A Festa de Abertura da Casa Capitão, que se estende por três dias, a partir desta sexta-feira, 19, e até ao próximo domingo, já deixa adivinhar o que aí vem. Neste fim de semana, a programação inclui concertos, clubbing, performances, oficinas para crianças, projeção de filmes, workshops, apresentação de livros e comida. É assim que se quer este “mini centro cultural”, como o define Gonçalo Riscado, um dos dois diretores (juntamente com o seu irmão João) do mais recente projeto da CTL – Cultural Trend Lisbon, que encerrou recentemente o Musicbox, no Cais do Sodré.

Há muito que vêm pensando como poderiam transformar o número 119 da Rua do Grilo, depois de, há mais de cinco anos, terem assinado um contrato de concessão com a Câmara Municipal de Lisboa para a sua exploração – o edifício faz parte daquele que é hoje conhecido como o Beato Innovation District, o complexo que resultou da reconversão das antigas fábricas da Manutenção Militar, fundadas em 1897.

Com a pandemia, tudo ficou adiado, mas durante os dois verões em que apenas eram permitidos eventos ao ar livre ou para muito poucas pessoas, foi ali que criaram um pop-up, aproveitando o terraço para organizar concertos e várias outras atividades (mais de 600, contando com as que se conseguiram realizar dentro de portas). Depois, foram em busca das condições que lhes permitissem avançar com as complexas obras de requalificação daquele espaço que servia de residência ao antigo comandante da Manutenção Militar.

Do Sótão ao Terraço

Nesta sexta-feira abrem-se, finalmente, as portas deste projeto que Gonçalo Riscado assume ser “de risco” pela sua ambição e dimensão. Com uma organização por “pisos” – Rés do Chão, 1.º Andar, Sótão, Pátio e Terraço – todos eles se querem totalmente flexíveis e capazes de albergar diferentes atividades. Se no Rés do Chão está a sala multiusos que perpetua a herança do Musicbox e que tem capacidade para cerca de 400 espectadores, mas que pode ser adaptada para um público bem menor, a blackbox do Sótão consegue receber noites de clubbing, tal como performances, workshops e concertos mais intimistas. Lá fora, o Pátio funciona como palco natural para variadas intervenções artísticas e o Terraço transformou-se num pequeno auditório ao ar livre.

O 1.º Andar mostra-se o lugar privilegiado de duas das “marcas” da Casa Capitão: a Mesa e o Quiosque. Na zona de refeições – “não lhe chamamos restaurante porque a comida também é uma intervenção cultural”, defende Gonçalo – estarão à vendas as sandes feitas com os papo-secos cozidos ali mesmo, numa ementa pensada pelo chefe Bernardo Agrela, que organizará jantares especiais (com bilhetes, como se de um espetáculo se tratasse) e encontros com outros chefes ou outros criadores. Promete-se, ainda, pôr a trabalhar a grelha da casa e fazer churrasco ao sábado, assim como ter feijoada ao domingo, numa parceria com o coletivo Gira.

Já o Quiosque consiste na programação à volta dos livros. “É como se fosse o nosso pequeno Festival Silêncio [um dos projetos da CTL]: a palavra como unidade de criação, como ponto de partida para programar qualquer coisa e para debater qualquer coisa”, explica o gestor cultural. Mesa de Cabeceira será o programa fixo do Quiosque em que convidam alguém a escolher livros, para ali estarem à venda, e, em torno deles, organizarem atividades (a estreia faz-se com Joana Guerra Tadeu). Pelo Quiosque vão passar também, em outubro, várias iniciativas do MIL – Lisbon International Music Network, o festival organizado pela CTL que se dedica “à descoberta, promoção, valorização e internacionalização da música popular atual e a uma reflexão sobre políticas e práticas culturais”.

Por fim, na Casa Capitão, acontece o Baile, a marca que descreve “a casa depois da meia-noite, para dançar” e que pode acontecer em qualquer parte do edifício.

Gonçalo Riscado define a Casa Capitão como um “um sítio de estar, de comunidade, de pensamento crítico, de debate, de encontro e de oportunidades”.

A cultura como ação

A ideia é que exista programação regular e que as portas estejam abertas de dia e de noite, sobretudo ao fim de semana. Ao sábado e domingo, diz Gonçalo Riscado, o horário pode estender-se das dez horas às seis da manhã. “Queremos que as pessoas vão chegando, se vão cruzando com umas com as outras e também com coisas de que não estavam à espera. Estes lugares de encontro de diferentes artes e de diferentes públicos sempre nos interessaram muito e acho que é através deles que se desenvolve comunidade e pensamento crítico.” Por isso, define a Casa Capitão como um “um sítio de estar, de comunidade, de pensamento crítico, de debate, de encontro e de oportunidades”. E reforça: “Ao contrário do que se diz, acredito que pode existir um espaço para toda a gente – toda a gente que tem como ponto de ligação a arte e a cultura. Todos nós somos agentes de cultura e todos devíamos ter a possibilidade de exercer os nossos direitos culturais. É neste pensamento que surge a Casa Capitão.”

Talvez por essa razão não seja de estranhar o nome que escolheram para batizar o projeto. “Viemos ocupar um edifício militar e se há algo feliz e que nos remete para liberdade e revolução são os Capitães de Abril. Este será, assim, um lugar de memória e de defesa da importância de agir sobre essa memória, queremos materializar isso na programação e na intervenção.”

Quem entra, não vem ao engano, já que o assumem de forma clara, logo na apresentação que fazem no site da Casa Capitão: Acreditamos na cultura como ação, força crítica e coletiva. Um lugar de liberdade e desobediência, onde se cruzam vozes, experiências e visões do mundo diversas e em diálogo. Assumimos uma posição clara contra todas as formas de opressão. Na nossa casa não há lugar para discursos xenófobos, racistas, sexistas, LGBTfóbicos ou discriminatórios. Acolhemos quem cria e quem participa. Valorizamos a liberdade artística, o pensamento crítico, a escuta atenta e o fazer em comum. Programamos cultura com consciência, compromisso e sentido de futuro.” Para Gonçalo, é importante dizê-lo, sem rodeios nem meias palavras. “Temos de ter manifestos porque, ao contrário do que achávamos, há muitas coisas que dávamos por garantidas e não o estão. Penso que vivemos, de novo, uma época de luta. E ela tem de partir destas afirmações que, depois, devem ser consubstanciadas na prática, na forma como programamos e nos comportamos”.

Se dúvidas houvesse, bastaria consultar o programa já anunciado para estes três dias e para os próximos meses. Cabe a Capicua, já nesta sexta-feira, dar a cara pelo arranque desta casa que se quer de combate e de toda a gente.

Vem aí a terceira edição do Festival Cuca Monga, a 26 e 27 de setembro, e nos Jardins do Museu de Lisboa – Palácio Pimenta há de celebrar-se “a música portuguesa e a amizade entre artistas”. Gaspar Varela sobe ao palco no primeiro dia com a sua guitarra portuguesa e os Expresso Transatlântico, a banda que criou com o irmão Sebastião Varela e o amigo de ambos, Rafael Matos. “Tentamos em cada concerto trazer alguma coisa diferente, nem que seja a nível de energia. Tocar em Lisboa é ótimo, porque estamos em casa, ainda por cima num festival de malta amiga, que reúne muitos músicos portugueses. Isso para nós é especial”, afirma. Acabados de chegar do Japão, onde atuaram no Pavilhão de Portugal na Expo de Osaka, e também noutras cidades, têm quase pronto o segundo álbum, que há de sair em inícios de 2026. Por aí já se ouve Flor Trovão, single de avanço desse próximo disco que hão de depois apresentar em Lisboa, no Capitólio, a 14 de março do próximo ano, no dia em que a banda comemora quatro anos.

