Jonas & Lander

"Sentimos cada trabalho como um animal descontrolado que vai ganhando forma."

Jonas & Lander

Jonas Lopes e Lander Patrick assinalam o 10.º aniversário do seu trabalho colaborativo com a revisitação de três espetáculos muito diferentes, em espaços também diferenciados do Centro Cultural de Belém. A simbologia desta celebração refere-se a um ciclo que se encerra, estando ambos atualmente ocupados com novos projetos. Fomos conhecer melhor esta dupla, na arte e na vida, fazendo uma panorâmica sobre as suas criações, aquilo que as precede e o que mais as inspira.

Recuando às origens do vosso trabalho conjunto, que circunstâncias conduziram a esse encontro?

Lander Patrick (LP) – Roça quase o acidente. Nós já éramos um casal. Uma amiga bailarina italiana organizava um festival na residência de uma família abastada. No caso de irmos como artistas, apresentar uma peça ou dar um workshop, eles pagavam a viagem e a estadia. Entendemos isso como umas férias e começámos a trabalhar em função dessas férias. Fizemos uma versão de 10 minutos do Cascas d’Ovo para passarmos essa temporada em Itália.

Partilharam ambos a responsabilidade criativa em cada projeto ou foram passando essa função de um para o outro?

Jonas Lopes (JL) – Cada projeto foi diferente. No Cascas d’Ovo estava o Lander mais a dirigir, depois na Matilda Carlota fui eu, fomos alterando um bocadinho, até que no Adorabilis encetámos a nossa primeira cocriação. Entretanto, cada um de nós teve os seus projetos com outras pessoas, mas o que fizemos juntos passou a ser sempre em cocriação. Agora, estamos novamente numa fase em que os interesses de cada um são diferentes, procuramos cada um novas coisas, e demos uma pausa ao trabalho de cocriação. Mas continuamos a trabalhar juntos, pois estamos em casa a discutir conceitos, a tocar músicas, a partilhar ideias de cenários. No nosso caso, a vida e a profissão misturam-se muito.

LP – Nesse sentido, os 10 Anos celebram o que aconteceu, mas assinalam a entrada numa nova etapa. Nesta altura estamos mais unidos pelo elemento música. Uma constante no nosso trabalho, que fomos desenvolvendo até ao Bate Fado, que marcou um clímax nessa relação entre música e dança. O Jonas está a desenvolver a sua carreira enquanto fadista, a aprofundá-la e a intensificá-la, de acordo com o historial do nosso trabalho, apresentando concertos em que o fado é sapateado [ou seja, “batido”].

O grande investimento na componente visual das vossas criações faz pressupor que sejam influenciados por artes como o cinema, a pintura, ou a banda-desenhada. É assim?

JL – As nossas influências podem muitas vezes até nem ser de teor artístico. Podem ser um objeto, uma imagem: o exemplo do Coin Operated, em que estamos sentados em dois cavalos, ativados por uma moeda, em que as pessoas contribuem para a performance acontecer. Aí as ações complementam-se, se ele toca viola eu canto. Essa ideia veio de um desenho animado. Mas em termos estéticos, o nosso mundo passa pela pintura, os olhos colocados em estéticas do passado, a revisitação dessas estéticas nos dias de hoje, através da moda e de cinema. E por vezes através das redes sociais, onde tens acesso à estética de outras pessoas que acabam por te inspirar.

LP – Essa relação com o lado visual presente no nosso trabalho, não diria que se liga a referências que possam lá estar, mas mais à nossa vontade de criar um mundo. Esse mundo que é som, imagem, movimento, cenário, luzes, traduz essa vontade da qual nascem os elementos visuais.

Qual foi visibilidade internacional que o vosso trabalho registou até hoje?

