O olhar do curador informal

Exposição "Entre olhares, encontros (in)comuns" na Biblioteca de Alcântara

O olhar do curador informal

O Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian e a Biblioteca de Alcântara lançaram um desafio, através de open call, a pessoas residentes na vizinhança da biblioteca municipal. Procuravam-se amantes da arte com vontade de sair do papel de espectador e de ocupar o lugar de curador. O resultado desta convocatória pode ser agora apreciado numa exposição que contempla 17 obras da coleção e 14 livros de artista da Biblioteca de Arte da Fundação.

O edifício do CAM encontra-se encerrado para a trabalhos de renovação. De forma a levar as suas obras até ao público, a Gulbenkian criou a iniciativa CAM em Movimento, onde se insere o projeto Entre Olhares. “A ideia foi criar uma parceria com a Biblioteca de Alcântara no sentido de podermos vir a desenhar um projeto de curadoria participativa, com um coletivo de pessoas amadoras que não têm nenhuma relação profissional com este meio, mas que pudessem vir a assumir o lugar de curador”, explica Susana Gomes da Silva, coordenadora de educação do CAM.

“Em sessões quinzenais que aconteceram ao longo de seis meses, estas pessoas conheceram a coleção do CAM, pensaram num conceito organizador para essa coleção, desenharam a exposição, fizeram toda a sua comunicação, encontraram os fios condutores, desenharam as tabelas e escreveram o texto de sala. Fizeram, portanto, todo o trabalho que está por detrás de uma exposição. E esta mudança de olhar permite-nos a nós, enquanto instituição, visitar objetos que habitualmente expomos a partir de um olhar que não é o que normalmente temos, por ser um olhar que vem de curadores informais”, acrescenta.

Da open call resultaram cerca de 70 candidaturas, de onde foram selecionadas 17 pessoas, com idades compreendidas entre os 18 e os 76 anos, originárias de vários países. “O objetivo era termos um projeto o mais heterogéneo e intergeracional possível, porque isso cria um tecido social muito diverso que mostra a cidade em que vivemos hoje em dia”, conclui Susana Gomes da Silva.

Já Ana Gomes Santos, coordenadora da Biblioteca de Alcântara, afirma que o repto do CAM foi aceite de imediato. “A Biblioteca de Alcântara tem no seu ADN esta marca vincada do envolvimento com a comunidade, dos processos participativos. Para nós, é muito importante democratizar tudo aquilo que envolva o acesso à cultura e à arte, e isso só se faz com a participação ativa das pessoas”, avança.

Os envolvidos neste projeto escolheram peças da coleção que lhes permitiram abrir a porta a uma reflexão sobre a importância e a qualidade dos muitos espaços de encontro em que se movem e se querem mover. São trabalhos de pintura, escultura, serigrafia, desenho, fotografia, instalação e livros de artista que os ajudam a explorar diferentes caminhos e leituras, diferentes abordagens para a noção de lugar, de memória, de história, de emoções e de afetos, de dor e de ausência, de amor, de espera e de quotidiano.

Esta exposição, resultante da exploração desses muitos caminhos, procura ser o mapa possível de um encontro a muitos olhares e múltiplas vozes.

Um desses olhares e uma dessas vozes é a de Mafalda Vale de Castro, a participante mais velha deste projeto. “Decidi participar porque quero perceber cada vez mais o que se passa no mundo da arte contemporânea, quero aprender tudo o que possa para não ficar para trás, e estas sessões ajudaram-me a compreender melhor e a ficar mais aberta a tudo o que diga respeito à arte contemporânea”, explica. Carlota Melo, outra das curadoras informais desta mostra, considera todo este processo “transformador”. “Trabalhar com um grupo de pessoas tão diferente, onde aquilo que nos unia era o gosto pela arte contemporânea e a curiosidade de estar do lado de lá de uma exposição, foi um verdadeiro desafio. Mas um desafio muito generoso”, revela.

Até 31 de março, é possível testemunhar este “encontro de olhares” através de obras de artistas como Ana Vidigal, Bruno Pacheco, Lourdes Castro, Mónica de Miranda, Noé Sendas ou Vasco Araújo, selecionadas pelos curadores Adriana de Carvalho, Aline de Moraes, Ana Paula Ponichi, Brenda Segura, Carlota Melo, Constanza Solórzano, Diego Alves, Eduardo Serra, Fátima Durão, José Brito, Mafalda Vale de Castro, Mariana Marques Caldeira, Maria Isaura Almeida, Niccolà Galliano, Raquel Moreira, Sofia Alves e Tinno Filho.