Manel Cruz / Cru

17 setembro, 21h
Teatro Tivoli BBVA

“Não sei que tipo de espetáculo vai apresentar, mas o Manel Cruz é um artista e guitarrista incrível, que me inspira muito. Consegue criar um universo que me agrada, é uma coisa boa de se ouvir e que nos põe a pensar – e acredito que é para isso que a arte serve, para instalar a dúvida. Por isso, recomendo sempre qualquer concerto do Manel Cruz, seja com Ornatos Violeta, seja com Pluto, seja a solo. É sempre muito bom.”

Com a alma na mão, caminha, de Sepideh Farsi

A partir de 18 setembro
Cinema Ideal

Depois de ter sido um dos momentos mais emocionantes no Festival de Cannes, em maio, o documentário estreia-se esta semana em Lisboa e, para Gaspar Varela, é uma escolha obrigatória. Durante cerca de seis meses, a realizadora iraniana Sepideh Farsi espreitou o que se passava na Palestina através do olhar da fotógrafa Fatma Hassona, que permanecia em Gaza. As imagens que registaram – e as suas conversas à distância – deram origem a este filme. No entanto, em abril, logo depois de ficar a saber que o documentário tinha sido selecionado para Cannes, Fatma foi assassinada num ataque israelita. “É um tema muito importante e deixa-me feliz que a arte reflita sobre estes assuntos. Israel está a cometer um genocídio e é fundamental que se possam fazer filmes, músicas, pinturas, o que for, sobre isso. Ainda bem que o Cinema Ideal passa o filme. Todos deveriam ir vê-lo.”

Entre os vossos dentes, obras de Paula Rego e Adriana Varejão

Até 22 setembro
CAM – Centro de Arte Moderna da Gulbenkian

Na última semana para ver esta exposição, Gaspar garante que não deixará passar a oportunidade. “São duas artistas fascinantes e que, tanto em Portugal como no Brasil, elevaram muito o papel das mulheres nas artes. O trabalho delas, muito especialmente o da Paula Rego, é uma coisa fora de série e adorei a ideia da junção das duas”, afirma. “É cada vez mais preciso reforçar esse poder feminino e acho muito importante continuarmos a lembrar-nos destas duas artistas por todo o trabalho maravilhoso que fizeram.”

Anónimos de Abril

De José Fialho Gouveia, Rogério Charraz e Joana Alegre
Livros Zigurate

Primeiro, foi o projeto musical, com letras de José Fialho Gouveia, músicas de Rogério Charraz e voz de Joana Alegre, sobre “mulheres e homens que tiveram a coragem e a ousadia de enfrentar e fragilizar o regime que durante 48 anos oprimiu os portugueses” e, mais recentemente, chegou o livro que aprofunda essas histórias. “Gostei muito de o ler, achei bastante interessante, com relatos muito bonitos”, elogia o guitarrista, que confessa preferir títulos de não ficção. Com QR codes para se poder também ouvir as canções, esta edição tem textos de José Fialho Gouveia, Aurora Rodrigues e Miguel Carvalho, e ainda ilustrações de Marta Nunes.

Suspiro…

Álbum de Maria Reis

Saiu no ano passado e Gaspar Varela não hesita em recomendar este disco de Maria Reis, cantora, compositora e guitarrista, que se tem afirmado como nome fundamental da nova música portuguesa. “Gosto muito da maneira da Maria escrever e adoro a forma como usa a voz e interpreta as suas músicas. Já gostava de Pega Monstro, a anterior banda dela, e acho que este álbum é muito bonito”, diz sobre Suspiro…

No teatro contemporâneo, contam-se pelos dedos das mãos as peças de teatro que aliam a popularidade ao aplauso da crítica. Menos ainda, aquelas que, embora escritas não há muitos anos, se podem considerar “clássicos”. Arte, peça de afirmação da autora francesa Yasmina Reza, faz parte desse limitadíssimo lote de textos teatrais que conquistaram plateias, prémios e a crítica, e que, passados pouco mais de 30 anos desde a estreia, continuam a repetir semelhante aclamação.

Para o comprovar, sobretudo a toda uma geração que não teve oportunidade de ver este texto em palco – em Portugal, Arte foi encenado por António Feio por duas ocasiões, em 1998 e 2003, e, posteriormente, em 2016, por Adriano Luz e Carla de Sá -, a Força de Produção aposta em levar a cena, nesta nova temporada, o clássico de Yasmina Reza. Com uma nova tradução (de Ana Sampaio), António Pires dirige Cristóvão Campos, Nuno Lopes e Rui Melo, num espetáculo que o encenador define como “uma comédia sobre a empatia nos nossos dias”.

Se em 1998, quando a peça estreou em Portugal, o enfoque parecia centrar-se nas questões do gosto e das controvérsias à volta da arte contemporânea, sendo o quadro em branco, como observa Pires, “uma espécie de provocação”, hoje, “parece-nos que este texto é [primordialmente] sobre a forma como nos relacionamos, sobre a falta de empatia que, devido ao individualismo e ao isolamento propiciado pelas redes sociais, vamos tendo na relação com o outro”. Em suma, Arte trata de três homens, amigos há 20 anos, que “já não se ouvem uns aos outros” e que parecem estar prestes a descobrir que, muito provavelmente, a amizade acabou.

O gatilho da discórdia

Quando Marco (Nuno Lopes), à boca de cena, anuncia à plateia que o seu velho amigo Sérgio (Rui Melo) adquiriu, pelo valor obsceno de 120 mil euros, uma tela de um metro e 20 por um metro e 60, totalmente branca, assinada por um artista de renome, prenunciam-se momentos de tensão.

Diante do quadro, Marco ri jocosamente de Sérgio, mas tudo escala para o conflito, por ora ainda velado, quando o amigo classifica a obra como “uma grande merda”. Ofendido, Sérgio procura aprovação num terceiro, Ivo (Cristóvão Campos), amigo de ambos, mas tão vulnerável nas suas opiniões como falhado na vida pessoal e profissional.

Quando, de novo em casa de Sérgio, se reúnem, o valor da obra de arte vai digladiar-se com o da amizade, num confronto revelador de inúmeros incómodos e ressentimentos entre os três homens. Fica a questão: será que, depois de tudo o que é dito, a amizade sobreviverá?

Toda a conflitualidade em crescendo, que culmina num gesto radical e surpreendente, é tratada com uma minucia notável dos tempos da comédia. António Pires não deixa por isso de confessar “o enorme prazer e o divertimento” de trabalhar um texto que é “uma lição de comédia”. E, quando se tem “três atores de grande talento, daqueles que têm opinião, basta deixá-los tomar conta da cena”.

Com estreia marcada para dia 10, a genial comédia de Yasmina Reza prepara-se assim para continuar a conquistar gerações de espectadores de teatro, provando que os clássicos, pela sua intemporalidade, não têm idade.

Mariana Duarte Silva apresenta-se sempre como “mãe de três rapazes” e já foi considerada uma das mais importantes mulheres empreendedoras em Lisboa. Em 2014, depois de anos a trabalhar na promoção e produção musical, trouxe de Londres o Village Underground e transformou autocarros sem uso num espaço de eventos culturais. Foi aí que, mais tarde, fundou a Skoola, seguindo “uma vontade muito grande de fazer um projeto educativo de base musical”.

