A peça rara de um “natural intriguista”

"Pentesileia", de Heinrich von Kleist, estreia no Teatro do Bairro

A peça rara de um “natural intriguista”

Pela primeira vez em Portugal, aquela que é considerada a mais exigente peça de Heinrich von Kleist chega ao palco. Pentesileia narra a história de amor entre a Rainha das Amazonas e o herói grego Aquiles, que defenderam posições antagónicas durante a Guerra de Troia. A partir de uma nova tradução de Luísa Costa Gomes, António Pires encena e Rita Durão e Francisco Vistas protagonizam.

Mais de uma década depois de O Príncipe de Homburgo, a tradutora Luísa Costa Gomes e o encenador António Pires voltam ao teatro de Heinrich von Kleist para levar a cena aquela que, por exigências de encenação, é tida como uma das mais complexas peças do autor germânico – Goethe chegou mesmo a considerá-la irrepresentável.

Independentemente daquilo que Costa Gomes aponta como “a crueza do tratamento do tema épico e as suas particularidades técnicas”, sublinhadas sobretudo pela época em que Kleist a escreveu (entre 1806 e 1807, durante a ocupação napoleónica da Prússia), Pentesileia é “uma peça muito longa”, pejada de monólogos, “alguns dos quais que se estendem por dez páginas”, e particularmente rica “em descrições que se parecem eternizar.”

Contudo, estamos a falar de uma peça de arrasadora beleza poética que, para ser viável levar para o palco, exigiu a António Pires, já em contexto de ensaios, uma minuciosa depuração do texto, mesmo que tal signifique “correr o risco de passar por cima de coisas muito importantes”. Como observa Costa Gomes, “do ponto de vista literário é um texto muito rico e, como poucos, tem muitas verdades juntas, algo que não estamos habituados a digerir quando vamos ao teatro.” No fim de contas, “as verdades são para se dizer, mas uma de cada vez”, conclui com ironia.

São essas “verdades” que levam Costa Gomes a gostar tanto de Kleist, ou não fosse o autor “um natural intriguista”. As intrigas urdidas por ele são “sempre surpreendentes e inesperadas, tal qual a realidade”, mesmo que uma peça como Pentesileia oscile entre o sonho que se intromete no real, e vice-versa. Afinal, para o autor “nós não controlamos coisa nenhuma e tudo acontece como alucinação, como visão.” Não será surpreendente, portanto, que a tradutora veja Pentesileia como “um tratado de psicanálise, pejado de intuições em que Freud irá pegar muitos anos depois.”

Ambientada durante a guerra de Troia, em Pentesileia, Kleist oferece uma versão alternativa da morte de Aquiles, recorrendo à estrutura da tragédia clássica, mas sem nunca deixar de a considerar “uma comédia” com “heróis, cães e mulheres.”

Pentesileia, rainha das Amazonas, alia-se a Troia, conduzindo as suas guerreiras a lutar contra os gregos. No campo de batalha, as amazonas sofrem uma pesada derrota e Pentesileia acaba prisioneira de Aquiles. Mas, os misteriosos caminhos do amor acabam por levar Pentesileia e Aquiles a apaixonarem-se e, no fervor das promessas da paixão, o herói dos gregos oferece uma escapatória à cativa. Porém, a tragédia anuncia-se, e uma morte violenta e cruel despoletada pela amada espera Aquiles, que acaba literalmente devorado por amor.

Esta “peça única e extraordinária”, como a define António Pires, é por fim levada a cena em Portugal, embora em 2012, por ocasião de Guimarães Capital Europeia da Cultura, Martim Pedroso tenha partido da obra de Kleist, traduzida por Rafael Gomes Filipe, para criar Penthesilia – dança solitária para uma heroína apaixonada.

Com uma nova tradução, “completamente pensada para ser encenada”, a dita “irrepresentável” peça de Kleist sobe ao palco do Teatro do Bairro, entre 11 de janeiro e 5 de fevereiro. As interpretações estão a cargo de Rita Durão e Francisco Vista nos papéis principais, secundados por Alexandra Sargento, Carolina Serrão, Graciano Dias, Iris Tuna, Jaime Baeta, João Barbosa, Tiago Negrão e Vera Moura.