Pedro é quem começa. A poucos metros dela, a partir de uma aresta do quadrado suspenso do chão que compõe a cena, anuncia-lhe que acabou, que não se pode continuar “a adiar eternamente” a decisão de acabar. Gradualmente, o discurso vai-se tornando mais violento, “assassino”, como descreveria o encenador Nuno Gonçalo Rodrigues, que de Final do Amor diz ser, precisamente, “uma peça fria e assassina”.

O texto de Pascal Rambert chegou-lhe por vontade da atriz Inês Pereira. “E ainda bem que assim foi. Sinto um enorme alívio por ter sido ela a sugerir fazê-lo e não eu!”, confessa, apontando o estado de devastação emocional em que tanto a atriz como o seu par, Pedro Caeiro, terminam cada ensaio e, adivinha-se, cada récita.

É que, depois de ele estraçalhar sem contemplações a memória desse amor que já não existe, Inês responde. E não é meiga, longe disso, sobretudo a partir do momento em que vai à mais profunda fealdade de uma tríade de palavras “feias” para lhe anunciar que elas são como que o “retrato de ti no meu coração”. Aqui, “já estamos numa montanha-russa, os atores estão emocionalmente despidos, expostos perante a plateia e, devido ao dispositivo cénico [o tal quadrado suspenso] não têm onde se agarrar. É devastador”.

Chega então o momento de perguntar se haverá razão a assistir cada um deles? E quem ganha esta espécie de duelo derradeiro no “final do amor”? “Durante quase uma hora temos uma pessoa a dizer atrocidades na direção de outra sem que esta tenha algo que a proteja, nem sequer uma parede para se encostar ou uma cadeira para repousar o braço. Depois, isso volta a suceder, mas do outro lado. Portanto, e pelo que vamos percebendo por quem tem vindo a assistir a ensaios, parece ser uma impossibilidade tomar partido por um ou por outro.”

Embora exista essa “impossibilidade de nos posicionarmos, ora porque achamos que ele tem razão e ela está mal, como tão depressa percebemos que ele está a ser bruto e que ela é uma vítima”, Inês e Pedro são personagens onde se reconhece aquilo que o encenador define como “demasiada humanidade”. Perante o desnecessário e a brutalidade, eles são, como tantos outros, um casal em guerra, e como ele lhe lembra, deixando bem claro do que se trata quando o amor dá lugar ao ódio, “a guerra não é uma coisa engraçada”.

Do dramaturgo que escreve para os ‘seus’ atores

Final do Amor (Clôture de l’amour, no original), estreada com grande furor no Festival de Avignon em 2011, foi, à semelhança de quase todas as peças de Pascal Rambert, especificamente escrita para os atores, no caso, Stanislas Nordey e Audrey Bonnet. A relação do dramaturgo e encenador francês com os “seus” atores passa por uma escrita para intérpretes específicos, estando, entre muitos, as notabilizadas Emmanuelle Béart e Marina Hands ou os atores portugueses Beatriz Batarda e Rui Mendes, que protagonizaram, em 2018, Teatro, espetáculo encenado por Rambert no Teatro Nacional D. Maria II.

O texto, que os Artistas Unidos levam agora à cena, foi o que consagrou internacionalmente Rambert, tendo sido encenado em mais de uma dezena de países, dos Estados Unidos à China. Em Portugal, podemos conhecer duas versões: a de Victor de Oliveira, traduzida e interpretada pelo próprio e Gracinda Nave, em 2016; e a de Ivica Buljan, com Pia Zemljič e Marko Mandić, no Festival de Almada em 2018.

A tradução de Victor de Oliveira (publicada nos Livrinhos de Teatro) é, precisamente, a que serve a atual versão. “Procurando manter o mais possível a tradução, fiz sobre ela uma versão cénica que traduz muito da forma obsessiva com que me envolvi neste trabalho”, conta Nuno Gonçalo Rodrigues. “O objetivo foi, sobretudo, manter uma certa ambiguidade, muito presente na versão original em francês, e que em português nem sempre é possível. Acho que o espetáculo precisava disso, mais a mais, sabendo que o texto foi escrito para atores específicos e a Inês e o Pedro o estão a receber com essa desvantagem.”

Deste modo, o encenador sublinha “o intenso trabalho de adaptar ao corpo e à voz de quem agora diz aquelas palavras a tradução do Victor, pensando que tal como a peça original foi escrita para determinados atores, também a tradução foi feita para ser dita, no caso, pelo próprio Victor e pela Gracinda”.

Outro aspeto a que Nuno Gonçalo Rodrigues deu especial atenção foi à dualidade sempre presente no texto deste resvalar de “uma certa poesia, de um registo mais erudito e intelectual, para a maior banalidade, para o corriqueiro e para múltiplos estrangeirismos”. Um dos exemplos que aponta com especial graça é a evocação do mito de Orfeu e Eurídice surgir “de repente, entre um welcome, welcome ao meu mundo“.

Servido por dois atores “absolutamente incansáveis”, que fazem do texto autenticamente seu, Final do Amor prepara-se para arrebatar plateias a partir de dia 9, no Teatro Meridional, mantendo-se em cena até 25 de maio.

Quem nunca teve vontade de arrumar as meias na gaveta sem as dobrar? Quem nunca se esqueceu de devolver o tupperware que trouxe de casa da mãe ou nunca lhe perdeu a tampa? É destes e de outros pormenores que se faz o quotidiano familiar de todos nós – e também da atriz e encenadora Raquel Castro, que os põe agora em palco.

Depois da estreia em 2023, em Tomar, e de ter estado já em vários concelhos do país no âmbito da Odisseia Nacional do Teatro Nacional D. Maria II, o espetáculo As Castro chega à nova Sala Estúdio Valentim de Barros, nos Jardins do Bombarda, onde fica de 8 a 18 de maio. A partir da pesquisa da sua árvore genealógica, Raquel volta a criar uma peça de autoficção, em que, falando de si, fala connosco e, também, de nós.

“Quando decidi fazer a minha árvore genealógica, tive a intuição de que me podia dar pistas para alguma coisa”, começa por dizer. Esse foi o ponto de partida deste espetáculo, em que, na companhia dos atores Sara Inês Gigante, Sara de Castro, Tânia Alves e Tónan Quito, desenrola uma enorme folha de papel com mais de 200 nomes dos seus antepassados. “Queria perceber se o que sou hoje é o reflexo das pessoas que vieram antes de mim e rapidamente entendi que sou mais fruto da minha mãe e da minha avó do que propriamente dos pentavós que tenho”, conta Raquel.

