Os livros do verão

Dez livros para os meses de julho e agosto

Os livros do verão

A recente edição das histórias apócrifas de As Mil e uma Noites faz-nos evocar a figura de Xerazade e os seus encantatórios e sedutores poderes de narração. Nos meses de verão, com a aproximação das férias, surge uma maior disponibilidade para a leitura. A Agenda Cultural sugere dez livros escritos com o nobre propósito de Xerazade: o de seduzir os leitores. Boas férias e boas leituras!

Toni Morrison

O Olhar mais Azul

“De par com a ideia de amor romântico, ela conheceu outra: a da beleza física. Provavelmente as duas ideais mais destrutivas da história do pensamento humano. Ambas tinham origem na inveja, prosperavam na insegurança e terminavam em desilusão”. No Ohio dos anos de 1940, Pecola tem a pele mais escura de toda a escola. Rejeitada e tratada com desdém, todas as noites reza para ter os olhos azuis como as atrizes de cinema, as meninas brancas privilegiadas e as bonecas de brincar (“Pecola nunca conheceria a sua beleza. Veria apenas o que havia para ver: os olhos das outras pessoas”). Esta é uma obra poderosa sobre as consequências trágicas e debilitantes de se achar a rejeição como legítima e sobre a forma como a protagonista se desmorona, silenciosamente, anonimamente, sem voz para exprimir ou reconhecer o trauma. Mas, é também um livro que rejeita a noção equivalente de fealdade/negridão e que confronta o conceito de beleza imposto. A autora, Prémio Nobel de Literatura em 1993, procurou com este romance de estreia, que tenta tocar no “nervo nevrálgico do autodesprezo racial”, uma escrita “indiscutivelmente negra” tentando “transfigurar a complexidade da cultura negra americana numa linguagem digna dela.” Presença

Fernando Pinto do Amaral

Última Vida

O volume poético Última Vida divide-se em três partes: a primeira constituída por sonetos; a segunda por uma não-carta-de-amor em sete estâncias; e a terceira por poemas reunidos sob o titulo de Fim do Mundo. Fernando Pinto do Amaral retoma o seu lirismo de tons melancólicos, um conjunto de poemas que parecem dar-nos o retrato de um espírito ou de um planeta feitos de sombras, em vésperas de um fim do mundo anunciado. Paralelamente, a presente coletânea propõe também uma profunda reflexão sobre o sentido da própria poesia. No poema Remorsos, inspirado nuns versos de Auden que expressam a esperança do poeta se libertar do inferno devido aos livros que escreveu, lê-se: “(…) não tenhas remorsos como Auden. / É já tarde para isso e os poemas /não mudam o que foi a tua vida: / quem os ler vai pensar que foi outra, / imaginá-la outra – é sempre assim / e os poemas não pesam no juízo final”. Mais adiante, no poema Sombra, interroga-se: “Para quê escrever mais?”. Certamente em busca da “(…) última paz / antes do infinito / como um verso que traz / o que nunca foi dito.” Dom Quixote

As Mil e uma Noites – Histórias Apócrifas

A labiríntica narração de Xerazade tem seduzido gerações de leitores conduzidos por um mundo lendário, mágico e alegórico, povoado de reis, califas, tapetes voadores, misteriosas princesas, enganos, e trágicos amores, em que exotismo e sensualidade se confundem. Porém, As Mil e uma Noites, é, simultaneamente, uma obra que faz parte do imaginário popular e uma das mais desconhecidas da literatura universal. As suas histórias, as mais antigas remontam ao século XIV, foram sucessivamente alteradas, aumentadas ou encurtadas e, até, inventadas por tradutores menos escrupulosos. Antoine Galland, o primeiro tradutor europeu de As Mil e Uma Noites, acrescentou à tradução do manuscrito em sua posse várias histórias. Estas histórias apócrifas, como as designam os especialistas, terão sido contadas a Galland por um mercador sírio Hanna Diab que falava francês. Entre elas, contam-se algumas das mais populares, como as de Ali Babá e os Quarenta Ladrões ou Aladino e a Lâmpada Mágica. Este volume reúne as histórias que não provêm dos manuscritos árabes que recolhem lendas e contos tradicionais. Provavelmente, nunca se poderá garantir se terão sido contadas pelo mercador sírio, inventadas por Galland ou constado de algum manuscrito entretanto desaparecido. E-Primatur