Skoola – a magia de fazer com todos

Há microfones, djembés, teclados, uma bateria, guitarras, maracas e outros instrumentos na sala. Também há sorrisos e gargalhadas, brincadeiras e muita concentração. Nesta aula da Skoola, cada um escolheu o que queria tocar e as melodias vão-se fazendo em conjunto. A academia de música urbana que nasceu dentro do Village Underground Lisboa, em 2021, funciona agora num antigo ginásio recuperado da Escola Básica Integrada Manuel da Maia, em Campo de Ourique. Quando a fundou, Mariana Duarte Silva sabia exatamente como queria que fosse este lugar de aprendizagem e crescimento, por oposição ao tradicional ensino da música. “É uma metodologia de educação não formal, por serem os jovens que escolhem o que querem aprender. Os facilitadores vão dando ferramentas para cada um ir construindo o seu processo criativo e isso torna-os mais autónomos na criação e no pensamento. Uma forma mais aberta, criativa e inclusiva, porque não deixa ninguém de fora”, explica.

À Skoola chegam miúdos com mais ou menos talento musical e com mais ou menos necessidades, sejam financeiras, sociais ou de saúde mental, por exemplo. A escola tem bolsas para quem não pode pagar (em parte financiadas pelas propinas dos que podem) e muitas estratégias para a integração. “A música é realmente uma ferramenta que consegue fazer a diferença e operar a mudança”, acredita Mariana. Pensada como um projeto de impacto social, a Skoola tem vindo a abrir-se aos jovens mais privilegiados. “Só assim faz sentido. Essa é a magia: misturar e fazer com todos. Uns aprendem com os outros e todos aprendemos em conjunto.”

Os locais de Campo de Ourique

Livraria Ler

Rua Almeida e Sousa, 24 / T.213 888 371

“Tem um atendimento muito personalizado e simpático. É sempre lá que vou quando quero um livro para mim, para os meus filhos ou para oferecer a alguém.”

Ateliê de Felipa Almeida e Sousa

Rua Almeida e Sousa, 27 R/C DTO

“Artista e curadora, a Felipa foca-se na origem dos objetos em cerâmica portugueses. Tem um trabalho muito bonito, faz visitas ao ateliê e organiza exposições com outros artistas.” Neste mês, haverá uma mostra com peças de 27 artistas de diferentes gerações e origens que recuperam e reinterpretam o tradicional moringue, a bilha de barro com dois gargalos e uma asa, usada antigamente no campo para manter a água fresca.

Exposição Moringue vazio não carrega só vento, 18 a 20 de setembro

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Casa Príncipe

Rua Coelho da Rocha, 31A

A editora Príncipe Discos, com a associação Filho Único, também se mudou recentemente para Campo de Ourique, e Mariana aplaude esta chegada. “Fiquei muito contente por terem vindo para Campo de Ourique. O novo espaço, que já fui conhecer, é escritório e estúdio e têm uma loja onde vendem discos e merchandising. Acredito que a Casa Príncipe vá trazer mais dinamização e mais músicos, e que vá marcar o bairro.”

Biblioteca/ Espaço Cultural Cinema Europa

Rua Francisco Metrass, 28 / T.218 009 927

“Se preciso de me concentrar ou de escrever é para aqui que vou, com o telefone no silêncio. Gosto muito de escrever no meio de livros e de jornais. Recentemente, conheci o auditório, que também me pareceu um ótimo espaço”, diz Mariana Duarte Silva sobre esta biblioteca nascida no edifício que funcionou como sala de cinema até ao início dos anos 80 do século passado e que ainda mantém, como imagem de marca, o alto-relevo do escultor Euclides Vaz.

Cemitério dos Prazeres

Praça São João Bosco, 568

“Gosto muito de ir ali passear. Para mim, não é nada mórbido. Tem uma vista muito bonita para Monsanto e, quando preciso de calma, dou umas voltas por lá.”

Barbeiro Diamante

Rua Saraiva de Carvalho, 128 / T.213 902 605

“Para mim, é cultura. Este barbeiro centenário resiste em Campo de Ourique e foi lá que os meus filhos fizeram os primeiros cortes de cabelo. O corte à Diamante é um clássico do bairro.”

Pátio dos artistas

Rua Coelho da Rocha, 69

“Sempre tive muita curiosidade e só recentemente lá entrei. É uma pérola no meio de Campo de Ourique.”

A Padaria do Povo

Rua Luís Derouet, 20A / T.213 620 464

“Organizei lá várias festas e é ótimo para se ir beber um copo ao fim do dia.”

Publicou o seu primeiro livro aos 51 anos. A que se dedicou, entretanto?

Ao meu trabalho que é ser publicitário.

Como surgiu a necessidade da escrita?

Foi mais curiosidade do que necessidade. Habituado a contar histórias com 30 segundos, quis perceber como se contava uma história com 300 páginas. E como sou teimoso, fui tentando e errando, errando…

Porque escolheu este período histórico e a construção da ponte para tema do livro?

A primeira coisa a surgir foram as personagens através de histórias que me contavam. A maior parte são baseadas em pessoas que existiram num bairro alfacinha nos anos 50. Como essa realidade não fazia sentido nos dias de hoje, precisei de recuar no tempo. Precisava de uma obra que fizesse as pessoas virem de fora trabalhar e viver nos pátios operários. De repente a ponte foi uma espécie de “Ovo de Colombo”. Ainda ninguém tinha escrito sobre a sua construção e, além disso, gosto muito da ponte.

Porquê?

A ponte levava-me de férias quando era miúdo e ia para o Algarve com os meus pais. Ainda hoje mantém esse simbolismo.

Como possui um conhecimento tão apurado do bairro de Alcântara, e das suas gentes, no final do Estado Novo?

Fui estudar. Nunca vivi em Alcântara e foi no Gabinete de Estudos Olisiponenses que encontrei muita informação interessante sobre o bairro. Fui também à junta de freguesia e falei com pessoas de Alcântara que frequentam a universidade da terceira idade e que eram jovens nessa altura.

Concorda que o bairro de Alcântara é o verdadeiro protagonista do livro? O local onde se concentram dois fluxos opostos: o dos operários de todos os pontos do país que vêm trabalhar na construção da ponte e o dos soldados que partem para a guerra colonial.

Penso que o verdadeiro protagonista será o Pátio do Cabrinha. Depois alarga-se ao bairro de Alcântara que é simbólico da transformação que o país atravessava na altura.

É também aqui que se cruzam, num dos mais belos momentos do livro, os destinos dos dois irmãos protagonistas. Um embarca para a guerra passando por baixo da ponte que o outro constrói.

A certa altura percebi que o livro era sobre um paradoxo: um país que, ao mesmo tempo e no mesmo sítio, constrói uma ponte e uma guerra. Percebi que tinha o tema do livro e montei-o em cima desse positivo e negativo. Aproveitei essa boleia para encher o livro de outros paradoxos.

No fundo, quando descreve este bairro é a todo um país que se refere: a fome, a miséria, o analfabetismo, o alcoolismo, a violência doméstica, a prostituição, a opressão, a guerra…

Sim. A ponte é ainda hoje usada como símbolo de uma boa governação do Estado Novo. Interessava-me investigar e perceber a parte negra de tudo aquilo que as pessoas se esquecem quando falam da ponte. Existe cada vez mais um saudosismo de uma determinada situação que é romantizada e não corresponde à realidade. Pretendia expor tudo o que era verdadeiramente podre na ditadura portuguesa e matar a ideia de que a ponte representa um símbolo de excelência do Estado Novo.

“Precisava da ironia para que o livro não fosse tão raivoso”

Esta é uma ponte erguida como símbolo de modernidade num país muito pouco moderno. Nesse sentido, é uma ponte de aço com “pés de barro”?

Completamente. Atrevo-me a dizer que a ponte era a única coisa moderna neste país. Ainda a ponte estava a ser construída quando foi renovada a proibição do biquíni nas praias portuguesas.

De todas as personagens que criou, Ângelo Barraquinho é a mais enigmática. O único letrado do Pátio do Cabrinha quer apender a desler. Pode desvendar um pouco do seu significado?

