Os livros de maio

Sete livros para celebrar Abril

Os livros de maio

“País de Abril é o sítio do poema”, escreveu Manuel Alegre na Praça de Canção. No mês em que se comemora o Primeiro de Maio, em plenos festejos dos 50 Anos do 25 de Abril, destacamos as memórias do poeta que continua a conceber a escrita como “ato de resistência e libertação”. Sugerem-se ainda seis novas edições de qualidade, pois ler bons livros é uma das melhores formas de celebrar Abril.

Manuel Alegre
Memórias Minhas

Em reação à célebre frase de Octavio Paz, “Os grandes poetas não têm biografia, têm destino”, escreve Manuel Alegre: “É bonito, mas é uma treta. O destino, se é que há destino, está dentro da biografia. E dentro desta a escrita”. Daí este livro. Uma biografia concebida como “uma espécie de legitima defesa. Ou se conta o que nele está ou outros contarão outros contos em sentido inverso”. Contudo, Memórias Minhas é muito mais do que um relato individual. É, como testemunha Alberto Martins: “um deslumbrante caminhar por dias e lugares que se cruzam com tempos únicos da nossa história contemporânea. Uma vida – uma geração – a rebeldia, a resistência, a guerra, a cadeia, o exílio, a Voz da Liberdade, a festa dos verdes anos, amores e desamores. E ainda, (…) o luminoso 25 de Abril que mudou o destino (…)”. Uma belíssima evocação da vida de alguém que faz da escrita o que lhe dá “na real gana” e concebe a criação de um poema como “acto de resistência e libertação”. Uma obra que não olha apenas para o passado, mas que reflete sobre o presente: “Mais do que de economistas, este é um tempo que precisa de filósofos, poetas e profetas. Mesmo que a folha branca seja o deserto em que têm de pregar contra o ruído do mundo – em busca da música perdida.” LAE Dom Quixote


Wladyslaw Reymont
Revolta

“Uma obra que senti no meu coração que seria fundamental escrever apagou, de um momento para o outro, toda uma carreira”. Wladyslaw Reymont (1867-1925), um dos escritores polacos mais importantes do séc. XX, oriundo de uma família nobre empobrecida, desempenhou vários ofícios dentro e fora do país. O conhecimento da realidade do cidadão comum impeliu-o a escrever histórias sobre as dificuldades das classes baixas e a desumanização do capitalismo industrial. Quando recebe o Prémio Nobel de Literatura, em 1924, já Revolta, crítica da Revolução Bolchevique escrita dois anos antes, o tinha tornado persona non grata na Rússia. Os seus livros são proibidos durante décadas e a venda dos direitos de autor para o estrangeiro bloqueados. Revolta narra a insurreição liderada por Rex, cão maltratado, que junta os animais da quinta, e todos os que anseiam pela liberdade, num êxodo em direção à “Terra Prometida, onde não há humanos”. Face aos tormentos da viagem, cresce o saudosismo do cativeiro e da submissão aos antigos donos. Revolta foi escrita um quarto de século antes de Animal Farm de George Orwell, contudo, a vibrante evocação da natureza – ora luminosa e acolhedora, ora tenebrosa e hostil –, o fôlego narrativo, a riqueza e a complexidade emocional dos protagonistas, contribuem para situar a obra nos antípodas do reducionismo orwelliano. LAE E-Primatur


Bruno Amaral de  Carvalho
A Guerra a Leste – 8 Meses no Donbass

“Quando a Rússia decidiu intervir na Ucrânia, já havia uma guerra civil a desenrolar-se desde 2014. Ninguém me contou. Eu estive lá.” As palavras são do jornalista português Bruno Amaral de Carvalho, que por três ocasiões – primeiro em 2018 e, por duas vezes, após a escalada do conflito, em 2022 e 2023 – foi testemunha in loco daquele que é, na opinião do major-general Carlos Branco no prefácio à obra, o “maior acontecimento geopolítico do pós-Guerra Fria, determinante nos termos da nova Ordem mundial que aí vem”. Ao longo de mais de duas centenas de páginas, o único repórter português a cobrir os acontecimentos do outro lado do conflito – isto é, junto das tropas russas, das milícias separatistas e das populações russófonas do Donbass –, cruza reportagem com crónica de guerra, oferecendo um contributo fundamental para uma perspetiva bem mais distendida dos acontecimentos do que aquela que tem sido comumente apresentada nos média. Também por essa razão, não imune à controvérsia, A Guerra a Leste vem preencher uma lacuna no panorama editorial português, até aqui profícuo em visões unívocas para um conflito demasiado complexo para simplificações espúrias. FB Caminho