Uma história maior

Em As Castro recua a uma tetravó que se casou com um tio e a uma bisavó que enviuvou e ficou responsável pela Latoaria Ferrão, em Lisboa, olhando a condição feminina das mulheres que vieram antes de si. Mas é sobretudo da relação com as duas ascendentes mais diretas que Raquel fala em palco. Do envelhecimento da avó e dos cuidados que isso implica ao envelhecimento da mãe e àquilo que as afasta e aproxima – tal como dá por si a repetir à filha o que ouviu da mãe ou a discordar dela por terem diferentes formas de encarar a vida (será mesmo preciso dobrar as meias antes de as pôr na gaveta…?). O que se herda, o que se quer mudar, aquilo em que nos revemos ou que recusamos, disso tudo se faz este olhar para trás. “É uma personagem à procura de si própria, enquanto vai desenterrando o passado”, comenta a atriz e encenadora. Um passado feito de algumas surpresas, boas descobertas, algumas feridas e muitas dúvidas.

Recorda Raquel Castro que esta criação acabou por ser atravessada pela realidade dos constrangimentos da pandemia e pela doença da avó. Não foram momentos fáceis, reconhece, mas fazer o espetáculo ajudou-a a geri-los – “escrever este texto apazigua-me”, revela em cena. “Ao mesmo tempo que este trabalho serviu como desculpa para me afastar dessa realidade, foi uma forma de refletir sobre ela e de, na verdade, estar mais próxima dela”, explica.

As Castro constrói pontes entre várias gerações – sejam elas passadas ou futuras. Raquel é bisneta, neta e filha, mas também mãe e, um dia, muito provavelmente, avó, bisavó, trisavó… “Através de histórias muito pessoais, quis que este espetáculo contasse, de alguma forma, uma história maior”, afirma. Em palco, estão as Castro, sim, mas estamos também todas nós e todas as nossas. Com outros apelidos, as Castro somos nós.

Desenhado para famílias e crianças, esta produção da CiM – Companhia de Dança pretende descomplicar e desconstruir a cegueira. “A ideia que esteve na base da criação de Uma Outra Forma foi precisamente mostrar que é possível falar sobre deficiência visual de uma forma leve e prática. Como tal, todo o espetáculo foi construído a partir de perguntas que me foram feitas por crianças em vários momentos da minha vida”, afirma Joana Gomes, criadora e intérprete.

“Além de dar às crianças um lugar para fazer questões, o objetivo de Uma Outra Forma é fazê-las perceber que a cegueira e o braille não são ‘bichos-de-sete-cabeças’; que, de uma forma artística e lúdica, é possível abordar vários temas que, de início, podem parecer pesados e densos”, acrescenta.

O ponto de partida para este espetáculo foi, aliás, a história de vida de Louis Braille, criador do sistema de escrita e leitura tátil para pessoas cegas ou de baixa visão. Assim, numa viagem cheia de dança, fascínio, movimento, letras e palavras, Joana e Maria Inês Costa, cocriadora e intérprete, homenageiam o seu importante contributo para a vida das pessoas com deficiência visual, ao mesmo tempo que ensinam que, mesmo não conseguindo ver nada, é possível ver-se tudo. Basta, para isso, fazê-lo de uma outra forma.

“Tu não vês mesmo nada, Joana?!”

O espetáculo, que conta com dramaturgia de Rosinda Costa, nasceu de um desafio lançado pela Quinta Alegre – Um Teatro em Cada Bairro, com o objetivo de promover o trabalho de artistas com deficiência, numa altura em que Joana “andava com a ideia de criar um projeto sobre a deficiência visual dedicado aos mais novos”.

“Nas vezes em que trabalhei em contexto de sala de aula, percebi que havia muitas dúvidas, que as crianças têm sempre muitas perguntas e que, muitas vezes, não têm um lugar onde possam colocá-las”, diz a criadora, sublinhando que “havendo ausência desse espaço, não ficam devidamente esclarecidas e desenvolvem a impressão de que a cegueira é um tabu”.

No final do espetáculo, que acontece a 10 de maio, às 14 horas, há espaço para interação com o público e as crianças podem também experimentar o braille e esclarecer as suas dúvidas, “sem filtros e sem tabus”.

A entrada é gratuita, mediante reserva de bilhetes para umteatroemcadabairro.corucheus@cm-lisboa.pt.

Depois de ter refletido sobre a solidão em tempo de redes sociais com a peça Glory Hole, Tiago Torres da Silva está de volta ao teatro com o inédito Do outro lado do muro. A peça, que se estreia a 8 de maio no Variedades, conta a história de Rodrigo, um cantor de sucesso que durante um concerto sofre um grave acidente. Confrontado com a irreversibilidade da deficiência motora, o protagonista vai ter de se redescobrir, encontrando na mãe o seu maior suporte. O espetáculo conta com o apoio da Associação Salvador, entidade que promove a inclusão de pessoas com deficiência motora, fundada por Salvador Mendes de Almeida em 2003.

Tiago Torres da Silva é, além de premiado dramaturgo, encenador e escritor, um dos mais profícuos poetas e letristas de fado, tendo sido cantado por vozes tão notáveis como Carminho, Ana Sofia Varela, Ricardo Ribeiro e Camané. Também do outro lado do Atlântico, no Brasil, nomes como Maria Bethânia ou Ney Matogrosso já cantaram a sua poesia.

Moreno Veloso

Teatro Maria Matos, 7 de maio

O talentoso filho de Caetano Veloso apresenta-se mais uma vez em Portugal com a delicadeza e a alegria com que a sua voz doce nos brinda em todos os concertos. 

Eutanasiador

Teatro da Trindade, a partir de 8 de maio

Encenado por Diogo Infante, este texto de Paula Guimarães promete incomodar o público numa interpretação de Sérgio Praia que se prevê antológica.

Nani Medeiros

Fama d’Alfama, 9 de maio

A brasileira mais portuguesa que conheço e dona de um talento incrível apresenta o seu espetáculo onde transita pelo fado e pelo choro com a mesma naturalidade. Além disso, no Fama d’Alfama janta-se maravilhosamente.

Final do Amor

Teatro Meridional, a partir de 9 de maio

O texto de Pascal Rambert ganha encenação de Nuno Gonçalo Rodrigues e isso já é razão mais que suficiente para que eu não queira perder este espetáculo porque o Nuno é um artista que me inspira e incomoda.

Todos queremos uma casa para os Artistas Unidos.

Festival Indielisboa

Até 11 de maio

Na programação do Indielisboa não posso deixar de destacar o documentário Memórias do Teatro da Cornucópia [filme de Solveig Nordlund], no dia 11, às 18h30, na Culturgest. É como se estivessem a mostrar-me a minha juventude.