O meu pai teria ficado muito feliz se tivesse vivido para ver este livro. Ele lia muito e era muito crítico do Estado Novo. Os seus últimos anos foram com demência. Talvez o Ângelo Barraquinho seja um pouco o meu pai. E, voltando à questão do paradoxo: se tenho alguém que precisa de aprender a ler [Vitor Tirapicos, o protagonista do livro] tenho que ter o seu contrário.

Morte, pobreza, violação, tortura, mutilação, são temas centrais no livro que convivem com uso frequente do humor. Esse recurso, contudo, não afeta a seriedade da narrativa nem a dignidade das personagens centrais. Como conseguiu esse equilíbrio?

Há duas formas de lidar com o que nos revolta, uma inteligente, outra menos. A menos inteligente é agressiva, a outra é através do humor. Precisava da ironia para que o livro não fosse tão raivoso. A descrição do irmão na guerra, por exemplo, que eu não inventei, é de uma violência atroz. Há momentos, como esse, em que não se deve fazer humor e há outros que aguentam.

Há um momento do livro em que diz que os problemas das pessoas, vistos do alto da ponte, parecem insignificantes. Isto prende-se com uma ideia que permeia toda a obra: a da indiferença de Deus perante os destinos humanos?

Sim, essa é capaz de ser a minha passagem favorita do livro. Incomoda-me profundamente, não a fé das pessoas, mas a forma como é trabalhada e aproveitada pelos homens. Portugal é profundamente hipócrita e a religião está intimamente ligada a isso, tal com a Igreja Católica ao Estado Novo. Portugal tem uma história de 500 anos que, em nome de Deus, se permitiu fazer tudo e mais alguma coisa.

Pés de Barro já foi comparado a Memorial do Convento. Sente que é inevitável falar em Saramago quando se lê o seu livro?

São dois livros, com as distâncias devidas, sobre as duas obras mais emblemáticas dos respetivos regimes, ainda que separadas por séculos. Nesse aspeto, a comparação é inevitável. Gosto muito do [José] Saramago, e para mim a comparação é uma honra. Mas, sinceramente, em termos de escrita, não acho. Nomeadamente, a questão da ausência dos diálogos com travessão prende-se com a minha origem de designer e com a confusão que me faz a mancha da página. É uma questão gráfica, não gosto das interrupções no texto. Ao nível das personagens, o Vitor Tirapicos pretende ser uma homenagem ao Tom Joad de As Vinhas da Ira, de John Steinbeck, o meu escritor de eleição pela forma como retrata a miséria, não ao Baltasar Sete Sóis [protagonista de Memorial do Convento]. A Dália, já era muda, mas foi criada como personagem secundária na primeira versão do livro. Porém, achei-a tão interessante que a tornei protagonista na segunda versão.

O final da obra, ousado como solução narrativa, ao contrariar a realidade histórica produz algo só possível no universo da criação artística, neste caso da ficção literária. É um ato de “justiça poética”?

Sim. Não podia chegar ao fim e deixar tudo na mesma. Alguém tinha de pagar por aquilo que descrevo ao longo do livro. Se na vida a justiça tão poucas vezes se cumpre, ao menos que se cumpra na literatura.

O livro é sobre o passado, porém, ao lê-lo, não consegui deixar de sentir que é uma obra escrita para o tempo histórico e social que estamos a viver. Teve essa intenção?

A partir de determinada altura, sim. Não tive, nem tenho, qualquer intenção moralista ou pedagógica e espero não vir a ter. No entanto, como diz António Lobo Antunes, “uma população que lê é uma população que não se deixa escravizar”. Acredito que os livros, e a arte em geral, devem contribuir para aprofundar o conhecimento das pessoas.

O que sentiu ao ganhar o Prémio Leya, atribuído por um júri tão prestigiado?

Senti que tinha escrito um livro. Tinha coisas no computador que achava que não possuíam qualidade; quando acabei este livro pareceu-me que não me envergonhava. O Prémio Leya teve, por isso, muita importância, porque no fundo aquela gente tão prestigiada está a dizer que eu sei escrever.  Para além de tudo, o que prémio me trouxe de bom até agora foram as pessoas que tenho conhecido, a equipa de Leya, as experiências que tenho vivido, os sitos onde tenho ido.

O Gabinete de Estudos Olisiponenses (GEO) apresenta Lisboa na Época Moderna. Quotidianos, Artes e Ofícios,  uma exposição dedicada ao quotidiano e às profissões de Lisboa entre os séculos XVI e XVIII. Assente numa investigação histórica rigorosa, a mostra revela, através de reproduções de documentos, cartografia, pinturas, gravuras e painéis de azulejos, a dinâmica cultural, social e económica da cidade a partir dos seus ofícios e atividades profissionais.

Hospital Real de Todos-os-Santos [pormenor], Mestre “P.M.P.”, início do século XVIII, Museu de Lisboa – Palácio Pimenta

Regateira

O regateio era uma profissão exercida sobretudo por mulheres dos meios sociais mais desfavorecidos. Vendiam a retalho produtos alimentares – peixe, marisco, pão, produtos hortícolas ou galinhas – à porta de sua casa, na Ribeira ou em circulação pela cidade. Tinham grande liberdade de movimentos, mas as posturas municipais mais antigas exigiam que fossem casadas ou viúvas “honestas”.

A sua atividade era rigorosamente controlada e corriam o risco de ser multadas e até açoitadas se as mercadorias não fossem supervisionadas pelo Senado. Faziam-se anunciar com pregões que ecoaram na cidade até meados do século XX.

A nurse gives a man an enema, Charles Eisen, 1762, Wellcome Collection

Cristeleira

Profissional de saúde responsável por administrar “ajudas” — clisteres purgativos — prescritos para o tratamento de diversas doenças. Para exercer a função, era obrigatório submeter-se a um exame perante o físico da cidade e, se aprovada, receber a carta de ofício emitida pela Câmara de Lisboa.

O seu principal instrumento de trabalho era o cristel, que devia estar em perfeitas condições de higiene e funcionamento. As profissionais que desrespeitassem as boas práticas estavam sujeitas a multas e, no limite, a pena de prisão. Com os avanços da medicina, este ofício entrou em declínio e foi extinto no decurso do século XVIII.

Painel de azulejos [pormenor], Autor não atribuído, 2ª metade do século XVIII, Academia das Ciências de Lisboa

Quadrilheiro

Os quadrilheiros surgiram durante o reinado de D. Fernando, no século XIV, com a função de manter a ordem nas cidades. Eram recrutados compulsivamente entre os cidadãos mais respeitáveis e obrigados a cumprir um mandato de três anos, sem remuneração.

Cada quadrilha era formada por vinte homens que, sem qualquer formação específica, tinham a missão de denunciar e intervir em diversas situações que ameaçassem a ordem pública e a moral vigente. Eram identificados por uma vara verde com insígnias, que carregavam consigo, sendo frequentemente agredidos e ridicularizados. A instituição dos quadrilheiros foi extinta no século XIX.

Os Aguadeiros [pormenor], Nicolas Delerive, 1801, Museu de Artes Decorativas / FRESS

Aguadeiro

São frequentemente representados na iconografia de Lisboa carregando barris de água em carroças, com a ajuda de animais de carga ou às costas. O aguadeiro era fundamental para o funcionamento da cidade, levando água desde os principais chafarizes e fontes aos pontos mais distantes e inacessíveis da cidade. A partir do século XVIII, essa função passou a ser desempenhada sobretudo por imigrantes originários da Galiza.

