sugestão
Os livros de setembro
Sete livros para ler no regresso de férias

O mês de setembro marca o fim das férias e o regresso ao trabalho e às múltiplas rotinas da vida na cidade. Não esqueça, contudo, de reservar tempo para a leitura. Afinal, os livros ajudam a prolongar o espírito das férias, permitindo viajar para lugares longínquos sempre na melhor companhia: a dos grandes autores.
Rabelais
Gargântua & Pantagruel
François Rabelais (1494-1553), escritor, médico e monge do Renascimento, publica, em 1532, Pantagruel sob a autoria de Alcofibras Nasier, anagrama do seu nome, obra censurada pela Sorbonne ainda controlada pela Igreja. Dois anos mais tarde narra a história de Gargântua, pai de Pantagruel, gigantes de apetite insaciável, dois primeiros volumes de uma pentalogia de romances. Num ambiente geral de diversão, Rabelais expõe ideias perigosas para a sua época: ataca a tirania da escolástica, a ignorância dos monges, o absurdo das guerras e condena a religião quando confundida com o poder temporal. Simultaneamente, cria um universo romanesco que integra todas as formas de expressão e todas variedades da língua e que funde comédia e emoção, mito e realidade, razão e delírio, cultura erudita e popular. Num ensaio que o filólogo e crítico literário Erich Auerbach dedica a Rabelais, entende o “pantagruelismo” como “uma maneira de apreender a vida que se apodera simultaneamente do espiritual e do sensorial, sem deixar escapar nenhuma das possibilidades que ela oferece”. A tradução é de Manuel de Freitas. E-Primatur
Rentes de Carvalho
Tempo Contado
Durante alguns meses de 1994 e 1995, abeirando-se da idade da reforma, Rentes de Carvalho sujeitou-se à disciplina de escrever um diário que se ocupa das suas observações, reflexões a agastamentos, entre Trás-os-Montes e Amesterdão, de cá para lá e de lá para cá, como tem feito toda a sua vida. No norte de Portugal, na aldeia da infância onde todos os anos reencontra a mãe, o escritor observa um país envelhecido, com cada vez menos pessoas, e vidas que se encerram entre quatro paredes à espera do fim. Na Holanda, as suas impressões vão mais para o meio literário, as celebrações vãs e a vaidade daqueles a que Rentes de Carvalho reconhece demasiada pompa para pouco talento. E vai escrevendo sobre aquilo que constitui para si este modo de escrita: “Ainda que evite revelações ou detalhes íntimos, o diário permanece um instrumento perigoso. Não para quem o lê, mas para o seu autor. Uma espécie de testemunha muda que conhece os pensamentos que originaram as palavras, conhece até ao detalhe as razões que levaram a filtrá-los, e a cada momento ameaça que se quiser pode apresentar queixa no tribunal.” Melancólico, lúcido e precioso. RG Quetzal
John dos Passos
Paralelo 42
John Dos Passos (1896-1934), filho de um abastado advogado norte-americano de origem portuguesa, foi o autor de uma série de obras literárias importantes na primeira metade do século XX: Manhatan Transfer e a Trilogia USA, que integra Paralelo 42, 1919 e The Big Money, agora reeditadas pela Presença, na exigente tradução de João Martins. Acusado, por vezes, de ser incapaz de criar e desenvolver personagens autênticas e de descrever conflitos emocionais profundos, criou, no entanto, um estilo caleidoscópio, experimental e modernista que constituiu um marco relevante, génese de muitos dos futuros desenvolvimentos formais da literatura norte-americana. Nestes romances entrecruza ficção com biografia de figuras reais (Henry Ford, Rudolf Valentino ou Woodrow Wilson), recorre a colagens de cabeçalhos de jornal, anúncios, canções, noticiários e discursos políticos da época e ao “olho da câmara” (fluxo de consciência que enfatiza o reflexo dos acontecimentos no interior do narrador), recriando a atmosfera do período. A grande Nação Americana, de 1900 a 1930, torna-se na protagonista da narrativa e é retratada de forma crítica como uma sociedade materialista à beira do declínio. Presença
João Melo
Exercícios e Linguagens