Formada em Filosofia, foi como professora dessa disciplina que Ana Santos começou a sua atividade profissional. No entanto, não demorou muito a render-se às bibliotecas. Primeiro, em Oeiras, depois em Marvila e, desde 2018, como coordenadora em Alcântara. “Sempre me interessou a dinâmica comunitária de tornar as bibliotecas centros culturais de proximidade. E, aqui, também a ideia de pensar como se cria, num edifício de finais do século XIX, uma biblioteca para os dias de hoje.”

Biblioteca de Alcântara – José Dias Coelho

É quase impossível enumerar todas as atividades que acontecem nesta biblioteca municipal, entre exposições, concertos, oficinas, apresentações do grupo de teatro comunitário e do coro infantil, sessões de cinema e de poesia, residências artísticas, aulas de ioga, noites de quiz, visitas de escolas… um quase sem fim de programas que atraem residentes do bairro e não só. “Aqui, leva-se muito a sério o lema ‘as pessoas fazem a biblioteca’. Logo antes de abrir, fizemos processos de auscultação e de envolvimento da comunidade”, conta a coordenadora Ana Santos.

Instalada no antigo Palacete Burnay (Prémio Valmor, pela sua requalificação, em 2020), foi recentemente batizada como Biblioteca de Alcântara – José Dias Coelho, em tributo ao artista plástico comunista assassinado pela PIDE, em 1961, na rua que tem também o seu nome, e vem-se afirmando como uma casa de “homenagem a todos os que lutaram e ainda lutam pela democracia”.

Sublinha Ana Santos: “A ideia da Rede BLX – Bibliotecas de Lisboa é que estas sejam centros culturais de proximidade e não armazéns de livros. As pessoas precisam de espaços, não só para ler e estudar, mas para criar, viver e socializar. As bibliotecas devem ser democráticas e inclusivas. Num tempo em que o associativismo se vem perdendo, que possam ser também espaço de acolhimento”. Em Alcântara, mantém-se esse espírito num lugar onde, como aponta a sua coordenadora, existe uma equipa “muito apaixonada por aquilo que faz e muito entusiasta da missão da biblioteca pública como uma porta local de acesso à cultura e um pilar da construção de igualdade de oportunidades”.

Os locais de Alcântara

Jardim Avelar Brotero (Jardim do Alto de Santo Amaro)

Rua Filinto Elísio

Construído no início do século XX, deve o seu nome a Félix de Avelar (1744-1828), um dos mais importantes botânicos do seu tempo, que foi também diretor do Real Museu e do Jardim Botânico da Ajuda, lente da Universidade de Coimbra e deputado. “É um sítio muito bonito, onde se está muito tranquilamente. Tem um quiosque onde se pode comer, tomar um café ou ficar a ler um livro.” O jardim tem, ainda, um parque infantil e uma zona de mesas e cadeiras mesmo a pedir jogos de cartas.

Café Dias

Rua Pedro Calmon, 3B / 913 218 487

Um café de bairro que se tornou ponto de encontro obrigatório. Para tomar uma bica ou comer, mas também para muito mais do que isso: conviver, ouvir música ou poesia ou até ver um filme. “É um sítio muito especial, daqueles que, sendo muito frequentado pelas pessoas daqui, atrai gente de fora – sobretudo quem sabe que há sempre jazz às quintas-feiras e agora poesia às segundas”, descreve Ana Santos. Um “lugar de afetos”, como muitos lhes chamam, e um lugar de cultura.

Gare Marítima de Alcântara

Doca de Alcântara / 213 611 000

Diz-se que Duarte Pacheco, ministro das obras públicas de Salazar, terá descrito como “mamarrachos” os painéis de Almada Negreiros, instalados no vestíbulo central do edifício de Pardal Monteiro, aquando da sua inauguração em 1943. Hoje não há como não lhes reconhecer o valor e é por eles que Ana Santos elege esta como uma visita obrigatória. A nascente, o tríptico Quem não viu Lisboa não viu coisa boa, retrato da cidade ribeirinha; a poente, o tríptico Lá vem a Nau Catrineta que traz muito que contar; e, ainda, duas pinturas, uma delas alusiva ao Milagre de D. Fuas Roupinho.

Ler Devagar

LX Factory, R. Rodrigues de Faria, 103 – G 0.3 / 213 259 992

Considerada uma das mais bonitas livrarias do mundo, a Ler Devagar mantém-se uma resistente na LX Factory. Além do seu vasto espólio de livros novos e usados, acontecem ali lançamentos de livros, concertos, debates e muitos encontros culturais. “Continua a ser uma referência e é um espaço muito bonito também. Uma livraria especial.”

Capela de Santo Amaro

Calçada de Santo Amaro, 21

Vale a pena a subida para apreciar esta capela de 1549 – quer pela sua arquitetura de planta circular, quer pelos azulejos policromados alusivos a Santo Amaro, em tons de azul, verde, amarelo e branco, que cobrem as paredes da galilé. “É belíssima e tem uma vista magnífica sobre a cidade”, lembra a coordenadora da Biblioteca de Alcântara. Dali, consegue ver-se o rio Tejo, a ponte que o atravessa e o Cristo Rei na outra margem.

Sociedade Promotora de Educação Popular

Largo das Fontaínhas, 19 / 213 637 189

Fundada em 1904 e ainda a funcionar como escola, a Promotora teve um papel fundamental na defesa de uma “educação livre, laica e democrática”, valores que tem defendido ao longo da sua existência. “Um sítio que merece ser conhecido pela sua história e porque acaba por ser um símbolo da República aqui na cidade de Lisboa.”

Quimera Brewpub

Rua Prior do Crato, 6 / 917 070 021

“Conheci este bar de cerveja artesanal há dois anos e fiquei deslumbrada. Fica num túnel do século XVIII, que era a passagem da cavalaria real para o Palácio das Necessidades e era também onde os maçons organizavam faustosos jantares. Podemos ir lá fazer uma visita histórica, petiscar e beber um copo”, diz Ana Santos sobre este restaurante que tem, muitas vezes, música ao vivo.

São ambos do signo Gémeos. Que outras coincidências partilham?

Luca Argel: Nascemos quase no mesmo dia. Eu sou de 5 de junho e a Filipe de dia 6.

Filipe Sambado: Penso que de feitio não somos muito parecidas no imediato, mas temos uma coisa em comum – uma timidez aparente no primeiro contacto.

Sol em Gémeos é o nome do espetáculo que levam ao CCB este mês. Foi difícil fazer o alinhamento?