Painel de azulejos [pormenor], Mestre “P.M.P.”, 1º quartel do século XVIII, Museu de Lisboa – Palácio Pimenta

Almocreve

Desde a Idade Média o almocreve era uma presença assídua nas cidades, aldeias, estradas e caminhos do país. Com o seu animal de carga transportava e distribuía alimentos e outros bens, ligando por terra as regiões mais remotas. Foi uma profissão essencial para o comércio interno e manteve-se até se tornar obsoleta com o desenvolvimento dos transportes.

Querenagem de um navio [pormenor], Autor não atribuído, século XVIII, Museu de Artes Decorativas / FRESS

Calafate

Responsável por vedar as embarcações de madeira, este artesão era essencial numa época em que o comércio marítimo se impunha como uma das mais fortes atividades económicas.

Na Ribeira das Naus, o imenso estaleiro ativado no século XVI, trabalhavam centenas de carpinteiros e calafates. Enquanto os primeiros construíam e reforçavam a estrutura dos navios, os segundos garantiam a sua impermeabilidade, preparando-os para enfrentar longas travessias oceânicas. A técnica consistia na aplicação de um calafeto — geralmente produzido com alcatrão e breu aquecido — que selava as juntas, protegendo o casco contra a infiltração de água.

Adoração dos Pastores, Gregório Lopes, 1539, Museu Nacional de Arte Antiga

Odreiro

Artesão que fabricava os odres, recipientes feitos de peles de animais para transporte de líquidos como vinho, azeite, vinagre, leite ou água. Usados em contexto rural e urbano, exigiam muita perícia na sua confeção. Normalmente o pescoço do animal servia como gargalo, sendo a impermeabilização feita com pez, uma substância resinoso-vegetal.

A exposição Lisboa na Época Moderna: Quotidianos, Artes e Ofícios está patente ao público no GEO [Palácio do Beau-Séjour- Estrada de Benfica, 368], até 28 de novembro. Entrada livre.
Estão previstas visitas orientadas (máximo 10 pessoas) nos dias 23 de setembro, 15 de outubro e 13 de novembro em dois horários: 11h30 e 15h30 (inscrição: geo@cm-lisboa.pt)
Para além das visitas haverá um ciclo de conferências a 4 de setembro, 9 de outubro e 4 de novembro, sempre às 18h.
A entrada é livre, sob marcação, em todas as atividades.

António Carlos Cortez

Condor

Neste conjunto de vinte e sete poemas longos de verso caudaloso, António Carlos Cortez refere-se ao autor d’Os Lusíadas, Luís Vaz de Camões, como “poeta da poesia”. No seu mais recente livro, também Cortez o é, na medida em interpreta a realidade do mundo presente (“tempo tétrico do averno técnico” onde ninguém já tem “ouvidos para a musa”) à luz da tradição poética, enquanto reflete sobre a natureza e significado da própria poesia (“Sim, a poesia / é uma forma de pressentimento das eras / que sobre eras vêm”).  A obra, que elege o “oráculo como arquétipo”, convoca o passado literário como refúgio para o esquecimento da alienação do presente (“Portugal (…) no porto do desabrigo e da infâmia”). Nesta leitura alegórica, o condor – mensageiro dos deuses na mitologia andina, o maior pássaro da terra e o único animal que pode olhar o sol de frente, sem cegar – é o próprio poema (“condor-poema”): “animal poético animal perfeito / animal profético”. Escreve António Carlos Cortez: “A poesia acabará também por ser (…) uma ave a caminho do sol que a cegará absolutamente. Só na cegueira a poesia poderá continuar e aí terá a sua última fase lúcida”. LAE Caminho


Stanisław Lem

A Máscara e Outros Contos

Em O Enigma, último dos contos desta coletânea, o mestre da ficção especulativa, Stanisław Lem (1921-2006), relembra o papel do Santo Ofício como principal opositor ao avanço da ciência. Na realidade, o grande escritor polaco sempre cultivou o ideal de liberdade como utopia. De ascendência judaica e apoiante da resistência, como mecânico, dedicou-se a sabotar carros alemães durante a invasão nazi. Em 1976, foi expulso da Associação de Escritores de Ficção Científica e Fantasia da América, por ter criticado a fraca qualidade da produção norte-americana no género. A Máscara reúne treze contos escritos entre 1956 e 1993 que revelam os diferentes temas e influências que dominaram as suas obras de grande fôlego como Solaris (1961): a contaminação do romance policial e da literatura gótica, o interesse pela cibernética e a psicologia, o tom grotesco e humorístico, a relação nem sempre pacífica entre a humanidade e a inteligência artificial. Em todos eles é possível reconhecer os elementos estilísticos que contribuíram para tornar Lem popular junto de uma larga camada de leitores, como a descrição minuciosa dos detalhes, baseada numa espantosa erudição científica, os diálogos descarnados, essenciais, rápidos, inspirados no modelo norte-americano, ou a procura constante de uma dimensão existencial profunda. LAE Antígona

Mónica Baldaque

As Casas da Vida de Agustina

Nascida em 1922, desde cedo ficou patente a vocação literária de Agustina. A Sibila, de 1954, constitui um enorme sucesso e revela a sua mestria na arte do romance. A relação com a região duriense, durante largas temporadas da sua infância e adolescência, marca de forma indelével a sua obra. A escritora escreveu em 2013, no Caderno de Significados: “Os lugares físicos são fonte de revelação, porque eles guardam o espectro do acontecimento”. Neste livro, a pintora e escritora, Mónica Baldaque, filha de Agustina, recorda a “vida sábia” da mãe e “o reflexo das paisagens por onde passou”. A partir da casa de seus pais em Vila Meã, onde nasceu a 15 de outubro de 1922, Agustina, originária de uma família com “espírito de nómadas”, mudou muitas vezes de morada, apenas de passagem ou de forma mais demorada. Este livro relembra as suas vivências e a relação que estabeleceu com a escrita em cada um desses “lugares físicos”. Evocando a Casa do Gólgota, sua última morada, escreve Monica Baldaque; “foi mais uma casa da vida de Maria Agustina, e não A Casa da Vida. Essa, e por fim, não a vejo noutro lugar senão na sua obra.” LAE Relógio D’Água

Eugenio Carmi e Umberto Eco

Três Contos

Exemplo perene de colaboração entre um artista visual e um escritor, estes três contos revelam como as pessoas se enriquecem e ganham novas dimensões em contacto umas com as outras:  face às palavras de Umberto Eco, o pintor Eugenio Carmi tornou-se ilustrador e face às imagens de Eugenio Carmi, o filosofo, semiólogo e escritor Umberto Eco tornou-se fabulista. A Bomba e o General mostra como a harmonia de mundo se pode destruir com uma guerra atómica. Os Três Cosmonautas glosa o tema da tolerância e do respeito à diferença entre um marciano com seis mãos e três cosmonautas rivais: um americano, um russo e um chinês. Os Gnomos de Gnu é uma parábola sobre o colonialismo e a “curiosa” noção ocidental de “civilização”. Todos ostentam belíssimas ilustrações a aguarela, entre a geometria e a abstração, com recurso à colagem de fragmentos de papel e tecido. Os dois primeiros contos foram publicados originalmente em 1966, o último em 1992. Infelizmente, mantêm plena atualidade. Num momento em que vozes se levantam a favor do rearmamento da Europa e do mundo e da reintrodução do serviço militar obrigatório no nosso país, e em que vemos crescer a intolerância para com o “outro”, este livrinho é de leitura imprescindível para miúdos e graúdos, pais e educadores, humanos e extraterrestres. LAE Gradiva

