na nova tradução de José Lima. LAE Relógio D’Água

Quando chegamos ao Jardim Zoológico, perto do final da manhã, é abraçada à barriga da mãe que descobrimos a nova cria de coala. Atrás do vidro, em cima de um tronco de árvore, dormem os dois, o pequeno macho de olhos fechados e orelhas para baixo, completamente aninhado naquele colo. Há de explicar Ingrid Evaristo, tratadora dos marsupiais, que os coalas são capazes de descansar quase um dia inteiro (entre 19 a 22 horas!). Por isso, quem quiser vê-los despertos deve planear a visita para perto da uma ou duas da tarde, altura em que é feito o maneio dos animais, limpo o seu espaço e trocadas as folhas de eucalipto que têm para comer.

Façamos, então, as apresentações: Kilupi, que significa “Deus do Eucalipto”, nome que ganhou na votação do público, veio ao mundo a 10 de agosto de 2024, ali no Jardim Zoológico, filho da fêmea Goolara e do macho Gowi. Só em maio, já com 9 meses, se começou a mostrar aos visitantes – porque, como costuma acontecer com os coalas, depois da fecundação e de uma gestação de cerca de 30 dias, nasceu com menos de 20 milímetros e 1 grama de peso. Sem ajuda, migrou instantaneamente para a bolsa marsupial da mãe, procurou um mamilo para se alimentar e foi ali que ficou até começar a fazer alguns movimentos visíveis, ao fim de três ou quatro meses. Aos seis ou sete, deu sinais de querer conhecer o mundo, pondo uma mão, um pé ou a cabeça fora da bolsa. Nessa altura, alimentou-se também de uma papa produzida pela mãe, carregada de bactérias que o prepararam para a toxicidade das folhas de eucalipto.

Hoje, anda nas costas da mãe e quase não procura a bolsa marsupial. Mesmo podendo beber leite materno até aos 12 meses, já se vai satisfazendo com as folhas de eucalipto (são muitas as variedades que o Zoo de Lisboa lhe oferece, todas de origem nacional, para que possa escolher as suas preferidas). “À noite vai saindo do colo da mãe e dá uns pequenos saltos ali à volta, mas sempre próximo dela”, conta Ingrid.

Proteger os coalas

Há dois anos que a tratadora trabalha no Jardim Zoológico de Lisboa, o primeiro na Europa a acolher coalas, há mais de três décadas, e um dos que aposta na conservação desta espécie classificada como vulnerável. Por causa das alterações climáticas e da destruição do seu habitat, o coala foi dado como estando em risco de extinção, uma vez que se alimenta exclusivamente de folhas de eucalipto (é delas que extrai a água que necessita para viver) e existem cada vez menos árvores destas – há que dizer que é também por este ser o seu único alimento que dormem ou descansam tanto, procurando economizar energia. “É uma espécie ameaçada, por isso, sinto como um privilégio este contacto tão íntimo que tenho com eles. A nova geração precisa de perceber a importância de os proteger a eles e ao meio-ambiente”, defende a tratadora.

Kilupi há de ficar por aqui até perto dos dois anos, idade com que atingirá a maturidade sexual e terá de ser separado da mãe. O seu destino será decidido pela rede internacional de jardins zoológicos que acompanha a vida de todos os coalas protegidos e que faz recomendações de transferências entre zoos e de reprodução destes animais, de forma a manter populações saudáveis, com variabilidade genética. Foi assim, aliás, que o macho Gowi veio de França para procriar com a fêmea Goolara, que já aqui vivia. Tirando a fase do acasalamento (previamente estudada e preparada), os dois vivem em zonas separadas no Jardim Zoológico, uma vez que a convivência entre coalas pode tornar-se bastante agressiva.

Por agora, o pequeno macho vai crescendo saudável e já se habituou à interação com os tratadores. “Nem por isso os tratamos como animais domésticos, porque não o são. São animais selvagens e temos de os respeitar como tal e não forçar nada. É preciso sensibilidade para interagir com eles e encarar cada animal como um indivíduo. Revela-se um trabalho minucioso, mas muito gratificante”, afirma Ingrid. Os visitantes ficam do lado de cá do vidro e, mesmo que Kilupi continue indiferente a quem o olha, vale a pena ir dizer-lhe um “olá”.