L.A.: Foi difícil no sentido de fazer a melhor combinação possível, porque há muitas possibilidades. Não é só escolher as músicas mais interessantes, mas sim as que vão soar melhor umas com as outras e que podem soar bem com as duas vozes juntas. Esse foi o grande desafio. Desta vez, a gente também vai tocar com uma banda, o que vai dar outra dimensão ao espetáculo. O nosso concerto no Festival Felicidade foi só voz e guitarra, acabou sendo um pouco a extensão da sala de ensaios. Este espetáculo vai ter mais camadas de produção e de som. Vamos poder chegar mais longe na intensidade das músicas, com a banda por trás, e explorar esse universo um pouco mais.

F.S.: Acho que as canções vão ser uma parte muito importante desta união, porque a banda vai permitir criar uma roupagem que é mais coerente e que dá um fio condutor ao concerto. As músicas não precisam de ter obrigatoriamente a mesma energia que têm nos discos. Já estamos numa fase em que as canções têm uma vida própria, já são das pessoas, não nos pertencem.

Esta não é a primeira vez que tocam juntos…

L.A.: Não nos conhecíamos pessoalmente, foi o festival que proporcionou esse encontro.

F.S.: Houve uma satisfação natural por estarmos a trabalhar em conjunto, as coisas correram de forma bastante amena e calorosa. Nunca tivemos a oportunidade de criar em conjunto e a criação tem um nível de trabalho diferente. Aqui, é um trabalho de respeito, de estarmos a trabalhar as canções da outra pessoa. Os processos de criação têm um estímulo que também é muito interessante, mas mais violento emocionalmente.

Quando compõem, têm em mente uma mensagem política?

L.A.: Essa preocupação de ter um conteúdo político ou não, ou se eu quero uma música mais tranquila, ou mais agitada, são coisas que nos vão na alma. O principal é  mantermos o compromisso com a nossa identidade, com as nossas posições, com aquilo em que acreditamos. E depois é o trabalho artístico de dar forma a esses sentimentos.

F.S.: A minha música às vezes leva com o rótulo de ser política, mas há um ativismo natural quando o assunto é mais identitário: no caso do Luca como imigrante, no meu caso como pessoa não-binária. São corpos sempre um pouco políticos. Até quando faço uma canção de amor, há um lado bastante político nisso, porque há um entendimento do que é esta ideia de género no amor também. Acordar todos os dias e ver gente a dormir em caixotes gera-me sempre algum tipo de angústia. Ou ir levar a minha filha Celeste à escola e pensar na forma como estou a ser tratada. Há coisas que são mais sociais, outras mais individuais, mas todas fazem parte de quem somos.

L.A.: O mundo é que nos coloca nesse lugar politizado quando vai contra direitos básicos, dignidade, compreensão, tolerância… Não recuar, não dar um passo atrás ou não se calar perante estas coisas é que deveria ser o natural.

Costumam receber feedback sobre o impacto da vossa música?

L.A.: Tive muito feedback de imigrantes com a música que fiz para o Festival da Canção, Quem foi?. Nem eram necessariamente queixas sobre violência, xenofobia ou falta de oportunidades. Eram mais sobre solidão, que é uma dimensão que, quando escrevi a música, nem me ocorreu muito. Estava pensando no preconceito mais visível, mas há  um lado de sofrimento invisível na experiência do imigrante. Ele não se sente amado, acolhido, não se sente uma pessoa com quem os outros querem estar e partilhar a vida, e isso é um sentimento de solidão muito profundo. Muitas pessoas, ao ouvirem a música, vieram-me dizer que aquilo ajudou, confortou essa solidão.

F.S.: É muito bom poder ajudar outras pessoas, fico contente quando isso acontece. De uma perspetiva mais filosófica, a ideia da poesia é essencialmente a de vermos explicadas coisas que não conseguimos explicar por palavras nossas. Há um momento de inteligibilidade epifânica em que dizemos: “era isto que eu estava a sentir, foi por isto que passei”. Isso é a coisa mais forte que a poesia tem no imediato.

“Há um ativismo natural quando o assunto é mais identitário”

Compor é emocionalmente duro?

F.S.: Compor, para mim, é o momento de maior satisfação do processo musical. Há partes muito matemáticas e muito científicas, mas há um momento, em termos  emocionais, em que parece que a musa entra dentro de nós e a excitação é tanta que só se compara a emoções muito próximas da paixão. Perdes o apetite, ficas a fazer a mesma coisa repetidamente, esqueces a hora.

Como funciona esse processo?

L.A.: Quando tenho uma ideia que acho que tem muito potencial, tomo nota na hora, porque sei que as coisas escapam. Já experimentei escrever músicas de muitas formas. O que gosto mais é quando o processo é lúdico, divertido, quando parece um jogo, em que estou tentando puxar um fio daqui e dali, trocando a ordem. De repente, acho que  terminou, mas no dia seguinte surge uma solução melhor do que tinha encontrado antes. Esse jogo é superexcitante, mas não sinto um alívio, como se me saísse um peso de cima.

F.S.: No processo de composição, muitas vezes o peso vem depois da canção sair. Há certos assuntos que nos atiram para a boca do lobo.

Preocupam-se com o facto de a mensagem sair do vosso controlo quando a música é lançada?

F.S.: Não é a sociedade que me preocupa, porque é com ela que quero conversar. O meu maior filtro são os meus pais, que se calhar vão perceber algumas coisas que possam não ter percebido noutras alturas. É um diálogo que tem de ser muito bem feito para poder ter essa liberdade criativa. Há coisas muito bonitas de serem faladas, mas que podem causar alguma dor em pessoas de quem gostamos. Os filtros que tenho são do meu seio mais próximo: os meus pais, a Cecília, a Celeste. Será que quero dizer certas coisas, falar sobre assuntos como drogas e consumo (que é um assunto que já abordei em várias músicas)?

L.A.: Enquanto artistas, temos uma ferramenta que gosto muito de usar, que é o ‘eu lírico’. Quando cantamos, emprestamos a nossa voz para as palavras. Aquilo não é necessariamente um reflexo de quem somos. Isso é uma coisa, às vezes, difícil de fazer entender. As pessoas acham que a nossa obra, que as nossas letras, que a nossa identidade artística equivale a nós próprios enquanto seres humanos. Não é que sejam coisas completamente apartadas, é claro que não, mas o artista é uma construção que a gente faz. Ele tem um pouco de nós, mas não é inteiramente igual ao que nós somos. É um espaço em que a gente pode experimentar vestir uma roupa que não é a nossa, quase como uma personagem.

O que andam a ouvir?

F.S.: Tenho ouvido Kali Uchis, Kilo Kish, Tixa (uma nova voz da música portuguesa). Também tenho ouvido o disco do Romeu Bairos, Romê das Fürnas. Gostei muito do disco Pastoral, da Emmy Curl.

L.A.: O último disco que ouvi e que gostei muito foi da Capicua, Um gelado antes do fim do mundo. E quero ouvir umas coisas novas que saíram no Brasil, como o disco da Josyara.