Nascido em Luanda em 1955, João Melo é mais conhecido em Portugal pelos seus livros de contos, mas faz parte de um grupo de poetas angolanos revelados editorialmente na década de 1980 e é considerado um nome incontornável da poesia angolana pós-independência. No conjunto da sua produção poética identificam-se cinco vertentes essenciais: “uma contida mas assumida linha lírico-intimista; uma linha claramente telúrica; uma ousada linha amorosa, com fortes e explícitas implicações eróticas; uma declarada linha sociopolítica; e uma linha experimentalista, assente numa busca multiforme de todas as possibilidades criativas do texto”. O autor resolveu selecionar e organizar cinco volumes que cobrem a sua poesia produzida entre 1970 e 2020, contendo alguns dos poemas já publicados, mas agora organizados tematicamente de acordo com as referidas vertentes essenciais. Esta quinta antologia representa a sua linha experimentalista. Segundo Tânia Macedo, o trabalho poético de João Melo “vincula-se estreitamente à tradição literária do seu país e, corajosamente, ousa novos caminhos continuamente”. Transcrevendo uns versos do poema A Lebre e o Cágado, podíamos afirmar que o autor procura “achar o ritmo certo / para a necessária mudança / das coisas.” Caminho
Joseph Roth
Job
Joseph Roth (1894-1939) nasceu em Brody, cidade dominada pela cultura judaica no extremo do Império Austro-Húngaro (atual Ucrânia). Em 1920 dedica-se ao jornalismo em Berlim e torna-se num dos grandes cronistas da Republica de Weimar. Assiste à crise da velha capital prussiana e ao avento do nazismo, manifestando na sua obra de ficção uma crescente nostalgia pela vida e valores do antigo Império Austríaco. Job, sobre o tema favorito do expatriado, retrata o destino e as provações de um patriarca judeu emigrado nos Estados Unidos, criando uma analogia com a experiência de fé de Jó, personagem do Antigo Testamento inconformado com o seu destino. A dúvida leva-o ao conhecimento e à entrega incondicional a Deus. “Job é mais do que um romance e uma lenda, é uma obra poética pura e perfeita, destinada a durar mais do que tudo o que nós, seus contemporâneos, criámos e escrevemos. Na unidade de construção, na profundidade do sentimento, na pureza e na musicalidade da linguagem, dificilmente pode ser superado”, escreve Stefan Zweig no posfácio da presente edição. Relógio d’Água
Michel Pastoureau
Branco
Michel Pastoureau afirma que a cor não é tanto um fenómeno natural quanto uma construção cultural complexa, um facto social: “é a sociedade que ‘faz’ a cor, que lhe dá a sua definição e o seu sentido, que constrói os seus códigos e valores, que organiza as sua práticas e determina as suas implicações”. Este é um livro de história, o sexto e último de uma serie dedicada às cores, que estuda o branco nas sociedades europeias, do paleolítico aos nossos dias, sob todos os seus aspetos, do léxico aos símbolos, passando sobre a vida quotidiana, pelas práticas sociais, pelos saberes científicos, pelas aplicações técnicas, pelas morais religiosas e pelas criações artísticas. Segundo o autor, na sua maioria, as ideias associadas ao branco são virtudes ou qualidades: pureza, inocência, sabedoria, paz, beleza, higiene. Ao longo de séculos, na Europa, foi a cor da monarquia e da aristocracia nos cerimoniais e vestuário. Foi também, durante muito tempo, a cor do sagrado e da sua da encenação. Porém, “o progresso técnico e científico, entre o final da Idade Média e o século XVII, relegou esta cor, bem como o preto, à margem da nova ordem cromática, acabando por criar o seu próprio universo preto-e-branco.” Orfeu Negro
Joana Kabuki
Viradas do avesso
Três amigas que crescem em Lisboa, num lugar onde se podia brincar na rua, em segurança, são as protagonistas de Viradas do avesso, livro de estreia de Joana Kabuki. Berta, Alice e Carlota eram inseparáveis, até ao dia em que a imprevisibilidade da vida as leva a seguirem o seu rumo apartadas. Envolta em mistério, Berta foi a última a chegar à tranquila praceta onde moravam, mas um dia, ao voltar a casa, encontra os pais mortos. É então que desaparece sem deixar rasto, sem dar notícias às suas amigas durante mais de 20 anos. Até ao dia em que surge no consultório do marido de Alice e perante o medo de não ter oportunidade de dizer o que gostaria, segundos antes de ceder aos efeitos da anestesia, diz: “Doutor Gonçalo Furtado, diga à Alice que nunca me esqueci dela. Nem dela, nem da Carlota.” “Podemos fugir do passado, mas o passado não foge de nós e, mais cedo ou mais tarde, arranja forma de nos encontrar. Às vezes para nos atormentar, outra para nos redimir.” Um romance surpreendente, que nos leva a perceber que, muitas vezes, é o passado que nos ajuda a enfrentar o presente. “A morte apaga muitas coisas, mas não apaga o amor.” SS Clube do Autor