Gustave Flaubert

A Tentação de Santo Antão

Em 1845, o escritor Gustave Flaubert (1821/1880) admirou, no Palácio Balbi, em Genova, a pintura atribuída a Pieter Brueghel, o Jovem, A Tentação de Santo Antão. Esta experiência, juntamente com as recordações dos espetáculos ambulantes apresentados na feira de Saint-Romain em Rouen, inspirou a criação da presente obra, objeto estranho e inclassificável com a perfeição formal que caracteriza os escritos do autor. Antão, o eremita de Tebaida, dialoga com aparições sucessivas e tentações demoníacas: visões de luxúria, seduções de poder e de prazer e a aparição do seu discípulo, Hilarião, que faz desfilar, perante ele, “os deuses de todas as nações e de todas as épocas” sublinhando as contradições das Escrituras. Segundo Baudelaire, seu contemporâneo, a obra constituía o “gabinete secreto do seu espirito” através da qual Flaubert expôs a “faculdade subterrânea do sofrimento” que marca a “desordem tumultuosa da solidão”. Uma obra percursora que antecipa o movimento surrealista na sua estreita relação com a teoria psicanalítica, conduzindo o olhar do leitor, ora encantado, ora aterrado, através de um mundo “criado por um Deus em delírio.” Minotauro

Ricardo Gonçalves Dias

Marcha de Alfama – A História da força de quem canta

O livro infantojuvenil O Primeiro País da Manhã narra a aventura de um menino que, para devolver um pouco de igualdade e de justiça ao mundo, decide inventar o seu próprio país. Em 2013, a obra vence o Prémio Branquinho da Fonseca Expresso/Gulbenkian. Em 2015, o autor, Ricardo Gonçalves Dias recebe o Prémio Jovens Criadores na área da Literatura. O escritor concentra agora a sua atenção na história da Marcha de Alfama. Desde a sua origem, as Marchas Populares de Lisboa alcançaram um lugar de relevo na vida cultural da cidade e um grande impacto nos bairros mais tradicionais que participam no evento. Para esta realidade, a Marcha de Alfama deu um contributo inegável, continuando a ser a marcha com mais títulos conquistados desde sempre e representando-se internacionalmente em países como Cabo Verde e Japão. Marcha de Alfama – A História da força de quem canta descreve o percurso de uma marcha popular, cruzando a história com a vida do bairro. A obra tem sempre presente a população alvo do texto, a que pertence ao universo da marcha e aquela que vive em Alfama, o bairro mais antigo de Lisboa que continua a encontrar caminhos para preservar a sua identidade perante a pressão dos tempos. Diário de Bordo

Nuno Costa Santos

Como um Marinheiro eu Partirei

Em centena e meia de páginas, Nuno Costa Santos presta tributo à sua relação com o cancioneiro e a figura de Jacques Brel (1929-1978), e com aqueles com quem tem partilhado este amor ao longo da vida. Como um Marinheiro eu Partirei – Uma Viagem com Jacques Brel usa por mote a frase “Um homem fuma um cigarro à proa do iate, concentrado no som do mar”, repetida algumas vezes até ao final, como que relançando na eternidade a viagem de barco que Brel iniciou (com as interrupções que o livro também assinala), após ter terminado a carreira nos palcos para se dedicar a viver como bem quis. No trajeto, aportou na ilha do Faial, onde teve início uma breve história de amizade com um médico local de ascendência belga. Nuno Costa Santos puxa por várias pontas da biografia de Brel, que cruza com a sua história pessoal entre os Açores e Lisboa, falando daquilo que se propõe intuir da personalidade do cantor belga, alguém que o levou a descobrir pessoas tão apaixonadas pelas suas canções como ele, e que fez ainda questão de dar a descobrir aos filhos. Trata-se um livro muito livre e muito afetuoso, que se constrói num registo híbrido pouco usual entre nós. RG Elsinore

Victor Correia (Organização)

Poemas eróticos sobre Frades, Freiras e Padres 

A vida dos frades, freiras e padres está rodeada de interditos devido aos votos de castidade e celibato. A literatura erótica alimenta-se da transgressão associada à sexualidade. Em Portugal, desde a Idade Média, através dos cancioneiros medievais galego-portugueses, que se dá conta de transgressões praticadas por freiras e padres com indivíduos que não pertenciam à Igreja, por padres e freiras entre si, mas também entre os próprios padres e freiras. Porém, é sobretudo nos séculos XVII e XVIII que se escreveram esses poemas em consequência do contexto sociocultural da época, devido, por um lado, ao facto de haver mais conventos no país, e por outro, às influências que Portugal recebeu das “ideias libertinas da Europa desses séculos”. Organizada por Victor Correia, esta antologia única reúne poemas eróticos sobre frades, freiras e padres, escritos por mais de 50 autores portugueses clássicos, da Idade Média ao início do século XX. No final da antologia, divulga um conjunto de poemas inéditos do século XVIII, cujos manuscritos estão no arquivo nacional da Torre do Tombo: são da autoria de um frade, Frei João de Deus, e foram endereçados a diversas freiras. Têm agora, pela primeira vez, publicação em Portugal. Guerra & Paz

