Pedro Mafama

“Quero ter impacto cultural e mexer com as mentalidades”

Pedro Mafama

Depois do universo melancólico de Por este Rio Abaixo (2021), Pedro Mafama revela o seu lado mais solar. O segundo disco do músico, Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente, foi lançado o mês passado e explora novas sonoridades como a música de baile, as rumbas ou as marchas. A apresentação não podia ter calhado em melhor altura, já que este é o mês dos arraiais e dos santos populares. A 7 de junho, o artista dá a conhecer o novo álbum num concerto gratuito, no arraial do Centro Cultural Magalhães Lima, em Alfama.

O seu percurso académico é ligado ao design. Como surgiu a vontade de ser músico?

Tirei um curso profissional de multimédia e estudei artes plásticas na faculdade, mas sempre tive uma paixão secreta pela música. Não acreditava que um dia pudesse seguir esse caminho, mas era um sonho que tinha desde criança. À medida que o tempo foi passando fui aprendendo por minha conta, fui ganhando confiança. Juntava-me com amigos, escrevíamos letras, cantávamos uns para os outros… Quando saí da faculdade acabei por perceber que era esse o caminho que ia seguir.

Esse lado visual permite-lhe saber bem o que quer da estética musical?

Sem dúvida que influencia a forma como apresento a minha música. O lado visual quase que faz parte da música em si. Aquilo que proponho não é só uma canção. Quero ter impacto cultural e mexer com as mentalidades.

A sua sonoridade é uma mistura de estilos. Como a caracteriza?

É música popular portuguesa. Gosto do limite entre popular e pop. O que é que é pop e o que é que é música popular? Se pensarmos bem, não é muito fácil separar estes dois universos. Rock’n’roll também é música popular americana. Temos tendência a olhar para a música popular portuguesa como folclórica e tradicional, mas isso é muito redutor. Por exemplo, neste disco – que tem inspirações diferentes do disco anterior – fui buscar sonoridades como a música de baile, as marchas ou as rumbas portuguesas. São géneros que estão muito presentes. As marchas são criadas todos os anos e vividas intensamente. Os géneros que abordo podem parecer tradicionais, mas são bastante contemporâneos e estão bem vivos.

O primeiro disco, Por este Rio Abaixo, saiu em 2021. Grande parte dele foi escrito durante a pandemia. É por isso que tem um tom melancólico?

As canções já existiam antes, mas foram muito trabalhadas durante a pandemia. Em termos de letras e de conceito não foi muito influenciado pela pandemia, mas mais pela fase que eu estava a viver a nível pessoal. É um disco mais melancólico, mais trágico, de coração partido, mais fadista. O disco novo – Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente – é totalmente diferente. As inspirações musicais são completamente diferentes, apesar de continuarmos na música popular portuguesa. O estado de espírito é totalmente o oposto, é um disco 100% alegre.

Isso está relacionado com a fase pessoal e profissional que está a viver?

Quando fiz este disco estava a entrar numa nova fase da vida, muito mais feliz, o que me transportou para um sítio completamente diferente. É interessante observar como em três anos tudo mudou, e o impacto que isso teve no meu trabalho. No início, quando comecei a trabalhar neste disco, estava um bocado inseguro. Achava que o disco era alegre demais, que lhe faltava profundidade. Mas pensei que tinha de aproveitar este bom momento e marcá-lo no tempo. Agora é avançar e ver o que vem a seguir.

“A música não resolve problemas, mas cria um espaço onde mundos diferentes se aproximam”

O disco inclui bailes, rumbas e marchas. A ideia foi homenagear estes géneros musicais?

As marchas e a música de baile fazem parte das minhas memórias de infância. A música de baile é transversal, transporta-nos para as festas na aldeia. Aliás, basta ligarmos a televisão ao domingo e temos essa realidade. Acho que é uma realidade linda, com elementos musicais muito interessantes. É o tipo de música que oiço quando estou a celebrar com amigos: à segunda cerveja já estou a pôr uma rumba portuguesa ou uma música de baile [risos]. São géneros musicais que me ajudaram a encontrar a minha postura musical feliz. Há muito esta ideia – que para mim era verdade até há pouco tempo – de que a música feliz é bastante desinteressante. Por norma, as melodias que mais me interessam caem muito para as escalas menores, são melodias tristes. A música de baile e as marchas têm uma grande personalidade melódica. Encontrei aqui uma fórmula musical feliz – que transmite o meu estado de espírito – e que me permite explorar algo que nunca tinha explorado antes.

O primeiro single deste novo trabalho, Estrada, conta com a participação dos Mineiros de Aljustrel. Como surgiu a ideia para esta parceria?

Andava a trabalhar numa rumba portuguesa há algum tempo. Numa das vezes que estava a trabalhar esta música, subi o tom e comecei a ouvir o hino dos mineiros dentro da minha cabeça. Tive uma epifania e quis muito que esta ideia resultasse. “Samplei” o hino dos mineiros e percebi que casava perfeitamente com a canção. Achei muito curioso, isto diz muito sobre o hino dos mineiros e sobre o cante alentejano. O hino dos mineiros encaixa perfeitamente na escala da música cigana. Havia uma proximidade musical entre as duas coisas que me interessava explorar. Essa é uma das mensagens da música: unir o universo musical alentejano ao universo cigano português. Como sabemos, são dois mundos que, infelizmente, têm estado em tensão nos últimos tempos. A música não resolve problemas, mas cria um espaço onde estes dois mundos diferentes se aproximam. Acho isso bonito e com potencial para mudar mentalidades.

Qual é a história por trás da canção Preço Certo (que conta com uma pequena participação do ator e apresentador Fernando Mendes)?

Para mim, o Fernando Mendes é um símbolo de otimismo e de celebração, de generosidade e de união. Representa o sentimento que eu queria transmitir com esta música. O nome da música está relacionado com a minha experiência pessoal: estou feliz, tenho pessoas lindas ao meu lado. Sinto-me como se tivesse ganho a montra final do Preço Certo.

Produziu e participou no álbum da sua companheira, Ana Moura, e ela também participa no seu disco. Gerir o lado emocional e profissional é pacífico para os dois?

A Ana ajuda-me muito com a sua opinião, sobretudo com as melodias. Todos temos um “ouvido” que nos dá opiniões e eu tenho a sorte de ter um ótimo ouvido para me dar opiniões [risos]. Encorajamo-nos muito nos nossos trabalhos, e também nos ajudamos participando nos discos um do outro.

Em junho, apresenta este disco no arraial do Centro Cultural Magalhães Lima, em Alfama. Vai ser uma festa ou um lançamento do disco?

Vão ser as duas coisas na verdade. Este ano tenho estado muito próximo da marcha de Alfama: muitos dos coros femininos do meu álbum são de marchantes da marcha de Alfama e também da ensaiadora das marchas. O disco também conta com participação do cavalinho (banda filarmónica) que trabalha com a marcha de Alfama. Estou extremamente entusiasmado por mostrar ao bairro de Alfama o que tenho estado a fazer. Temo-nos ajudado mutuamente, por isso quero muito mostrar-lhes o fruto disso tudo. Também estou perto da Graça, que foi o sítio onde cresci. Vai ser bonito poder apresentar à cidade uma música que tem tanto dela.