Giuliano da Empoli

A Hora Dos Predadores

Entre os títulos mais aguardados da 82.ª edição do Festival de Cinema de Veneza encontra-se The Wizard of the Kremlin, de Olivier Assayas, que adapta o romance de estreia de Giuliano da Empoli, hoje mais reconhecido enquanto ensaísta do que conselheiro político, apesar das duas atividades coexistirem em toda a produção escrita deste autor de origem italiana e suíça. A Hora dos Predadores não se compadece com aparências ou palavras meigas para falar do presente e antecipar o pior que espreita. “Hoje, as nossas democracias ainda parecem sólidas. Mas ninguém pode duvidar de que o mais difícil ainda está por vir. O novo presidente americano passou a encabeçar um cortejo variegado de autocratas descomplexados, de conquistadores da tecnologia, de reacionários e de teóricos da conspiração impacientes por chegarem a vias de facto”, escreve. Giuliano da Empoli relata situações a que assistiu protagonizadas por aqueles que alimentam e tiram partido da máquina do caos: a mesma que inflama o comportamento dos seres humanos com infinitas perceções que mais não são do que extrapolações abusivas da realidade. O poder crescente da Inteligência Artificial aponta para esse mesmo abismo, o qual é uma espécie de rosto incorpóreo e totalitário. RG Gradiva

Sigrid Nunez

Qual é o teu tormento

Depois de vencer o National Book Award com O Amigo, Sigrid Nunez regressa aos romances com Qual é o teu tormento, obra adaptada ao cinema por Pedro Almodóvar com o título O quarto ao lado, protagonizado por Tilda Swinton e Julianne Moore. A história é a de duas amigas, cujos nomes desconhecemos, uma delas a fazer tratamento para um cancro terminal. Depois de inicialmente se recusar a ser cobaia numa série de tratamentos que provavelmente não a iriam salvar, todos a convenceram a não desistir. Afinal, “ela não queria sair da festa mais cedo”. Todos menos a filha, com quem pouco contacto tinha. Num diálogo contínuo entre a narradora e a amiga doente, vamos ainda acompanhando a relação da narradora com o ex-marido e os motivos que levaram a filha a afastar-se da mãe, sem nunca perder o que está por detrás desta narrativa: o poder da amizade. Sem querer “partir numa angústia humilhante”, a mulher doente revela à amiga que possui um medicamento para a eutanásia e que gostava que ela a acompanhasse nos últimos dias. Não quer que a ajude a morrer, apenas que lhe faça companhia e esteja com ela até ao fim. “Alguém disse: Quando vens ao mundo tens pelo menos uma pessoa contigo, mas quando o abandonas estás só. A morte acontece a todos nós, mas continua a ser a mais solitária das experiências humanas, que nos separa em vez de nos unir.” Exceto neste romance. SS Livros do Brasil 

Patrícia Portela

Manual para andar espantada por existir

À semelhança do “panfleto mágico em forma de romance” em que se inspira – Aventuras de João Sem Medo, escrito por José Gomes Ferreira no tortuoso ano de 1933 –, este é também um livro ensombrado por tempos difíceis, onde nunca é demais alertar para a importância de resistir. Para isso, Patrícia Portela apela a que se cultive a imaginação e escreveu este Manual, advertindo desde logo o leitor (de todas as idades) para que não tente “pensar só com a parte lógica do cérebro”, senão será incapaz de se “espantar por existir” e, naturalmente, de fazer a viagem proposta por este livro com capa dominada pelo amarelo, cor que, afiança-se, seria a do espanto se “o espanto tivesse uma cor”. Vestindo o papel de João Medrosa, a aventureira que percebe ser “o medo um sentimento que (…) pode paralisar as pessoas e impedi-las de sonhar livremente”, a autora atravessa o muro da realidade e leva-nos de volta a essa antítese do país sombrio que é a Floresta Branca, lugar das aventuras de João Sem Medo no folhetim de Gomes Ferreira. Ali, à luz dos mais de 90 anos que separam as duas narrativas, ressurge todo um universo prodigioso de fantasia e imaginação, alimentado pela emergência de combater velhos fantasmas que retornam através da prodigiosa faculdade humana do pensamento e da curiosidade. FB Caminho

Tiago Salazar

O judeu de Santa Engrácia

Viajante, escritor e guia, Tiago Salazar inspirou-se no mito em torno da construção da Igreja de Santa Engrácia para escrever o mais recente romance, O judeu de Santa Engrácia. Corria o ano de 1631 quando o cristão-novo Simão Lopez Pires de Sólis foi acusado de ter profanado as relíquias do templo de Santa Engrácia. “Mandar alguém para o cadafalso sem prova cabal era comum no nosso burgo, como deveria ser noutros, assistidos por um poder despótico e venal.” Apesar de não ser a primeira vez que presenciava tais rituais, Antero Figueira, homem de leis, assistiu à morte na fogueira de Simão e sentiu que daquela vez estava a ser cometida uma tremenda injustiça e resolve investigar o porquê de andar Simão a rondar a igreja inacabada a horas tão tardias. “A execução de Simão era o grau máximo da impunidade das trevas. E o facto de as gentes que ali acorreram não o terem apedrejado, e muitos em surdina o tomarem por vítima de uma ratoeira, mais me faz convicto de haver ali pano para mangas.” Embarque nesta viagem até ao século XVII e descubra o que levou Simão a manter-se calado face à acusação que lhe pendia até ao momento de atearem o lume, altura em que afirmou: “Morro inocente! E é tão certa a minha inocência como é certo que nunca se hão-de acabar aquelas obras, por mais que se façam!”. SS Oficina do Livro 

Em que altura da sua vida sentiu o apelo da música?

Comecei a tocar guitarra por volta dos 12 anos. Aprendi com os escuteiros e a partir daí nunca mais deixei de tocar. A guitarra é um instrumento que se vai sempre aprendendo, está sempre em desenvolvimento. Mas foi só quando entrei para os Xutos & Pontapés que percebi que poderia fazer vida profissional na música.

O que ouvia na adolescência?

Houve uma primeira fase em que estava sempre a ouvir Beatles, e aprendi a tocar praticamente toda a obra deles. Depois em 1976, 1977, ouvia muito Genesis. A partir de 1978 comecei a ouvir Clash e Sex Pistols, e também reggae. A seguir veio a revolução de new wave, em que passei a ouvir Police e uma série de outras bandas.

Qual delas influenciou mais o seu trabalho?

Talvez os Beatles, porque foi com quem aprendi a tocar e a gostar de fazer canções. Mas o punk também teve muita influência porque me ensinou a estar em palco e a encarar o espetáculo.

Ainda se lembra do seu primeiro concerto?

Foi em agosto de 1975 na Zambujeira do Mar, durante o intervalo de uma banda de baile. Eu tocava baixo num grupo e fomos para o palco enquanto a outra banda descansava. Foi muito engraçado, correu muito bem. Essa foi a primeira vez que subi ao palco para tocar baixo. Depois disso, comecei a fazê-lo mais vezes com outros amigos.

Lembra-se da sensação que teve?

Lembro-me de estar em palco e pensar “é aqui que quero estar”. Acho que é essa a melhor descrição. Foi uma espécie de encantamento, de deslumbramento, e de repente aquilo acaba e quer-se mais. Ainda por cima fica-se com uma sensação que nunca se teve até aí, que é uma sensação de realização, do público gostar de nós, que é também outra coisa que faz parte deste vício de estar em palco.

Os Xutos mantêm-se no ativo há mais de 40 anos. Qual é o segredo para esta longevidade?

Não sei se é segredo. O que tem acontecido é que, seja nos bons ou nos maus momentos, há sempre um amanhã, há sempre outro concerto, há sempre alguém que nos pede para fazermos isto ou aquilo, para participarmos nisto ou naquilo. Tem havido sempre uma missão da banda para aceitar esses convites e também para irmos fazendo as músicas necessárias para que isso aconteça. Tem sido assim desde sempre. Claro que no início isto acontecia com menos frequência. Íamos tocar a algum lado e passados dois ou três meses aparecia outro convite, até passar a ser uma coisa quase semanal.