Honoré de Balzac

O Pai Goriot

Balzac (1799-1850) concebeu uma obra monumental com perto de 100 volumes. A quase totalidade forma um conjunto a que deu o título de A Comédia Humana, através do qual cria um extraordinário retrato da sociedade francesa da primeira metade do séc. XIX. Visionário poderoso, dotado de uma imaginação e sentido de observação invulgares, debruça-se sobre as problemáticas da paixão e da tomada do poder pela burguesia endinheirada. Este romance narra a história do pai Goriot, fabricante de massas viúvo que, tendo enriquecido durante a Revolução, permitiu às filhas, Anastasie e Delphine, encontrar bons partidos. Apesar da ingratidão das filhas, o protagonista dá provas de um amor paternal absoluto que quase raia a loucura. Paralelamente, desenvolve-se um tema tipicamente balzaquiano: o de um jovem provinciano ambicioso, de beleza delicada e algo andrógina, Eugène de Rastignac, que luta no mundo competitivo e adverso da grande cidade de Paris. A Comédia Humana, é uma obra colossal na qual as personagens passam de uns romances para os outros. Nesse sentido, embora na realidade não tenha sido concebido como tal, O Pai Goriot pode ser lido como o primeiro volume de uma pressuposta trilogia completada, respetivamente, por Ilusões Perdidas e Esplendores e Misérias das Cortesãs. Relógio D’Água

Edmund Wilson

Rumo à Estação da Finlândia

Edmund Wilson (1895 -1972) foi um escritor, ensaísta, jornalista, historiador e crítico norte-americano. Importante e influente crítico literário do The New Yorker influenciou o gosto literário de sua época promovendo novos escritores como William Faulkner e Ernest Hemingway. Na introdução a Rumo à Estação da Finlândia, a sua obra mais relevante, escreve: “É muito fácil romantizarmos uma sublevação social que acontece num país distante. (…) Ao longo deste livro, parte-se do princípio de que se deu um passo importante no sentido do progresso, de que ocorreu uma ‘conquista’ fundamental e de que nada na história da humanidade voltaria a ser como era”.  Neste, que é o seu único estudo histórico, publicado pela primeira vez em 1940, desenvolve uma história intelectual em larga escala das ideias revolucionárias que deram forma ao mundo moderno, desde a Revolução Francesa até à chegada de Lenine, em 1917, à estação da Finlândia, em São Petersburgo. A obra é marcada por um tom vibrante, resultado do estilo do autor, mas também na sua convicção na ideia basilar de que é possível construir uma sociedade assente na justiça, na igualdade e na liberdade. O autor narra as vidas de anarquistas, socialistas, niilistas e utópicos como Vico, Michelet, Bakunin, Marx e o próprio Lenine. Com Wilson, a visão histórica é transformada num enredo pleno de romance, idealismo, intriga e conspiração. Imprensa da Universidade de Lisboa

Miriam Assor

Portugueses na Lista Negra de Hitler

O nazismo classificou os judeus como inimigos prioritários, mas perseguiu igualmente opositores políticos, testemunhas de Jeová, homossexuais, pessoas acusadas de serem criminosas profissionais e os chamados antissociais (mendigos, prostitutas, alcoólicos). Esterilizou, à força, afro-alemães, vitimou deficientes, empregou medidas extremas contra grupos considerados inimigos raciais, civilizacionais ou ideológicos, ciganos e funcionários e prisioneiros de guerra soviéticos, como lembra Miriam Assor no prefácio ao presente livro. Não obstante Portugal ter declarado neutralidade na II Guerra Mundial, houve cidadãos com documentação portuguesa tragicamente envolvidos na contenda. Fruto de uma pesquisa de mais de dez anos, esta é uma investigação inédita sobre os judeus portugueses que foram vítimas do totalitarismo nazi, do seu encarceramento, condições de transporte para os campos de extermínio. A obra inclui  as memórias dos poucos que sobreviveram ao Holocausto, narradas pelos próprios ou pelos seus descendentes. Lembra a política consular do Estado Novo, que poderia ter feito muito mais para proteger os seus cidadãos no estrangeiro. Recorda os nomes dos diplomatas que desobedeceram às diretivas do Ministério dos Negócios Estrangeiros e a intervenção da Polícia portuguesa, no sentido de fechar as fronteiras e de encurtar o mais possível a estadia dos refugiados em território nacional. Casa das Letras