Magda Delgado
O brotar de viventes daninhos e outras pragas sagradas

Sem surpresa, porque o insolúvel lhe pertence, o sincretismo cultural dos mitos da antiguidade sobre os princípios e os fins deixa por resolver o destino do corpo do ser-humano no dia em que o infinito se revela. Sobre o dos pervertidos, que sequer atinge o limbo, há de dizer-se que é apodrecido, afogado, queimado, devorado, em círculos infernais ordenados consoante o crime cometido. Sobre o dos virtuosos, há de cintilar no cosmos, já espírito, libertando-se da corporalidade maldita, ou há de perdurar na terra, ainda matéria, saciando-se de monstros originais.
Embora segundo vias distintas, ambas as tradições – a gnóstica e a messiânica – visam a reconciliação do ser-humano com o que lhe é inerente e originário. O dia do fim é profetizado enquanto aquele em que, alegoricamente, o corpo humano retoma, até, o semblante animal. (…)
(…) Isto é, em O brotar de viventes daninhos e outras pragas sagradas, importa mais compreender o problema da história do que procurar a resposta na eternidade, pois o ser-humano é, inexoravelmente, lugar de tensão com o mundo e, sobretudo, consigo, em que a separação entre humano e animal, afinal, tende a anular-se tanto quanto a continuar-se.
Ricardo Escarduça
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