O 25 de Abril tem sido frequentemente retratado no cinema português, mas nunca em estilo musical. Como surgiu a ideia de usar a música como fio condutor?

Já se fizeram uma série de coisas sobre o 25 de Abril e já foram retratados, digamos assim, os momentos-chave e as personagens-chave. Sentia que ainda ninguém tinha falado, ou encontrado uma ideia para falar sobre a música de intervenção portuguesa e os grandes cantautores que, na minha opinião, continuam a ser os grandes compositores e letristas da música portuguesa do século XX.  Sinto que estes músicos ultrapassam a questão musical ao fazerem uma coisa que a arte, volta e meia, tem de fazer, que é posicionar-se face ao mundo, ao país e à política. Muitas vezes é mais fácil mudar ou educar as pessoas através da arte do que com debates políticos. Queria fazer alguma coisa com os cantautores e com as suas músicas, mas não os queria a cantar no cinema. Gostava que fossem todas as pessoas anónimas, que ainda não foram referidas nas obras que já se fizeram sobre o 25 de Abril, a cantar estas canções.

Depois de tantos filmes com figuras reais, neste não há nenhuma personagem conhecida ou famosa…

Só temos uma pessoa que se pode dizer famosa no filme, a Celeste Queiroz. Mas a Celeste é também uma anónima, uma espécie de arauto de todos os anónimos. Foi intencional, é como se estivesse ali uma representante do povo. Queria perceber como é que estes anónimos viveram o antes, o durante e o depois do 25 de Abril. Fui congeminando esta ideia ao longo dos anos, até que comecei a trabalhar num guião com uma estrutura que é, aparentemente, muito pedagógica. Queria que fosse um filme muito fraternal e igualitário. Quando as pessoas me perguntam quem é que são os atores principais, respondo que são todos. Então quem é que são os secundários? São todos. Somos todos principais e secundários na vida uns dos outros. Neste filme vou a muitos mundos, a muitas visões, a muitas formas de ser, a muitas pessoas anónimas, e é através delas que ouvimos as canções, é dentro das suas vidas que estas canções existem. As canções não surgem como momentos musicais a que estamos habituados a ver no cinema dito musical. As canções vêm de um momento de intimidade de uma personagem.

A Lúcia Moniz e o Fred Ferreira escolheram os temas musicais ou o Vicente já sabia quais incluir no filme?

O guião já estava escrito com as músicas definidas. Confesso que não era um grande conhecedor da música de intervenção portuguesa. Olhei para as discografias dos cantautores e durante semanas ouvi as suas músicas no Youtube. Eram tantas… Gostei de muitas. Percebi que não podia partir das músicas para escrever o guião, porque acabaria por me perder. Então, achei que tinha de fazer o contrário, isto é, decidi primeiro as histórias que queria contar e depois encontrava a música para essas histórias. Era muito importante ter a maior parte dos cantautores portugueses representados e não podia usar mais do que uma canção por artista. O único que tem duas canções é o Zeca Afonso, porque o tema Grândola, Vila Morena, um tema óbvio, surge num contexto à parte. Depois descobri uma coisa muito triste, e qualquer pessoa do mundo da música que leia isto pode rebater imediatamente esta afirmação, porque sou um leigo, mas não encontrei muitas mulheres cantautoras, há intérpretes, mas compositoras não. Mas consigo ter a Ermelinda Duarte, com o Somos Livres.

Mas a Lúcia Moniz e o Fred Ferreira também ajudaram?

A Lúcia acompanhou, essencialmente, as vozes. Também falei com os pais da Lúcia, o Carlos Alberto Moniz e a Maria do Amparo, sobre o projeto. Mas, acima de tudo, queria que eles validassem a minha ideia. Perguntei-lhes se a conjugação das histórias e com aquelas canções fazia sentido. Estava disponível para ouvir as propostas deles, caso não concordassem. O Fred entra como um mágico. Disse-lhe que queria aquelas canções e que gostava que fosse ele a adaptá-las e a trabalhar todo o lado instrumental que o filme necessitasse. Queria que ele desse um cunho pessoal, mais atual. Não é modernizar as canções, até porque tínhamos feito um acordo com os herdeiros e com os autores que definia que tínhamos de respeitar completamente a melodia. Ele dá uma transpiração do tempo de agora.