Fernando Pinto do Amaral

Contos Suicidas

Uma pecadora compulsiva, um ator do Método, uma cardiologista sem coração, um professor de filosofia incendiário, uma avó e uma neta que estabelecem um pacto de sangue na noite de Natal, um provocador artista plástico subjugado pela voragem sexual, um alfarrabista misantropo, um homem que alimenta uma paixão carnal pelas línguas. O que une personagens aparentemente tão distintas? A resposta encontra-se na mais recente obra de Fernando Pinto Amaral, um regresso ao conto quase 20 anos depois de Área de Serviço e Outras Histórias de Amor. Um mergulho num mundo interior de sombras marcado pela solidão, incomunicabilidade, amargura, ressentimento, remorso, ódio, raiva vingança, depressão e pelo suicídio, claro. Lá fora, um mundo que nem sempre vale a pena viver: guerras, epidemia, cidades poluídas e inabitáveis, pobreza, elites de bilionários, ganância do mercado, crueldade para com os velhos… A orquestrar tudo isto, um inequívoco talento narrativo apto a condensar a verdade interior dos personagens e evocar ambientes e atmosferas em poucas páginas. O autor brinca com essa capacidade logo no início do primeiro conto, escrevendo: “Esta história tem mais de cem anos, mas demora menos tempo a contar”. LAE Dom Quixote

António Jorge Gonçalves e Ondjaki

O Tempo do Cão

António Jorge Gonçalves e Ondjaki criaram em conjunto um dos mais belos livros da recente literatura de expressão portuguesa: Uma Escuridão Bonita, Prémio Nacional de Ilustração 2013. A novela gráfica para todas as idades, O Tempo do Cão, volta a juntá-los. Da primeira obra mantém-se a ideia de um fundo escuro (que evoca uma noite brilhante no Lago Tanganica) e das ilustrações em branco. Neste novo trabalho elas surgem rápidas, com uma impressiva marca gestual, como se tentassem com urgência captar um momento fugidio: o encontro e a separação de um homem e de um cão por entre as balas, o voo rasante dos helicópteros e das casas incendiadas. O clima é obviamente o da guerra, e por aqui afloram os temas inevitáveis da fome, da destruição e do medo. Contudo, os autores escolhem centrar-se na fábula da amizade apta a transformar a incandescência das balas em estrelas, o voo dos helicópteros em pássaros e o clarão das casas que ardem em fogo de artifício. De repente, evocando a memória da música, da dança e dos ritmos de Cuba, as ilustrações aproximam-se das técnicas tradicionais das xilogravuras latino-americanas. Esta história tocante, escrita a duas vozes – a do guerrilheiro e a do cão que “queria tanto saber falar” -, confirma o extraordinário talento desta dupla de autores: a singular capacidade de aliar a beleza poética de um texto a ilustrações que recusam o referente das palavras, para irem além delas. LAE Caminho

Georges Simenon

A Neve Estava Suja

Georges Simenon (1903-1989) foi um dos raros escritores que conheceu simultaneamente, os favores da crítica especializada, dos seus pares (como Gide, Faulkner ou Cocteau) e do público leitor. Produziu 425 obras literárias, vendendo mais de 600 milhões de cópias pelo mundo fora. Porém, a sua fama e popularidade repousam na série policial protagonizada pelo comissario Maigret. Contrariamente a Holmes ou Poirot, Maigret não possui poderes sobrenaturais de dedução, o que o torna mais humano e credível. É um inspetor que faz o seu trabalho de investigação zelosa e pacientemente, mediante uma cuidada análise psicológica dos suspeitos e um estudo aprimorado do meio sociológico em que ocorreu o crime. A Neve Estava Suja não pertence a essa série, mas apresenta o mesmo apuro psicológico e sociológico. Durante a ocupação, numa zona miserável e sórdida da cidade, Frank, um jovem de 19 anos, vive com a mãe, que dirige um bordel clandestino. Um dia mata um suboficial do exército ocupante, crime acidentalmente testemunhado por um vizinho com quem estabelece uma relação obsessiva, “um jogo” que desafia o destino “de manhã à noite”. Trata-se de um intenso romance psicológico que tem Crime e Castigo, de Dostoiévski, ou, no domínio literatura francesa, Thérèse Raquin, de Zola, como ascendentes diretos. LAE Cavalo de Ferro

Enzo Traverso

Gaza Perante a História

A partir de 7 de outubro de 2023, data do massacre perpetrado pelo Hamas em Israel, o establishment ocidental (ou seja, a generalidade dos Estados e media) concebeu uma narrativa em que foi “o súbito aparecimento do mal que desencadeou uma guerra de reparação”, no caso, perpetrada pela vítima (o Estado de Israel) contra o agressor (o Hamas). “Naquele dia, o contador recomeçou do zero”, fazendo parecer legítima a fúria da sofisticada máquina de guerra do regime de Benjamin Netanyahu abatendo-se sobre os mais de dois milhões de palestinianos da Faixa de Gaza. Na linha das declarações proferidas por António Guterres, secretário-geral da ONU, considerando que os ataques do Hamas “não surgiram do nada”, em Gaza Perante a História, Enzo Traverso desmonta a narrativa, considerando que o grupo islamista e nacionalista palestiniano recorreu a “meios inapropriados e repreensíveis”, mas que não podem ser dissociados “de décadas de ocupação, colonização, opressão e humilhação”. Neste ensaio breve, escrito como diria Sartre “en situation”, logo, “sem procurar ocultar os sentimentos de espanto, incredulidade, desânimo e raiva” perante a destruição de Gaza, o investigador e académico italiano, professor de História na Universidade de Cornell, reivindica o direito do povo palestiniano ao reconhecimento histórico, denunciando frontalmente o papel conivente e cúmplice do Ocidente (com particular enfase na Alemanha que, ainda em processo de expiação da culpa, “se apresenta como uma inimiga inflexível do antissemitismo”, que estrategicamente usa como “arma de arremesso contra os imigrantes e as minorias associadas ao islamismo”) para com a política expansionista e genocida de Israel. FB Antígona

Pauline Delabroy-Allard

Tudo Isto É Sarah

Entrevistada para a Fondation La Poste, que lhe atribuiu um prémio por este romance de estreia, Pauline Delabroy-Allard afirmou concordar com a formulação de António Lobo Antunes quando disse, “escrever é o modo como se escreve”, secundarizando a importância do enredo. A autora reconhece que a intriga em Tudo Isto É Sarah é algo que já vimos relatado muitas vezes: a história de um amor louco (aqui entre duas mulheres), que uma vez terminado conduz à alienação e finalmente à destruição da protagonista. O livro está organizado num prólogo e duas partes, representando os ritmos contrastantes de uma história de amor obsessiva e sôfrega, onde as amantes correm para os braços uma da outra, e em que a palavra mais usada é “ela”, ela e sempre ela, no início de frases curtas que marcam a atração crescente da narradora por uma jovem violinista, Sarah, que lhe é apresentada numa festa de fim de ano; e, mais tarde a fuga (rumo à imobilidade) à realidade que permanece para lá da possibilidade de Sarah nela existir. Pauline Delabroy-Allard tem sido comparada a Annie Ernaux (Prémio Nobel da Literatura em 2022), pelo caráter autêntico de uma escrita da intimidade. RG Alfaguara

André Bazin

O que é o Cinema?