E nunca se fartaram uns dos outros…

O respeito que sempre tivemos uns pelos outros e a amizade que sempre nos uniu fez com que as zangas acabassem por passar rapidamente…

Olhando para o percurso dos Xutos, qual é a coisa de que mais se orgulha?

Tenho grande orgulho nos concertos que fizemos no Estádio do Restelo ou no Altice Arena. Tenho orgulho também em termos sido os primeiros a fazer muitas coisas, tanto em termos de concertos como de gravações, e de termos aberto muitas portas e sermos exemplo para muitos músicos. Quando as pessoas falam comigo, sejam mais velhas ou mais novas, agradecem-me. Claro que não é para agradecer, mas realmente acho que, de alguma forma, contribuímos para abrir as portas a muita gente, mas também levámos muitas pessoas a quererem prosseguir uma carreira musical.

“Isto é a minha maneira de agradecer a toda a gente que tem trabalhado comigo e, acima de tudo, ao público e às canções”

As pessoas pedem-lhe conselhos?

Não, agora já não é por aí. Acho que o exemplo serve mais do que isso. Verem que os Xutos & Pontapés conseguiram montar um modo de vida e um espetáculo coerente e honesto com coisas criadas por nós, acho que é um exemplo muito bom para muita gente.

Como vê o estado do rock português atualmente?

Acho que o mais importante é as pessoas gerirem os seus projetos de forma inteligente sem estarem dependentes de qualquer espécie de sorte. Há muita gente a fazer coisas boa. Acho que a música portuguesa está numa fase como nunca esteve, bastante bem.

Resistência, Rio Grande, Cabeças no Ar ou Tais Quais são projetos com sonoridades muito diferentes dos Xutos. Essa diversidade enriqueceu-o enquanto músico e compositor?

Com certeza. Houve uma altura ali por volta dos anos 90, quando começou a Resistência, em que os Xutos estavam um bocado fechados em si próprios e a situação estava a ficar muito cansativa e até perigosa, por assim dizer. Passar a fazer parte de um grupo de várias cabeças pensantes, com várias músicas diferentes, foi como abrir as janelas da casa. Houve um ar novo, um pensamento novo, e o convívio também ajudou muito. Tentei contribuir para que esse convívio fosse fresco e são, para que não entrássemos em disputa de egos. Depois com os Rio Grande aconteceu a mesma coisa, porque aí em vez de estar virado para música de bandas como os Delfins ou os Heróis do Mar, passei a trabalhar com personalidades como o Rui Veloso, o Jorge Palma, o Vitorino, ou o João Gil, que são personalidades únicas, já não são bandas. E essas personalidades têm os egos muito desenvolvidos [risos]. A minha maneira de ser e a minha experiência de grupo fez com que todos estes projetos dos quais fiz parte fossem experiências de amizade, de respeito e de felicidade.

Há alguma música sua (ou de um dos seus projetos) que tenha sido um tremendo sucesso, mas de que não gosta particularmente?

Não posso responder a isso, porque gosto das músicas todas [risos]. Claro que há músicas de que gosto mais e músicas às quais devo muito, como Circo de Feras, A Minha Casinha, Contentores, Postal dos Correios (Querida Mãe Querido Pai), Dia de Passeio, A Noite… são canções que se tornaram sucessos imensos e às quais devo muito. Mas às vezes, nos espetáculos dos Xutos ou da Resistência, vamos buscar músicas menos conhecidas ou menos badaladas, mas que são bastante estimadas por nós, representam algo especial, o que me leva a dizer que não há nenhuma música que eu não goste, todas são especiais.

Há 50 anos que sobe aos mais diversos palcos. Se não tivesse sido músico, o que se imagina a fazer?

Se os Xutos não se tivessem formado em 1978, talvez tivesse seguido a minha carreira em Agronomia. Possivelmente, por esta altura, ou teria uma carreira como engenheiro, ou teria sido professor. E possivelmente continuaria a tocar nuns grupos quaisquer só para me entreter [risos]. Não sei se faria canções, mas tocaria, com toda a certeza.

Em setembro, no São Luiz, festeja os 50 anos de carreira com dois dias de concertos. Como vai ser?

Eu queria tocar com todos os grupos, mas não vou conseguir, porque somos muitos e não há tempo suficiente. No primeiro dia começamos com o meu projeto a solo, com os meus dois filhos e com o Zé Moz Carrapa na guitarra e o Nuno Espírito Santo no baixo, que são quem me tem acompanhado ultimamente. Daí sobem ao palco alguns convidados (para já estão confirmados o Pedro Jóia, a Teresa Salgueiro e, até prova em contrário, a Mariza). A segunda parte do espetáculo é toda com os Xutos & Pontapés. No segundo dia, o concerto é às 17h e começamos com a Resistência. Depois do intervalo entram os Tais Quais, e a seguir o Vitorino, o João Gil e o Jorge Palma (o Rui Veloso não pode estar presente) e vamos cantar algumas canções do Rio Grande. Muitos dos meus convidados vão ter de ficar na plateia, porque já toquei mesmo com muita gente, mas tenho pena de não os poder chamar a todos ao palco. Mais do que uma celebração, isto é a minha maneira de agradecer a toda a gente que tem trabalhado comigo e, acima de tudo, ao público e às canções que me ajudaram a chegar até aqui.

Depois destes concertos de comemoração o que se segue?

Estou a deixar espaço para pensar nisso em outubro porque este verão tem sido muito intenso. Haverá tempo para nos juntarmos outra vez. Já há concertos marcados dos Xutos & Pontapés, da Resistência e também meus a solo, para o Natal e para o ano que vem.

[artigo atualizado a 10 de setembro devido a alteração da primeira data dos concertos]

Bordalo à Moda do Japão

Até 31 agosto
Casa Ásia – Coleção Francisco Capelo e Museu Bordalo Pinheiro

Integrada na programação Osaka 2025 em Lisboa, uma exposição do Museu Bordalo Pinheiro que se apresenta dentro e fora de portas, mostrando a influência do japonismo na obra do artista. Apresentam-se sobretudo trabalhos gráficos, além de duas cerâmicas.

Luiz Carvalho

50DE25

Até 19 agosto
Sociedade Nacional de Belas-Artes

Luiz Carvalho mostra um conjunto de fotografias, captadas entre o 25 de abril de 1974 e o 25 de novembro de 1975, quando tinha apenas 19 anos. “Retratos de um povo em movimento, da festa e do risco, da esperança e da inquietação, que ainda hoje ressoam na sociedade portuguesa.”

Intimidades em Fuga. Em torno de Nan Goldin

Até 31 agosto
MAC/CCB

Exposição coletiva, que reúne 66 obras de 36 artistas, em suportes como pintura, escultura, fotografia e vídeo. Partindo da obra de Nan Goldin, exploram-se temas ligados à intimidade, que se assume aqui como um ato político.

Mergulho. As Paisagens de Vanessa Barragão

Até 31 agosto
Centro Comercial Colombo

O projeto “A Arte Chegou ao Colombo” apresenta o trabalho de tapeçaria de Vanessa Barragão na praça central do centro comercial. A artista algarvia desvenda aqui o seu processo de trabalho, expõe peças inéditas e convida-nos a entrar numa sala imersiva que recria o fundo do mar.

50 – Independentes

Arte e liberdade nos países africanos de língua portuguesa

Até 30 agosto
Perve Galeria

Exposição coletiva que celebra os 50 anos da independência dos países africanos de língua portuguesa. Aqui se reúnem obras de artistas do panorama artístico da lusofonia, como Bertina Lopes, Ernesto Shikhani, João Ayres, Malangatana, Manuel Figueira, Manuela Jardim, Mário Macilau, Pancho Guedes, Reinata Sadimba, Ricardo Rangel e Teresa Roza d’Oliveira.

