Beatriz Pessoa

"O disco tem muito essa marca do prazer primário, de sermos felizes com o que nos faz bem"

Beatriz Pessoa

A cantora e compositora Beatriz Pessoa apresenta o segundo disco, Prazer Prazer, no B.Leza, a 20 de abril. O novo álbum inclui dez canções em português ornamentadas com uma sonoridade que mistura bossa nova, MPB e um lado mais indie. Com produção e direção artística do brasileiro Marcelo Camelo, este trabalho conta com a colaboração de Ana Cláudia, Mallu Magalhães, Margarida Campelo, Momo e Wado.

No teu percurso académico passaste pelo Hot Clube e pela Escola Superior de Música de Lisboa. Nunca pensaste seguir outro caminho que não a música?

Quando era pequena tive uma fase em que havia todo um leque de possibilidades. Considerei seguir dança porque fiz ballet durante muitos anos, considerei o teatro…Também quis ser jornalista, mas a partir do momento em que comecei a estudar no Hot Clube as outras opções deixaram de fazer sentido. Estudar música exige muita disciplina, e isso nunca me aborreceu.

O teu som cruza a música portuguesa e brasileira com um lado mais pop e também mais alternativo. Como chegaste aí?

O facto de a minha base ser o jazz acaba por ter bastante influência. É um estilo que absorve influências de outras culturas e acaba por ser muito eclético. Um tipo de sonoridade que sempre me atraiu e com a qual me identifico muito, seja nas batidas ou na forma de construir as canções. A música brasileira que fui ouvindo enquanto crescia chegava-me através do que os meus pais escutavam em casa.

Vês-te a cantar outros estilos musicais?

Gosto de cantar outros géneros, mas este é onde me sinto mais em casa, especialmente quando canto em português. Grande parte da diferença entre o português de Portugal e do Brasil tem a ver com a melodia que associamos à palavra e com a forma como acentuamos as sílabas tónicas. É só trazer essa leveza sem alterar as palavras. Faço-o naturalmente, não com esforço. Por exemplo, sou péssima a cantar fado, talvez por não ter essa melodia intrínseca em mim. Acho que tem tudo a ver com o que vamos ouvindo.

Entre Primaveras e o mais recente Prazer Prazer passou apenas um ano…

O primeiro disco saiu durante a pandemia, mas já estava feito há mais tempo. Gravei-o no início de 2020 no Brasil, mas estava a trabalhar nele desde 2019. Saiu durante a pandemia por isso foi um disco que não viveu muito, não teve muita estrada. A construção de Prazer Prazer acabou por acontecer mais rapidamente porque as ideias já lá estavam há mais tempo. Entretanto surgiu a oportunidade de trabalhar com o Marcelo [Camelo], convite que ele aceitou com muito entusiasmo. Agora não faço ideia de quando lançarei o próximo. Tenho uma pasta cheia de ideias para discos futuros, mas ainda não me sinto capaz de as pôr em prática.

Tens algumas canções mais melancólicas, outras mais alegres. Sobre o que gostas de escrever?

Muita da minha inspiração vem de coisas que vou sentindo e que vou observando também nos outros. Para este disco específico, muita da inspiração veio da saída da pandemia, da sensação de voltar a sentir, de valorizar esses sentimentos e de fruir os pequenos prazeres da vida. O disco tem muito essa marca do prazer primário, de sermos felizes com o que nos faz bem e de valorizarmos isso. O refrão de Prazer Prazer é basicamente sobre isso. O nome do disco vem daí e é também uma forma de fazer uma ponte musical com o Brasil em jeito de comunicação e de cumprimento. Quando conhecemos alguém dizemos “prazer” e a outra pessoa diz o mesmo. É essa ideia de comunicação aliada à desconstrução da culpa. Acho que a palavra ‘prazer’ tem uma carga negativa associada que está muito ligada à culpa. Quis desconstruir isso de alguma forma. Por exemplo, Passeio Pequeno é uma espécie de mantra, algo que repetimos a nós próprios para nos acalmar. Quando estou triste ou mais em baixo tenho o hábito de ir ver o mar. Há uma praia específica a que gosto de ir, que faz parte da minha infância. Essa ideia de ir ver o mar para nos sentirmos mais pequenos é algo que tenho muito marcado e precisei de expor essa ideia. Tranças é uma canção sobre mulheres. Não é necessariamente autobiográfica porque quando a escrevi estava a pensar sobre as mulheres da minha vida. Digo “soltar a trança” no sentido de libertar as amarras que nos são impostas. A minha forma de escrever é, talvez, mais poética, no sentido em que gosto de usar imagens e analogias, não é tão direta.