André Bazin (1918-1958), um dos elementos fundadores da célebre revista de crítica Cahiers du Cinéma, está entre os principais teóricos da sétima arte no século XX, sendo esta súmula dos seus escritos uma obra de referência para todos os que se interessam por pensar sobre o que constitui a especificidade da linguagem cinematográfica. De uma série de quatro volumes publicados entre 1958 e 1962, o autor produziu esta seleção de escritos nos quais encontrou maior interesse retrospetivo. Bazin relaciona o cinema com a fotografia, o teatro e a literatura, e debruça-se sobre aquilo que individualiza o cinema da escola soviética, o neorealismo italiano, e o western norte-americano. As suas análises formaram uma espécie de consciência cinematográfica que se alastrou a toda uma geração de críticos e realizadores. Bazin distinguia entre os cineastas da imagem e os da realidade, demarcação que ainda hoje observamos ser mais dominante, alternadamente, nuns filmes e noutros. As muitas indagações presentes neste O que é o cinema? constituem o enunciar de interrogações que Bazin levantou a si mesmo e que nos põe ainda hoje a pensar em conceitos estruturantes da arte cinematográfica. RG Bookbuilders

Poesia, Substantivo Feminino

Manuel Alberto Valente, o organizador desta antologia, pretende oferecer um panorama abrangente do que é hoje a poesia portuguesa escrita por mulheres nascidas depois do 25 de Abril de 1974, sem o qual, em sua opinião, alguma desta poesia dificilmente existiria. Com ela procura materializar a sua convicção de que a qualidade média da poesia escrita por estas mulheres “é, em linhas gerais, superior à escrita por homens nascidos no mesmo período histórico”. Na poesia destas 25 poetas, nascidas entre os anos de 1974 e 1997, são tão diferentes as vozes quanto os temas tratados. Alguns mais próximos do universo tradicionalmente associado à sensibilidade feminina: a condição da mulher, o corpo, a experiência da maternidade, a evocação da figura materna. Outros de natureza mais geral: a memória da infância, o amor, a morte, a História, a guerra, o colonialismo, a reflexão sobre a natureza da linguagem e da própria poesia. Mas também, e diretamente associado ao propósito deste volume, o tema da liberdade e da vivência transformadora do 25 de Abril, essas “flores de revolução” (Sara Duarte Brandão) que permitiram às mulheres abandonar “um jeito quase póstumo de existir” (Inês Dias). LAE Dom Quixote

Jeff Wall

Escritos de Arte

Até ao próximo dia 1 de setembro, o MAAT apresenta a primeira exposição individual de Jeff Wall (n. 1946) em Portugal e uma das mais extensas dos seus 40 anos de trabalho. Nascido em Vancouver, Canadá, começou a trabalhar em fotografia nos anos de 1970 explorando as suas articulações com a pintura, a literatura, o teatro e o cinema, que entende como outros modos de representação e ficção da realidade. Produzido no âmbito da exposição, este livro reúne treze ensaios, escritos entre 1982 e 2010. Crítica e reflexiva, a sua escrita propõe um diálogo abrangente entre áreas distintas, da pintura ao cinema, da arquitetura à instalação, e reflete sobre influências e transições artísticas, os limites e possibilidades da fotografia ou o papel da Arte enquanto campo de reflexão e interpelação cultural, social e política. A publicação dá a conhecer alguns dos textos mais significativos de uma das maiores figuras contemporâneas das artes visuais, que escreve sobre a sua obra: “O meu trabalho baseia-se na representação do corpo. (…) As pequenas ações contraídas, os movimentos corporais involuntariamente expressivos que tão bem se prestam à fotografia, são aquilo que resta na vida quotidiana da ideia antiga de gesto enquanto forma corpórea e pictórica da consciência histórica.” LAE Orfeu Negro

O alerta está dado: há muitos espetáculos do FIMFA prestes a esgotar e, como espectador precavido vale por mil, decidimos antecipar Os dias dos nossos convidados Rute Ribeiro e Luís Vieira, desafiando-os a fazer escolhas difíceis. Ou seja, aos diretores artísticos do Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas pedimos que elegessem seis espetáculos  imperdíveis, naquela que será uma edição histórica pelos 25 anos de vida do maior festival dedicado à marioneta contemporânea que se realiza na capital.

À margem, como dica, lembramos que a companhia dirigida por Rute e Luís, A Tarumba, apresenta no festival a mais recente criação Dramas Curtos em Miniatura. Entre Edward Gordon Craig e Mário Henrique-Leiria, preparemo-nos para uma aventura em “ambiente tropical e surrealista”, onde não faltarão chupa-chupas e flamingos, nem sequer feras ferozes em pelúcia.

©Tomas Lauvland Pettersen

Uma Casa de Bonecas
Plexus Polaire (França-Noruega)

São Luiz Teatro Municipal, 8 a 11 de maio

Depois de, em 2021, terem maravilhado o público do FIMFA com Moby Dick, os Plexus Polaire de Yngvild Aspeli abrem a 25.ª edição do festival com uma revisitação original e perturbadora da obra-prima do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, Casa de Bonecas. “Trata-se de um olhar muito pessoal da Yngvild” sobre a obra do seu conterrâneo, explica Rute, sublinhando que são apenas dois atores-manipuladores em palco (incluindo a própria Yngvild) “a fazer mexer os dispositivos que ela inventou para animar todas as marionetas, incluindo uma aranha gigante”. Para Luís, Uma Casa de Bonecas é “um espetáculo muito especial, onde as inquietações de Nora [a protagonista] vão surgir aos nossos olhos através de marionetas extraordinárias que proporcionam visões absolutamente incríveis”. Um espetáculo que confirma aquilo que já se sabe de Yngvild Aspeli: “ela é uma das grandes mestras desta arte”. Não esquecer: a criadora norueguesa realiza uma masterclass a 10 de maio, destinada a profissionais e curiosos de todas as áreas, onde poderemos ficar a saber mais sobre os seus métodos de trabalho e pesquisa artística (inscrições já abertas).

