Os livros de fevereiro

Oito sugestões de leitura

Os livros de fevereiro

Fevereiro é mês de Dia dos Namorados e porque não festejar a data oferecendo um bom livro? A Agenda Cultural de Lisboa apresenta oito propostas para o presente ideal.

John Milton

Paraíso Perdido

John Milton (1608-1674) terá escrito o poema épico Paraíso Perdido, publicado originalmente em 1667, durante toda a vida, interrompendo-o devido à Guerra Civil (apoiou a causa republicana, incluindo a ditadura de Cromwell), à morte prematura da segunda mulher e à cegueira que se declarou totalmente em 1652. Sobre o texto, em verso branco, escreveu: “A medida é a do verso heroico sem rima, tal como o de Homero ou o de Virgílio, (…) como exemplo, o primeiro em inglês, da liberdade devolvida ao poema heroico da penosa escravatura moderna dos versejos”. A obra relata a queda do Homem: a tentação de Adão e Eva e a consequente expulsão do Paraíso. Dryden, poeta contemporâneo de Milton, salientou a “particularidade constrangedora” de Satanás ser o herói do poema. De facto, o Satanás de Milton é um personagem inteiramente novo na poesia épica, oposto à figura monstruosa tradicionalmente retratada na literatura medieval e renascentista. Para o poeta e artista William Blake, ilustrador da obra, o Satanás de Paraíso Perdido representa o símbolo do desejo, da energia e das forças criadoras vitais que permitem à humanidade desfrutar da vida em plenitude. Tradução de Daniel Jonas e ilustrações de Gustave Doré. E-Primatur

Annie Ernaux

Um Lugar ao Sol seguido de Uma Mulher

Este volume assinala a primeira reação do meio editorial português à atribuição do Prémio Nobel à autora francesa Annie Ernaux. A mesma casa que publicara Os Anos, Uma Paixão Simples e O Acontecimento, reúne agora duas narrativas de menos de 100 páginas no mesmo livro: Um Lugar ao Sol, sobre o pai de Ernaux, publicado em 1984 e vencedor do Prémio Renaudot, e Uma Mulher, sobre a sua mãe, lançado em 1988. A autora dá nestas obras as melhores formulações sobre o seu trabalho de escrita. Escolhemos duas: “Esta maneira de escrever, que me parece desenrolar-se no sentido da verdade, ajuda-me a emergir da solidão e da obscuridade da recordação individual, a fim de descobrir uma significação mais geral”. “A escrita neutra acode-me com naturalidade, a mesma que utilizava quando escrevia aos meus pais para lhes comunicar as novidades essenciais”. São frases que podem caracterizar todos os livros de Annie Ernaux, que vem compondo o mosaico da sua história individual, cruzando-a com a da sua família e a da França contemporânea. O testemunho desta escritora faz-se por camadas de objetividade compassiva sendo esse o seu compromisso. RG Livros do Brasil

Manuel Monteiro

O Mundo pelos Olhos da Língua

“Ver o mundo pelos olhos da língua é encontrar a razoabilidade no modo de viver que Alexandre Herculano decidiu imputar a Almeida Garrett: ser capaz de todas as porcarias, mas nunca, a troco de todo o ouro do mundo, de uma frase mal escrita. A integridade linguística é prova de carácter”. Manuel Monteiro, jornalista, autor, revisor linguístico e formador profissional de Revisão de Textos, aborda neste seu livro “os erros frequentes de quem tem a língua portuguesa como materna, a importância da clareza no discurso escrito ou oral, a forma como transmitimos uma mensagem, a vitalidade de bem escrever e bem falar“. Autor de obras como Dicionário de Erros Frequentes da Língua (2015) ou Por amor à Língua (2018), luta contra a forma como grande parte dos portugueses maltrata a língua e defende a sua complexidade e a beleza. Como escreveu Orwell, citado em epígrafe neste livro, “Um homem pode virar-se para a bebida, porque se sente um falhado, e depois falhar mais completamente por beber. Acontece o mesmo com a língua (…). Torna-se feia e imprecisa, porque os nossos pensamentos são tolos, mas a incúria da nossa língua favorece esses mesmos pensamentos tolos”. Porque pensamento e linguagem são indissociáveis. Objectiva

Branquinho da Fonseca

O Barão

Branquinho da Fonseca (1905-1974) escreveu novelas, romances, poesia e teatro. Contudo, segundo Óscar Lopes e José António Saraiva, o melhor da sua obra reside nos contos. Neles “consegue sugerir um halo de mistério, de medo ou de pesadelo indiferenciado, de constante surpresa na perseguição a um imprevisto ideal, sem todavia nos desprender de um senso de verossimilhança, antes como que acordando nesse halo misterioso os ecos emotivos da realidade”. O Barão, sua obra-prima, narra a viagem de um inspetor das escolas de instrução primária à serra do Barroso. Aí conhece a figura excecional do Barão, homem solitário de especto brutal, “um senhor medieval sobrevivendo à sua época, completamente inadaptado, como um animal de outro clima”. O Barão apodera-se do inspetor e força-o a partilhar o seu mundo delirante e contraditório durante uma noite alucinante marcada por confidências íntimas e acidentes imprevistos. David Mourão-Ferreira ressalta, no prefácio à presente edição, “o significado a um tempo local e universal da figura do Barão, o sortilégio da atmosfera em que ele se move, a possibilidade de interpretação da sua índole e dos seus atos a vários níveis (psicológico, sociológico, mítico, histórico).” Relógio D’Água

