Ana Paganini

Sempre vi o trabalho da Ana Paganini como uma confluência entre as tradições da foto-reportagem de guerra com a reportagem de moda. A primeira destas categorias procura mostrar o fenómeno de um conflito e a sua ação sobre as pessoas e os lugares com recurso à emoção (e expectativa de que ela se multiplique), enquanto a segunda se foca antes no modus – englobando não só a roupa mas todo o conjunto de opções estéticas, mais ou menos exóticos, que fazem passar a mensagem pretendida. Mesmo que paradoxalmente, ambas as categorias bebem uma da outra. 

Nesta exposição em particular descobre-se um lado da sua prática (que já tínhamos visto em parte na sua série dos forcados): a documentação de performance, mais especificamente do espetáculo da religião. A performance da devoção, as procissões em espaço público, tem os seus próprios códigos e tradições.

O que a artista faz neste caso é a documentação destas demonstrações passionais e do que significam no contexto contemporâneo: o aluguer dos fatos de polistester a 10€ por dia; as bainhas que se arrastam no alcatrão a mil graus; o ambiente de querido mês de Agosto nas aldeias; o aparato electro-técnico e os acessórios que se guardam todo o ano na garagem (como luzes de Natal) a saírem à rua.

O que admiro em Jesus’ Blood Never Failed Me Yet é a dignidade com que a artista retrata os sujeitos e objectos. A luz aparece sempre como um milagre (um sol dançante?) e as pessoas como perfeitamente conscientes do mistério vivo e da importância de repetir os supostos gestos que foram raízes para algo e algures. O me prende a estas imagens é êxtase do estar juntos. É possível que esse seja o único fenómeno e ritual humano verdadeiramente luminoso: we’re not done with each other, yet. 

Isabel Cordovil

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