Machado de Assis
Último Capítulo

Na advertência a Várias Histórias, recolha de contos datada de 1896, escreve Machado de Assis: “As palavras de Diderot que vão por epigrafe no rosto desta coleção servem de desculpa aos que acharem excessivos tantos contos. É um modo de passar o tempo. (…) O tamanho não é o que faz mal a este género de histórias, é naturalmente a qualidade; mas há sempre uma qualidade nos contos que os torna superiores aos grandes romances, se uns e outos são medíocres: é serem curtos”. Os contos de Machado de Assis foram escritos diretamente, de modo consistente e abundante, para revistas, jornais e almanaques e as suas múltiplas qualidades culturais, literárias e sociais, que seguem o padrão de desenvolvimento do conto moderno, fazem dele um mestre da ficção curta. Último Capítulo é o primeiro de quatro volumes que reúnem a produção contística completa do autor. Cada volume contém um determinado período da sua escrita, seguindo uma ordem de publicação cronológica invertida, facultando ao leitor a possibilidade de compreender o auge da sua obra e depois, gradualmente, ir conhecendo a sua evolução, as suas raízes e as fontes de inspiração. LAE E-Primatur

Byung-Chul Han
A Crise da Narração

“Na modernidade tardia, que é a era digital, disfarçamos a mudez e a ausência de sentido da vida pelo gesto permanente de post, like e share. O ruído comunicativo e informativo cala o vazio inquietante da vida. A crise atual não consiste na escolha entre viver ou contar. Mas antes na escolha entre viver ou publicar”. Apoiando-se em citações do filósofo judeu alemão Walter Benjamin (1892-1940) sobre a modernidade, período que corresponde, entre outros fenómenos, à invenção do cinema, Byung-Chul Han estabelece um paralelismo com o nosso tempo, a modernidade tardia, e a dominância das redes sociais, que mobilizam a partilha de instantes, em tempo presente, das nossas vidas, desprovidos do recuo analítico e das conexões lacunares da memória, essenciais à narração. A Crise da Narração dá conta do indivíduo atual, menos investido na narração e redenção do seu tempo passado, e pertencente a uma comunidade de seres isolados que trocaram os valores da narração por uma corrente de informações que se diluem e geram um esquecimento coletivo. As narrativas da modernidade tardia “assemelham-se, em grande medida, à informação. Tal como esta, são efémeras, arbitrárias e consumíveis. Não conferem estabilidade à vida.” RG Relógio D’Água


Thomas Fischer
Entre Cravos e Cardos

Aos 19 anos, no chamado Verão Quente de 1975, ao volante de um carocha verde, o alemão Thomas Fischer visitou Portugal pela primeira vez, seduzido pela Revolução dos Cravos e pelo seu clima exaltante de liberdade. A partir de 1983 passou a residir em Portugal. Quando em 2020 adquiriu a nacionalidade portuguesa, uma amiga enviou-lhe a seguinte mensagem: “Agora não comeces a chegar atrasado a todo o lado”. Jornalista de profissão, licenciado em Economia e Sociologia, acompanhou sempre de perto a atualidade política, económica e social do país. Neste livro, o autor alia os seus conhecimentos sobre a realidade portuguesa às suas experiências pessoais no país para, através de vários episódios reveladores, analisar o que na sua perspetiva correu bem e mal, passados 50 anos do 25 de Abril. Thomas reconhece os esforços para recordar a revolução e os seus protagonistas, mas considera que “nem sempre se presta a mesma atenção aos valores de Abril”. Somos ainda em muitas áreas “marcados pelo desenrascanço, pelo endividamento e pela emigração”, uma sociedade definida “pela desigualdade, por altos níveis de pobreza” e, ao mesmo tempo, “um paraíso para estrangeiros abastados”. E conclui: “Amar Portugal pode ser difícil, mas não deixa de ser um caso de amor aquilo que tenho com Portugal. Os Amores são assim.” LAE Edições 70


Judith Butler
A Pretensão de Antígona

Antígona é a protagonista da tragédia homónima de Sófocles, estreada em 441 a.C., em Atenas. Apesar da sua condição de mulher na Grécia antiga, segue a voz da consciência contra a vontade de Creonte, rei de Tebas. Através da sua coragem, tornou-se no símbolo perene de revolta feminina contra o poder e as leis dos homens. Judith Butler, uma das principais figuras teóricas contemporâneas do feminismo e da teoria queer, afirma: “Comecei há uns anos a pensar em Antigona ao perguntar-me o que teria acontecido a todo esse empenho feminista de confrontar e desafiar o Estado”. Nesta obra, propõe uma nova leitura do legado de Antígona, a célebre insurgente de Sófocles. Ao interrogar-se sobre as formas de parentesco que lhe poderiam ter permitido viver, confrontando o parentesco e o poder do Estado, a autora associa os intrépidos atos de Antígona às reivindicações das pessoas com relações de parentesco ainda por reconhecer, e demonstra como o parentesco heteronormativo continua a decidir o que deve, ou não, ser uma “vida vivível”. Procura recuperar, deste modo, o significado revolucionário desta figura clássica, integrando-o numa política sexual progressista. LAE Orfeu Negro