“O facto das canções não serem nossas dá-nos uma certa liberdade na interpretação(…) Por vezes as nossas palavras são mais difíceis de aceitar do que as dos outros.”

Também tens escrito para outros artistas. É mais difícil escrever para os outros?

São exercícios muito diferentes. Adoro escrever para outras pessoas. Fiz uma canção para a Cristina Branco em que escrevi a letra e a música, mas já tive encomendas em que só me foi pedida a letra. Recentemente trabalhei no disco da Margarida Campelo e foi uma forma de trabalho diferente, porque eu, ela e a Ana Cláudia encontrávamo-nos semanalmente para jantar e íamos escrevendo letras umas para as outras. Ou seja, as letras são fruto de um brainstorming que surgiu num jantar de amigas. Escrever para os outros tem várias formas. Quando escrevo para mim – apesar de isso ter a ver com a minha disponibilidade emocional – é mais difícil concentrar-me, porque não estou comprometida com promessas ou prazos. Neste momento em que estou a lançar o disco não tenho espaço emocional para me sentar e para escrever.

Como surgiu a colaboração com Marcelo Camelo?

Sou grande fã do Marcelo, adoro o trabalho dele tanto a solo como em Los Hermanos. Conheci-o pessoalmente através da Mallu [Magalhães]. Quando comecei a ter ideias para o novo disco, percebi que continuava a haver esta ligação muito forte à música brasileira e sabia que necessitava de trabalhar com alguém tendo em conta esta imagem que tinha para o álbum. Fartei-me de pensar em possíveis produtores e o único que me fazia sentido era o Marcelo, mas sempre achei que não seria uma hipótese viável, até porque ele tem estado afastado da área da música. A Mallu passou-me o contacto e andei a adiar porque não me estava a apetecer lidar com a rejeição, estava muito pessimista. Quando liguei, ele fez uma grande festa e ficou muito entusiasmado.

Para além da Ana Cláudia, da Mallu e da Margarida Campelo, Momo e Wado também colaboram no disco. Como surgiram estes nomes?

O Marcelo lembrou-se de uma música que tinha escrito em parceria com o Momo e com o Wado, Dente d’Ouro, que achou que ficaria bem na minha voz. É uma música feita por três homens e pensada para ser interpretada por um homem, mas que ele achou que tinha tudo a ver comigo. Adoro a música e sinto-me muito poderosa quando a canto. A letra é forte, bonita e delicada. É uma combinação incrível entre o universo masculino e feminino. Dente d’Ouro, Valente e Valsa d’Água são as únicas canções em que sou meramente intérprete. É engraçado porque, apesar de não terem sido escritas por mim, são aquelas onde me sinto mais livre a cantar. Às vezes, o facto das canções não serem nossas dá-nos uma certa liberdade na interpretação, talvez por não lhes associarmos nenhuma memória. Por vezes as nossas palavras são mais difíceis de aceitar do que as dos outros.

A 20 de abril apresentas este disco no B.Leza. O que estás a preparar?

É a primeira vez que vou tocar o Prazer Prazer ao vivo. Estou muito entusiasmada por ver estas canções a ganharem vida em palco. Vou tocar essencialmente este álbum, mas também uma ou outra canção que não fazem parte dele. Haverá algumas surpresas musicais, como alguns convidados que fizeram parte da construção do álbum. A minha maior preocupação é que as músicas sejam o mais fiéis possível ao disco e que a sala esteja cheia. Nunca toquei no B.Leza mas acho que tem uma energia incrível porque as pessoas estão de pé, dançam, é um espaço grande mas muito acolhedor. Sempre me imaginei a tocar lá, estou mesmo feliz por finalmente se ir concretizar.