Victor Hugo Marreiros

Camões cinco zero zero

Até 30 agosto
Passevite

Nos 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões, esta exposição reinterpreta a figura do poeta a partir da obra gráfica do artista macaense Victor Hugo Marreiros. Um trabalho que deixa de parte a carga histórica e simbólica e olha para Camões “como símbolo aberto, plural e partilhável”.

Interespécies

Até 31 agosto
MAC/CCB

No Centro de Arquitetura do MAC/CCB, explora-se “o desejo humano de compreender, conectar-se e viver com outras espécies”. A exposição foca-se nas funções relacional e crítica da arquitetura (mais do que na sua função utilitária), vendo de que forma a disciplina se dirige não só a humanos como a animais, plantas, minerais e outros.

Caminhos

Coleção Millennium bcp

Até 24 agosto
Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado

Exposição coletiva com 31 obras de 22 autores da Coleção Millennium bcp, que, a partir do tema da paisagem e da necessidade do contacto com a natureza, olha “o desejo de viagem ou a vontade íntima de criar caminhos próprios”.

Aplauso

40 anos a celebrar o espetáculo

Até 15 agosto
Museu Nacional do Teatro e da Dança

Uma exposição que revisita as quatro décadas deste Museu e recorda nomes maiores do Teatro, da Dança e da Música em Portugal, passando pelos artistas que subiram aos palcos, mas também por cenógrafos e figurinistas. Destaque para a coleção integral de trajes desenhados por Paula Rego para o Ballet Gulbenkian.

Flávia Vieira

Pau-Campeche

Até 31 agosto
Galeria da Boavista

Flávia Vieira, radicada no Brasil há quinze anos, trabalha com escultura, têxteis e cerâmica e apresenta um conceito a que chama “diásporas botânicas” e que se define pelo “entrelaçamento contínuo da natureza, história e cultura à medida que as sementes migram e as plantas são desenraizadas e replantadas noutros lugares, impactando os seus entornos”.

Apesar de jovem e ainda em começo de carreira, o compositor é considerado um músico de grande maturidade e solidez, como prova a sonoridade do seu disco de estreia Sopros. Fazendo-se acompanhar por Joaquim Festas (guitarra elétrica), Miguel Meirinhos (piano) e Gonçalo Ribeiro (bateria), João Próspero traz ao Jazz em Agosto a sua leitura da obra literária de Haruki Murakami. Neste concerto, agendado para 5 de agosto no Anfiteatro ao Ar Livre do

Jardim Gulbenkian, o quarteto irá navegar “entre a poesia e a tensão, o mistério e o dramatismo, a obsessão e a estranheza”, seguindo diversas pistas dos livros do escritor japonês para construir um repertório que procura “criar narrativas inquietantes e enigmáticas”.

Kris Davis Trio

Jazz em Agosto – Fundação Calouste Gulbenkian
2 de agosto

Enquanto músico de jazz, esta sugestão de João Próspero não surpreende. Trata-se de um concerto inserido no festival onde também irá tocar: “a primeira vez que ouvi a música de Kris Davis foi no disco The Distance de Michael Formanek, com o Ensemble Kolossus. Não me custa admitir a forma como me marcou e como, desde então, tenho seguido obsessivamente o trabalho da pianista, chegando a extrapolá-lo até para dentro do meu próprio universo musical”. Por coincidência, o trio de Davis irá tocar uns dias antes do quarteto de Próspero. “Quando me chegou aos ouvidos a vinda do seu trio ao Jazz em Agosto, tornou-se mais do que evidente que o encaixaria em qualquer recomendação musical que viesse a fazer ao longo de 2025″. Sobre o novo trabalho deste trio, o músico português tem o seguinte a dizer: “Run the Gauntlet é um perfeito retrato do ethos musical de Davis, onde a escrita é entusiasmante e a execução inabalável.”

Drag Race, 2023

Drag Race, de Joana Vasconcelos

Até 30 de novembro
Museu de Artes Decorativas Portuguesas da Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva

Conhecida pelas suas obras impactantes e surpreendentes, Joana Vasconcelos tem uma nova exposição, que não deixou o músico indiferente: “ É um nome incontornável do espólio artístico português e, nesse sentido, as minhas palavras nada trarão de novidade. O que me moveu neste seu último trabalho é a ligação que a artista estabelece entre os três pontos de um triângulo subversivo: carros clássicos, ornamentação barroca e a cultura drag. Neste novelo de mundos aparentemente incontactáveis, Vasconcelos funde o imiscível, criando um novo elemento, decorado a ouro e cachecóis plumas. Quem me conhece sabe que sou um acérrimo fã do drag e do transformismo e, como tal, revejo-me muito neste tipo de trabalhos.”

Variações para Carlos Paredes 

Até 18 de janeiro
Museu do Fado

“Apesar de ser português, acabei por nunca desenvolver uma grande afinidade pelo fado”, confessa-nos o músico de jazz. No entanto, “nos últimos tempos, a direção mudou ligeiramente e acabei por me ver confrontado por ele (há quem diga que era inevitável). Acima de tudo, o que me mais surpreendeu foi a estreita ligação que existe entre o fado e jazz, e que a minha ingenuidade nunca me permitiu ver, apesar de registos discográficos como Dialogues, que juntam o gigante Charlie Haden com o nosso, não menos impactante, Carlos Paredes.” A exposição Variações para Carlos Paredes, no Museu do Fado, é também “um convite para que me acompanhem aqueles de vocês que ainda não tenham sentido a força incontornável que é o Fado”, afirma.

A Boneca de Kokoschka

Livro de Afonso Cruz
Quetzal

O instrumentista sugere a leitura de A Boneca de Kokoschka, obra recomendada por um familiar num almoço de domingo. “Tendo recentemente terminado Pão Seco, de Mohamed Choukri (fica também a recomendação!), estava, por coincidência, a farejar novas possibilidades.” O livro segue a história de Isaac Dresner, “um jovem judeu que habita numa Alemanhã devastada pela Segunda Grande Guerra e que, depois de ver o seu amigo morrer a tiro, se refugia numa velha loja de pássaros onde, durante os próximos tempos, encarnará a esquizofrenia de Bonifaz Vogel, ensinando-lhe a arte de rezar e a de negociar o preço dos canários”. A Boneca de Kokoschka foi a porta de entrada para o universo de Afonso Cruz, cuja “habilidosa maneira de narrar retrata uma realidade surrealista e não muito distante”. Um livro marcante do ponto de vista do músico, que considera a escrita de Cruz “vibrante e tremendamente irónica”. “Gera uma leitura deliciosa, que certamente permanecerá comigo durante os próximos tempos.”

Monster  

Série de animação de Naoki Urasawa

“Um tipo de media fundamental, profundamente embebido na cultura nipónica são as mangas e as suas versões animadas, os animes”. Fã confesso da cultura asiática, João Próspero sugere “uma série dentro deste estilo que, para mim, será das melhores de todos os tempos”, diz. Trata-se de Monster, “um thriller psicológico a não perder”. A série “conta a história de um cirurgião japonês residente na Alemanha que, apesar de um futuro promissor como diretor de serviço, se vê confrontado com uma série de dilemas esmagadores que o fazem pôr em causa a integridade de toda a humanidade”. A forte relação do compositor com a cultura japonesa está bem presente no seu trabalho: “autores como Murakami, realizadores como Kurosawa, designers de jogos de vídeo como Kojima, são todos fontes de inspiração que orbitam pelo meu universo musical”.

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