José Viale Moutinho

Portugal Lendário

“Um país sem lendas é um aborrecimento, é capaz de nem existir. (…) Portugal não é, nem por sombras, um desses raros países. Nós podemos não nadar em metal sonante, mas temos lendas a rodos por toda a parte, como aqui se prova, que poderão entreter o nosso imaginário durante uns bons séculos, até à eternidade!”. José Viale Moutinho apresenta centenas de lendas do norte ao sul do país, entre o continente e as ilhas, no livro Portugal Lendário – Tesouro da Tradição Popular, uma obra que homenageia as tradições populares portuguesas, percorrendo Portugal ao ritmo das lendas e narrativas. Uma redescoberta do maravilhoso popular entre as histórias que foram passando de boca em boca, de avós para netos, vindas de tempos imemoriais, mas que permanecem atuais e sábias. José Viale Moutinho nasceu no Funchal, em 1945. Jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de investigação de Literatura Popular, da Guerra Civil de Espanha e da deportação espanhola nos campos de concentração nazis, bem como de estudos sobre Camilo e Trindade Coelho. Ficcionista e poeta, recebeu, entre outros, o Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco/ APE e o Prémio Edmundo de Bettencourt de Conto e de Poesia. Temas e Debates

Charles Bukowsky

Os Cães Ladram Facas

A personalidade de Charles Bukowsky (1920-1994) foi marcada pela experiência de uma infância violenta e infeliz e o seu rosto pelas marcas profundas da acne, dando origem a um sentimento constante de rejeição. O poeta e romancista incarnou o mito do autor marginal, que desprezava as convenções sociais e se identificava com os loucos, alienados e alcoólicos, procurando, como salienta Valério Romão, selecionador e prefaciador da presente antologia poética, “uma forma de estar no mundo sem o estar”. Na sua poesia, Bukowski recorre aos seus temas habituais; o sexo e a mulher, a infância e o álcool, os hipódromos e as apostas, a escrita e os outros escritores. O estilo, inspirado por Hemingway, é direto e recusa a complexificação geralmente associada à prática poética. A radical honestidade dos seus versos, nos quais não hesita em descrever-se nos termos menos lisonjeiros, contamina-os de uma profunda e impressiva humanidade: “demorei 15 anos a humanizar a poesia / mas vai ser preciso mais do que eu / para se humanizar a humanidade”. A tradução é de Rosalina Marshall. Alfaguara

Maggie Nelson

Argonautas

Argonautas, de Maggie Nelson, foi distinguido com o National Book Critics Circle Award na categoria de crítica em 2015. O título da obra inspirou-se numa citação de Roland Barthes que descreve o sujeito que pronuncia a expressão “amo-te”, assemelhando-se ao “argonauta que renova o seu barco durante a viagem sem lhe alterar o nome”. A ideia das declarações de amor como renovada viagem ilustra na perfeição um livro que centra no seu fluxo de pensamento a relação amorosa da autora com o artista Harry Dodge, a família configurada por esta união e a viagem que empreendem os seus corpos em permanente devir: Harry submetendo-se às alterações físicas e hormonais de uma transição de género, Maggie engravidando e vivendo as transformação da gravidez e da maternidade. Num registo híbrido e num relato íntimo e fragmentário, Maggie Nelson incorpora nas suas experiências perspetivas teóricas de autores como Roland Barthes, Judith Butler, Gilles Deleuze ou Ludwig Wittgenstein, esbatendo os limites entre o ensaio, a memória, o político, o filosófico o estético e o pessoal.  Orfeu Negro

 

Luís Castro, Vel Z e outros

PERFINST

Obra singular de cuidado grafismo sobre o conceito matricial que os fundadores da Karnart forjam e perseguem desde 1996, o perfinst. Livro dúplice, conceptualmente supervisionado por Luís Castro e Vel Z, diretores artísticos da Karnart, apresenta-se dividido nas duas partes que constituem o neologismo perfinst, PERF e INST, e que ancoram nos conceitos de PERFormance (artes performativas, lato sensu) e INSTalação (artes plásticas e digitais). O livro PERF centra-se na pessoa, no intérprete do perfinst, e integra textos de carácter especializado por Luís Castro, testemunhos das intérpretes Gisela Cañamero e Mónica Garcez, um texto científico da responsabilidade de Maria João Brilhante, e reflexões de Emília Tavares, Nuno Carinhas e Claudia Galhós. O livro INST foca o objeto enquanto protagonista, as coleções do Gabinete Curiosidades Karnart, e alia a textos específicos de Luís Castro, testemunhos das intérpretes Bibi Perestrelo e Sara Carinhas, textos científicos de Maria Helena Serôdio e Daniela Salazar, e reflexões de Gil Mendo, João Carneiro e Jorge Martins Rosa. Os livros estão ligados por um caderno de imagens central, que se constitui enquanto ensaio visual da autoria de Vel Z. Karnart / Centro de Estudos de Teatro da FLUL