O riso e a farsa para que o amor triunfe

João Mota dirige "As Alegres Comadres de Windsor"

O riso e a farsa para que o amor triunfe

Amor e ciúme, mal entendidos e trapaças, galanteios e devaneios. William Shakespeare cozinhou todos estes ingredientes numa comédia e João Mota e a Comuna transformaram-nos numa farsa deliciosa sobre “a inteligência das mulheres” e o poder inigualável do amor. Até 17 de dezembro, o palco é todo ele um frenético divertimento em As Alegres Comadres de Windsor.

Lembra o encenador e diretor artístico da Comuna, João Mota, que Isabel I terá encomendado a Shakespeare, na viragem do século XVI para o século XVII, uma comédia que tivesse como protagonista Sir John Falstaff, o anafado cavaleiro surgido em Henrique IV. Fanfarrão, cobarde, egocêntrico e beberrão são apenas alguns dos adjetivos passíveis de usar para o caracterizar. Foram assim tão baixas “virtudes”, o suficiente para tornar o bufão Falstaff numa das personagens mais célebres da cultura ocidental e, provavelmente, a mais famosa das personagens cómicas do teatro de Shakespeare. Como exemplo, basta lembrar que “notáveis” como Verdi e Orson Welles não conseguiram escapar à sedução deste personagem que, como dizia Harold Bloom, tomara “vida própria e roubado a cena” aos demais, tornando-se o centro das atenções nas duas partes da peça Henrique IV.

A popularidade desta magnifica “encarnação do vício”, com todo um lado cómico irresistível que o aproximava do homem comum, levou Shakespeare a coloca-lo diretamente no centro da ação e a escrever a comédia As Alegres Comadres de Windsor, estreada em 1602.

Na peça, Sir John Falstaff chega a Windsor completamente falido, mercê de uma vida viciosa e boémia. Crente em não deixar as suas capacidades por mãos alheias, decide dar resposta aos problemas financeiros que o apoquentam seduzindo as senhoras Ford e Page, mulheres casadas com os homens mais abastados da cidade. No entanto, o que Falstaff desconhece é que ambas são comadres e partilham entre elas os segredos mais íntimos, estando convictas, como dizem, que “duas mulheres juntas valem mais do que o próprio diabo.”

Para complicar a situação do fanfarrão, o marido da senhora Ford é um ciumento obsessivo, capaz de não deixa pedra sobre pedra no intuito de evitar que a sua amada o traia. Para além de uma capacidade quase animalesca de farejar o adultério, o senhor Ford é um mestre no disfarce. Será assim através dessa arte que acaba por um encontrar um engenhoso estratagema para antecipar as movimentações de Falstaff.

Entretanto, na casa Page, a filha Anne atinge a idade de casar e os pais estão apostados em conseguir o melhor pretendente. Contudo, nenhum dos possíveis noivos agrada à jovem donzela cujo coração já tem dono. Há então, que recorrer à astucia e ao engano. Mas, tudo pela mais nobre das causas, ou seja, o triunfo do amor.

Pensada para ter sido levada a cena no D. Maria II aquando da sua passagem enquanto diretor artístico do Teatro Nacional (tendo João Perry no papel de Falstaff), João Mota cumpre agora, na “sua” Comuna, o sonho de dirigir As Alegres Comadres de Windsor. Baseando-se na versão de Francisco Ribeiro (Ribeirinho) – encenada, precisamente, no D. Maria II em 1978 –, Mota sublinha que a peça é “um hino à inteligência das mulheres. São elas que desarmam a personificação do pecado, da luxúria e do dinheiro que está tão presente em Falstaff.”

Ao mesmo tempo, o histórico encenador destaca “o lado brejeiro do teatro quinhentista” que tanto lhe agrada e transforma a comédia “na farsa”. Nesse sentido, As Alegres Comadres de Windsor torna-se um divertimento frenético onde a cupidez e a irracionalidade do ciúme são derrotadas através do poder mágico do amor, sublinhado num final feliz que é aqui encaminhado cena a cena pela música de Mozart.

Protagonizado por João Grosso, em Falstaff, e pelas atrizes Maria Ana Filipe e Margarida Cardeal, nos papéis das cobiçadas “comadres”, o espetáculo conta com um notável elenco de secundários composto por Almeno Gonçalves, Francisco Pereira de Almeida, Gonçalo Botelho, Hugo Franco, Luciana Ribeiro, Miguel Sermão, Luís Gaspar, Sofia Maduro Grilo e Rogério Vale.