Não deve ter sido fácil escolher os temas…

Muitas vezes escrevo coisas por ideias que tenho, ou por vontades. Aqui foi por princípios. O princípio de criar um guião em que falo das pessoas que não estão representadas. O princípio de ter todos os atores protagonistas no filme. O princípio de ter o máximo de cantautores possíveis no filme e cada um representado com uma canção. Foram princípios, poder-se-á dizer quase políticos, que construíram o filme. Foi este jogo de consciência política, de princípio político, de fazer um filme que ainda ninguém fez, de dizer coisas que não se dizem normalmente na ficção portuguesa porque se tem medo, e ter estas músicas que raramente estão na ficção.

O elenco do filme é bastante extenso. Como foi o processo de conjugar os temas musicais, as personagens e os atores que as interpretam?

Misteriosamente são 50 personagens. Eram 63, mas como tive de cortar partes, porque o filme estava muito grande, ficaram 50. É uma coincidência feliz porque se comemoram os 50 anos do 25 de Abril. Foi um processo um pouco complexo, porque às vezes não é óbvio que tenha de ser um ator do teatro musical a interpretar os momentos musicais. Havia duas pessoas que para mim eram fundamentais: a Lúcia Moniz, para um determinado momento do filme, e o Diogo Branco, que abre o filme e que é neto do José Mário Branco. Mas também tive de fazer casting e a Lúcia Moniz estava presente para me ajudar. Queria que os momentos musicais fossem entre o cantado e o vivido. Era importante que a voz fosse captada em direto na rodagem, porque não queríamos dobrar em estúdio. Conseguimos que todas as canções do filme fossem cantadas em direto.

Optou por fazer um filme a preto e branco, mas todos os momentos musicais são a cores. Porquê?

Acho que a realidade portuguesa, pré-25 de Abril, era muito a preto e branco. Queria de alguma forma passar esta ideia triste de Portugal e de como os portugueses lidavam com a vida, com o peso da ditadura e com a realidade comezinha. De alguma forma, acho que a cor simboliza alguma coisa e tinha de estar mais perto das canções. A música traz-nos vida, esperança, apaixona-nos, é talvez a arte mais misteriosa de todas porque podemos ouvi-la, não precisamos de a ver ao contrário de quase todas as artes. A cor surge quando as pessoas cantam, como se fosse uma espécie de sol que as ilumina.

O filme revela muitas histórias, vários lados e interesses. Só assim podemos refletir sobre o passado?

Há muitas histórias, mas acho que as toco no sítio onde têm de ser tocadas. A ficção quando retrata o passado tem a tendência de compartimentar os tipos de personagens, por exemplo, o mau é sempre mau. Quando se fala do Portugal amordaçado há uma visão muito simplista de que os pobres são sempre bons e os ricos são todos maus. No filme não misturo realidades, mas sim comportamentos. Há uma complexidade entre o bem e o mal, as personagens têm essa dualidade. Ao escrever o argumento, o que me deu mais gozo foi estar constantemente a desmontar estas pessoas para que não fossem óbvias.

Não deixa de ser irónico que tanto tempo depois da ditadura e da revolução, voltemos a sentir que a liberdade está em causa. Enquanto seres humanos não evoluímos ao mesmo ritmo da evolução tecnológica. Concorda?

Parece que as pessoas se esquecem muito rapidamente das coisas. Em 2024, um milhão de portugueses, elegeram 50 deputados do Chega, o que não deixa de ser irónico, 50 deputados nos 50 anos do 25 de Abril – são um bocadinho assustadoras estas lógicas matemáticas. Nos últimos 200 anos de desenvolvimento tecnológico houve uma progressão demasiado rápida para aquilo que o ser humano consegue assimilar. As redes socais são hoje um grande big brother e deram protagonismo ao que estava na sombra. O cinema, a literatura, o teatro, as artes são muito importantes para combater estes fenómenos. Mas acho que continuamos a falar muito da coisa social e pouco da coisa política. Há medo de falar da política, porque quase todos somos subvencionados pelo Estado. Temos de pensar que o Estado não são as pessoas que estão no poder, o Estado somos todos nós e devemos a todos essa coragem de falar.

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