JL – O Cascas d’Ovo foi apresentado primeiro em São Paulo e depois em Lisboa. Na dança contemporânea, o território é muito mais internacional do que nacional. A oferta que hoje em dia existe a nível nacional, com a rede de cineteatros, tem aumentado, mas quando nós começámos eram poucos os teatros que tinham uma programação regular e séria de dança contemporânea, que tinham um público criado para ver esses espetáculos. Já a nível internacional, vais a uma terriola em França ou na Alemanha, e vês autocarros a chegar e os espetáculos a esgotarem.

Quais foram os critérios na escolha dos três espetáculos (Cascas d’Ovo, Coin Operated, Lento e Largo) que assinalam, no Centro Cultural de Belém, dez anos do vosso trabalho?

LP – A escolha resulta de um diálogo mantido com o CCB, tendo em conta os espetáculos já apresentados em Lisboa e os trabalhos que ainda queremos apresentar. Do nosso repertório, só duas peças já não estão em circulação.

O facto de serem dois a criar ajuda a ultrapassar eventuais bloqueios criativos de um ou de outro?

JL – Depende das fases [risos]. Não me imagino a fazer um solo; ele já fez um solo, a mim assusta-me a ideia de trabalhar sozinho. Acho incrível ter alguém com quem partilhar tudo. É óbvio que, às vezes, precisas do teu espaço criativo, precisas de experimentar coisas por ti só. Mas, no geral, o trabalho de um alimenta o do outro. Alimentam-se das curiosidades que cada um traz.

Os intérpretes que se juntam a vocês a cada peça passam por um processo de seleção ou costumam recorrer a pessoas que já conhecem de colaborações anteriores?

LP – A tendência é fazermos audições. Cria-se a oportunidade para conhecer novas pessoas. Temos também consciência de estarmos numa posição de empregabilidade. Mas por outro lado, o Lewis Seivwright está em todas as nossas peças desde 2017.

Os vossos trabalhos obedecem a uma estrutura narrativa ou trabalham por acumulação de ideias associadas livremente?

JL – Existem pontos de partida e depois cada peça vai ganhando vida e vai-nos dizendo o que necessita. Só nos apercebemos da viagem dramatúrgica de cada peça após a estreia. Sinto cada trabalho como um animal descontrolado que vai ganhando forma, e o monstro supera-nos. Nunca pensamos numa coisa de A a Z e depois vamos para estúdio fazer isto.

LP – Os pontos de partida, trabalhar em torno de uma referência ou de um acontecimento, são como sacos de desejos. Mas, é como o Jonas estava a dizer. Torna-se uma espécie de monstrinho que começamos por moldar até que ele ganha a sua própria autonomia, e nessa altura não podes imprimir os teus desejos a um objeto que já vai noutra direção.

Fantasia, sonho, futurismo, surrealismo, pós-humano, que importância têm estes ou outros conceitos no vosso trabalho?

JL – Creio que a nossa base vem do surrealismo e do ficcional. Existem criadores que lidam sobretudo com a realidade, que levam para o palco pessoas com roupas do dia-a-dia, com uma aparência mais quotidiana, e nós gostamos de trabalhar “aquela caixa” como uma máquina de ficção…

LP – Não significa que uma pessoa vestida com uma roupa casual não possa ser ficção. Mas nós gostamos de abusar dessa oportunidade que temos de remisturar símbolos, de brincar com os espaços.

Têm o desejo de um dia conceber um espetáculo com uma escala de grandeza comparável à do Cirque du Soleil?

LP – Nós já passámos por experiências tão diferentes, que encontramos pontos deliciosos em todas as dimensões. Já fizemos espetáculos no interior de uma casa de banho ou dentro de uma igreja, mas é evidente que temos curiosidade de experimentar o que seria fazer uma coisa megalómana, a loucura que seria. Outra coisa seria mantermo-nos só a fazer projetos dessa dimensão.

JL – Existe já há algum tempo o desejo de fazer uma ópera. Uma ópera que fosse criada de raiz. E aí já estaríamos mais próximos de trabalhar nessa escala. Existem ideias, vamos ver se alguma avança.

Disponível Passe Jonas & Lander no CCB (inclui Coin Operated, Cascas d’Ovo e Lento e Largo). Preço: 25€