©Oligor Y Microscopía

Agencia El Solar. Detectives de Objetos
Shaday Larios, Jomi Oligor & Xavier Bobés (México-Espanha)

Teatro do Bairro, 16 a 18 de maio

Jomi Oligor é “um velho amigo do FIMFA”, festival onde amiúde vem marcando presença desde 2005. Ao lado da mexicana Shaday Larios e de Xavier Bobés, Oligor volta a vestir a pele de detetive de objetos e apresenta, em estreia absoluta em Lisboa, “uma instalação e conferência performativa de teatro de objetos documental comunitário”. “É um projeto incrível porque, como qualquer detetive, eles resolvem casos”, explica Rute. Em Agencia El Solar. Detectives de Objetos, o trio apresenta oito casos resolvidos em Espanha “sobre memória, território e comunidade”. Como exemplo, “o de uma carpintaria em Girona, prestes a ser encerrada, que pertenceu a quatro gerações de uma mesma família. Naquele sítio, nada tinha sido deitado fora, desde papéis a objetos. E ainda conseguiram descobrir que, há mais de cem anos, aquela carpintaria havia sido um teatro”.

©Lorenza Daverio

A Sagração da Primavera
Dewey Dell (Itália)

Teatro Variedades, 22 a 24 de maio

Rute e Luís são perentórios: “pela plasticidade, pela imaginação, pela criatividade, este é um dos espetáculos mais fantásticos que vimos nos últimos anos”. Inspirando-se na história da arte e no comportamento animal, a companhia Dewey Dell, de Teodora, Agata e Demetrio Castellucci, filhos do dramaturgo e encenador italiano Romeo Castellucci, oferece um festim visual e sonoro único, passado no reino dos insetos. “Há muito que procurávamos trazer esta companhia ao FIMFA e, por fim, conseguimos”, congratula-se Rute. “O palco do Variedades vai ser transformado numa gruta onde se revela um olhar completamente novo sobre a música de Stravinsky. Diria ser toda a graça da primavera no mundo dos insetos”, sublinha Luís. Como curiosidade, Rute revela uma surpresa: “ao longo do espetáculo, todos vamos ficar a pensar que os bailarinos têm mais de dois metros de altura… Mas é apenas uma ilusão, como verão no final”.

Antichambre
Stereoptick (França)

São Luiz Teatro Municipal, 24 e 25 de maio

Podemos resumir Antichambre como “uma espécie de recriação do universo da criação artística”. Neste espetáculo “tudo é produzido ao vivo, desde os desenhos à animação de objetos. No fundo, em palco é reproduzido o ambiente de trabalho dos artistas”, conta Luís. “À nossa frente, vão testando novas técnicas que, no final, tudo combinado, resultam num poético pequeno filme de animação”. Antes do desfecho, “verdadeiramente fantástico”, assegura Luís, “vamos descobrir os muitos segredos de que se faz um espetáculo, as muitas coisas a que raramente temos acesso”. Imperdível para quem sempre desejou estar, ao mesmo tempo, “na oficina e no palco e descobrir como tudo se faz”.

Nano Steps
Trial & Theatre (Finlândia)

Teatro do Bairro, 27 e 28 de maio

Sejam bem-vindos ao teatro mais pequeno do mundo! Nano Steps – Into the Lab, dos finlandeses Trial&Theatre, combina com criatividade e engenho teatro de objetos e ciência de um modo nunca visto. Neste espetáculo absolutamente singular, são as micropartículas as marionetas capazes de maravilhar plateias. Como refere Luís, “em Nano Steps vamos perceber que os manipuladores de marionetas têm mais em comum com os físicos do que podemos imaginar”.

©Sarah Vanheuverzwijn

Us
Company Midnight (Bélgica)

Teatro do Bairro, 30 de maio a 1 de junho

“Digamos que este é, literalmente, um espetáculo no fio da navalha”, ironiza Luís perante a proposta que a Company Midnight apresenta nos últimos dias do FIMFA. O malabarista Joris Verbeeren e o acrobata Simone Scaini habitam “uma oficina onde existem todo o tipo de objetos do quotidiano, aos quais dão usos inesperados. Sobre eles está uma estrutura com, precisamente, cem facas”. Asseguram os diretores do festival que Us se revela “um daqueles espetáculos que nos faz rir à gargalhada e é do mais bem feito, do mais impressionante e surpreendente que temos visto. E é mesmo super divertido”.

Entre a Alameda dos Oceanos e a Doca dos Olivais, naquele que foi outrora o coração da Expo’98, o Pavilhão de Portugal, com a sua imponente pala de betão, renasce e “abre portas à cidade e ao mundo”, como faz questão de enfatizar o Professor Luís Ferreira. É com entusiasmo e orgulho que o reitor da Universidade de Lisboa (ULisboa), entidade que desde agosto de 2015 passou a integrar o emblemático imóvel no seu património, vê concluídas as obras de requalificação que, após múltiplas vicissitudes, resgatam de um incompreensível abandono uma das mais notáveis peças da arquitetura contemporânea portuguesa.

Projetado por Álvaro Siza Vieira, Prémio Pritzker de Arquitetura em 1992, o edifício foi concebido para albergar a representação do país anfitrião na Exposição Internacional de Lisboa. Embora tenha sido distinguido em 1998 com o Prémio Valmor e classificado como Monumento de Interesse Público, ao longo de quase 27 anos o Pavilhão de Portugal debateu-se com um errático destino, entre a indefinição funcional e os entraves burocráticos, chegando mesmo a ser apontado como um mero mono plantado “num dos sítios mais bonitos de Lisboa”. Conta o reitor da ULisboa que, desanimado pela degradação e pela dúvida quanto ao uso do edifício, o próprio Álvaro Siza chegou mesmo a sugerir a sua demolição. Felizmente, lembra o atual reitor, o seu antecessor, “o Professor António Cruz Serra defendeu desde sempre que este edifício não poderia estar aqui a apodrecer. E algo tinha mesmo de ser feito.”

O país, a cultura e a língua portuguesa

Meticulosamente acompanhada pelo ateliê de Álvaro Siza, a reabilitação dos seis mil metros quadrados do edifício revelam em toda a sua magnificência “a obra de um grande arquiteto a pensar tudo ao pormenor”. Luís Ferreira destaca o magnífico soalho em madeira Riga Nova proveniente do Tartaristão, “que devido à guerra na Ucrânia foi complicado fazer chegar a Portugal”, os candeeiros e os tetos desenhados pelo próprio Siza ou “as sete camadas das paredes que garantem em todos os espaços uma acústica perfeita”. Tudo isto, em conjunto com o respeito pela integridade do projeto original, tornam o Pavilhão de Portugal um espaço moderno, amplo e luminoso, que tem como ponto vital o Centro de Congressos, com um auditório polivalente, duas salas multiusos e outras quatro paralelas.

