Bruno Gascon

"'Pátria' ajuda a relembrar as consequências da perda da liberdade e o custo que representa voltar a consegui-la."

Bruno Gascon

A terceira longa-metragem de Bruno Gascon, Pátria, estreia a 19 de outubro nas salas de cinema. A narrativa, ambientada numa realidade distópica, retrata um país dominado pela opressão de uma ditadura. Neste ambiente sombrio, dois grupos enfrentam-se num momento em que os movimentos extremistas crescem nas ruas. Conversámos com o realizador sobre esta obra de ficção, que "é, infelizmente, profundamente real".

Os seus filmes abordam sempre situações reais e difíceis. Pátria, embora seja uma ficção, fala sobre temas que estão na ordem do dia: xenofobia, crescimento de movimentos políticos radicais, intolerância. Como surgiu a ideia para o filme?

Nos filmes anteriores inspirei-me em histórias reais, mas acima de tudo procurei falar sobre problemas fraturantes da nossa sociedade, e Pátria não foge muito a essas questões, embora seja uma distopia realista. A ideia surgiu quando comecei a perceber e a antever que a política em geral tem levado ao crescimento de extremismos em todo o mundo. Os direitos humanos das mulheres são cada vez mais restritos, existem políticas de extrema-direita a crescer em países europeus… Foi por isso que achei importante alertar as pessoas e fazê-las perceber o que aconteceria se vivêssemos novamente numa ditadura. Em 2024, o 25 de Abril celebra 50 anos e acho que é a altura ideal para relembrar o que é viver numa ditadura.

Apesar dos erros do passado e mesmo que o contexto, a geografia e a época sejam diferentes, a História repete-se. É também essa a ideia que pretende transmitir?

Sim, infelizmente cada vez mais as pessoas têm posições extremadas. Um bom exemplo disso são as redes sociais. Cada vez mais há a ideia de que ou estás connosco ou estás contra nós. Não existe a base do diálogo ou da compreensão e a falta de condições de vida, associada às políticas dos governos, leva ao surgimento destes movimentos. Por isso, é muito importante falar destes temas para que os erros do passado não se repitam.

A narrativa no filme não está datada, decorre num tempo indefinido. Isso também nos revela que, embora achemos que vivemos numa época de estabilidade e democracia, nada é garantido. Concorda?

Sim, a liberdade nunca é uma coisa garantida e é importante que se perceba que tudo pode mudar e deixar de existir como conhecemos. Pátria ajuda a relembrar as consequências da perda dessa liberdade e o custo que representa voltar a consegui-la. Quando escrevi o guião baseie-me em vários regimes políticos, em diferentes países e épocas, nesse sentido estão concentradas no filme todas as noções de um regime opressor. Na narrativa, o regime político retratado está em evolução, e quando os regimes estão em evolução surgem grupos extremistas que fazem o trabalho sujo do regime. A ideia do filme é também essa, a de demonstrar que quando um regime está já implementado surgem estes grupos que querem fazer parte do poder, perpetuando o trabalho sujo do regime. No fim, não é só o regime que impõe as regras, mas os próprios indivíduos, criando situações de grande injustiça e violência.

Ao retratar estes temas reais da sociedade podemos dizer que esta

é a sua forma de intervenção?

O cinema tem que ter também esse papel, a sua função não é só a de contar histórias e entreter, mas também passar uma mensagem que faça com que o público pense no assunto. A minha intenção não é educar ninguém, mas sim apresentar uma realidade que não deve ser esquecida. Muitos dos temas dos meus filmes, seja o tráfico de pessoas, o desaparecimento de uma criança ou um regime ditatorial, são temas pouco falados na sociedade. Mas eu quero falar sobre eles, porque caso contrário não se evolui. O objetivo é fazer com que a sociedade reflita sobre estas questões.

Há apenas duas personagens femininas, com ideais opostos e em grupos rivais, que são as instigadoras da mudança. Foi intencional a escolha de duas mulheres para este papel?

Foi intencional. Já nos outros filmes que fiz, as personagens principais são sempre mulheres, isto porque penso que o espetro de emoções que uma mulher tem e o facto de o seu papel ter sido negligenciado ao longo de muitos anos, o que considero muito injusto, faz com que as personagens femininas tenham um papel forte. É também assim que vejo as mulheres na sociedade. É por isso importante que sejam elas a força maior. Uma sociedade que quer evoluir tem que perceber que as mulheres têm um papel tão relevante, ou até maior, do que o dos homens.

Como foi feito o casting? Há uma atriz com quem já tinha trabalhado no filme Carga, a Michalina Olszańska, e que volta a fazer parte deste trabalho. Já tinha uma ideia predefinida sobre os atores que queria?

Quando escrevo o guião penso logo em pessoas concretas, que eu acho que se enquadram na realidade que vou retratar e que têm a sensibilidade para o fazer. Sou eu que faço o casting, não tenho nenhum diretor de casting e é um processo muito rigoroso. Sou eu que escolho os atores e que falo com eles. Conversamos muito sobre o perfil psicológico das personagens e a sensibilidade dos atores para lhes dar vida é muito importante. Todos os atores que participam nos meus filmes percebem a importância de se falar sobre os temas abordados.

Os seus filmes já concorreram em festivais e receberam vários prémios. Qual é a importância para si deste tipo de reconhecimento?

É sempre um orgulho. É sempre importante haver reconhecimento do talento e da qualidade dos filmes. Mas, mais importante seria que isso desse um “busto” à cultural em Portugal, que é ainda considerada por cá como uma coisa secundária.

Tem algum outro trabalho que esteja prestes a estrear?

Acabei de fazer uma série, de seis episódios, que fala sobre depressão, bullying, adoção, entre outros temas e que está em pós-produção. Ainda não consigo revelar a data concreta, mas vai estrear no próximo ano, na RTP.