“Pretendemos que este extraordinário edifício seja uma montra de Lisboa e de Portugal”, com uma programação que privilegie não só a ciência, como a cultura e a língua portuguesa. Ao mesmo tempo, e pelas suas novas valências, o Pavilhão de Portugal passa também a ser um polo de afirmação internacional da ULisboa enquanto instituição de ensino de excelência, “distinguida entre as 200 melhores universidades do mundo”, como lembra o reitor da instituição.

Vencidas assim incontáveis tormentas, a ULisboa consegue, finalmente, reabrir ao público o Pavilhão de Portugal a 1 de maio, um dia após a inauguração oficial, que inclui o primeiro Concerto à Pala. Agendado para 30 de abril, a partir das 21 horas, o palco pertence à jovem cantautora Milhanas, e abre uma programação regular de concertos de entrada livre sob a pala de betão que cobre a Praça Cerimonial do edifício.

Camões, pois claro…

E de que melhor modo se poderia assinalar a reabertura do Pavilhão de Portugal, e dar mote à sua nova vida, senão com “uma evocação contemporânea” de Camões? A inaugurar o Centro de Exposições, Meu matalote e amigo Luís de Camões, ou onde a lírica camoniana e os grandes eixos narrativos de Os Lusíadas se encontram com a pintura, a escultura e a fotografia contemporânea, naquilo que Luís Ferreira considera “um apelo aos sentidos”. Acrescenta o reitor que, “ao contrário de outras exposições no âmbito dos 500 anos do nascimento de Camões, esta não se destina apenas aos entendidos, mas, pelo seu diálogo inovador, a todos os públicos, nomeadamente àqueles jovens que pensam não gostar de Os Lusíadas.”

Ainda sob a égide do poeta, a 9 de maio pelas 21 horas, o magnífico auditório do Pavilhão de Portugal, com 620 lugares distribuídos por duas plateias e balcões em espelho, recebe o concerto Camões na eternidade do tempo. Inserido na Temporada Darcos, o concerto conta com a participação da soprano Ana Quintans e do ator Victor d’Andrade. A interpretação musical é do Ensemble Darcos, dirigido pelo maestro Nuno Côrte-Real.

Na data em que se assinalam 27 anos da abertura da Expo’98, a 22 de maio, é inaugurada a Biblioteca Mega Ferreira. Instalada no torreão do Pavilhão de Portugal, este novo equipamento, integrado na Rede Municipal de Bibliotecas, reúne o espólio do escritor e antigo comissário da exposição de Lisboa.

Nesse mesmo dia, é também inaugurado o Centro Interpretativo do Parque das Nações e entra em funcionamento o novo espaço de estudos da ULisboa. À semelhança do Caleidoscópio e do Arco do Cego, este é mais um espaço “destinado a todos os estudantes da cidade”, aberto 24 horas por dia e com capacidade para cerca de 70 utentes.

Nos próximos meses, entre outras atividades e eventos, o Pavilhão de Portugal irá receber um congresso internacional de arquitetura e a exposição evocativa do centenário de Mário Soares. Se ficou curioso em visitar os espaços públicos e os bastidores do edifício na perspetiva da história e da arquitetura, anote que, a 10 e 11 de maio, o Pavilhão de Portugal integrará a Open House Lisboa.

Depois de já ter sido dirigido por Sérgio Graciano em O Protagonista (2019), O Som que desce da Terra (2021) e Homens de Honra (2023), Romeu Vala volta a trabalhar com o realizador em Camarada Cunhal. No ano em que se assinalam duas décadas sobre a morte de Álvaro Cunhal (1913-2005), o político e escritor que dedicou a vida ao ideal comunista e ao Partido Comunista Português, o filme retrata a espetacular fuga de presos políticos do Forte de Peniche em 1960, durante a ditadura do Estado Novo. “Camarada Cunhal oferece uma perspetiva na primeira pessoa da repressão e do condicionamento a que estavam sujeitos os prisioneiros políticos. Mostra-nos, também, a camaradagem existente entre todos, o que ajudou na elaboração de um plano de fuga coletiva”, sublinha o ator. O filme estreia nos cinemas a 24 de abril.

Descer a Avenida…

Marquês de Pombal e Avenida da Liberdade
25 de abril, a partir das 15h

Descer a Avenida da Liberdade no dia 25 de abril é já uma tradição. Nesta data, milhares de pessoas desfilam pela nobre artéria da cidade para celebrar o Dia da Liberdade, envergando cravos vermelhos e cartazes com mensagens de luta e resistência. Romeu não vai faltar: “Neste dia tão simbólico para a história da nossa democracia, não se pode perder a marcha na Avenida da Liberdade. É um momento de partilha, onde milhares de pessoas caminham lado a lado, a cantar e a gritar palavras de ordem, para celebrar a conquista da democracia, em 1974.”

Forró Jam Session

Bar Palheta
25 de abril

Quinta-feira é dia de Jam Session no Bar Palheta. A partir das 19h30, o bar situado no Cais do Sodré, que “funde diferentes culturas”, recebe a Forró Jam Session, “com Francisco Martins ao comando de uma noite cheia de música e boa disposição”. Romeu sugere esta sessão de música brasileira e este bar, “onde se podem beber cocktails de autor únicos, ouvir variados géneros musicais e dançar muito.”

Fado na Casa de Linhares

Beco dos Armazéns do Linho, 2

A Casa de Linhares é hoje o que resta de um edifício renascentista que ruiu no terramoto de 1755. Erguida junto às margens do Tejo, no século XVI, a casa mantém ainda o charme oitocentista, apresentando de pé o torreão e um cunhal com brasão. Romeu sugere este restaurante em Alfama porque “mistura o melhor da comida portuguesa com algumas das vozes mais vibrantes do nosso Fado, como Jorge Fernando, Fábia Rebordão ou Vânia Duarte. Um ambiente intimista ideal para um jantar a dois.”

Ren

Disponível nas plataformas de streaming

Ren Erin Gill, mais conhecido por Ren, é um compositor, músico e rapper galês que ganhou fama como membro do grupo de hip-hop indie Trick the Fox e do grupo de busking The Big Push, no final da década de 2000. Romeu ‘cruzou-se’ com o músico há cerca de um ano e ficou “fascinado com a intensidade das suas letras, a beleza das suas melodias e as performances fortes e por vezes violentas nos seus videoclipes. Um projeto musical que tem como base a saúde mental. Uma mistura de hip-hop, spoken word e folk. Intenso, cru e belo.”

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