A regra basilar é sempre dizer ‘sim’

Marta Carreiras apresenta "Jogos de Obediência"

A regra basilar é sempre dizer ‘sim’

Na sequência de uma bolsa de doutoramento, Marta Carreiras transpôs para o ringue de um ginásio em que transformou a Sala Mário Viegas do Teatro São Luiz, um conjunto de jogos inspirados num trabalho de campo que desenvolveu com adolescentes. Jogos de Obediência é um espetáculo destinado a questionar jovens, e inquietar adultos, sobre a excecionalidade de dizer 'não' às regras, em contexto de jogos que não são mais do que metáforas da vida em sociedade.

Pelo nosso caráter gregário, “a vida humana tem pouco espaço para ser exercida fora de contextos determinados por regras ou acordos”. Quem o constata é Marta Carreiras, criadora destes Jogos de Obediência que não são mais do que metáforas da vida em sociedade.

Neste espetáculo, quatro concorrentes (Madalena Almeida, Rosinda Costa, Rui M. Silva e Vítor d’Andrade), guiados pela anfitriã dos jogos (Sílvia Filipe), disputam um campeonato de obediência. Perante os espectadores que ocupam os seus lugares munidos de auscultadores, aquelas pessoas, meramente designadas por números, são colocadas à prova numa sequência de jogos que ora exigem destreza física, ora psíquica e emocional. Até porque, tal como no mundo real, há consequências associadas à performance de cada um.

“Este recurso aos jogos permitiu-me refletir sobre como cada ser humano é treinado desde o nascimento para obedecer a regras, independentemente do lugar ou da situação em que se nasce e se cresce”, nota Marta Carreiras. “A nossa postura na vida, perante a empresa, o grupo de amigos, o namorado ou a namorada é, por norma, obedecer a um conjunto de regras que estão pré-determinadas”. Consequentemente, cada um de nós é instruído para dizer ‘sim’, quer “tenhamos ou não instrumentos para o fazer em consciência”. Até porque dizer ‘não’ depende em tudo das “condições que se tem para o fazer, sabendo de antemão que não é a regra perante a vida em sociedade.”

Jogos de Obediência é a segunda parte de uma trilogia iniciada com Pedro e o Capitão, texto de Mario Benedetti que Carreiras e Romeu Costa levaram a cena, também no São Luiz, em 2017, com interpretações de Ivo Canelas e Pedro Gil.

Como explica a autora, “se naquela peça acompanhávamos dois homens que escolheram percursos radicalmente opostos” – um, o prisioneiro, era ativista político de esquerda; o outro, o carcereiro, um militar ao serviço de um regime ditatorial –, “tendo em conta trajetos de vida, contextos ou ideologias”, em Jogos de Obediência “estamos no momento anterior às escolhas”, daí este ser “um espetáculo que nasce do trabalho com adolescentes, e que é, sobretudo, a eles destinado.”

Embora a ideia para o espetáculo seja anterior ao doutoramento em Estudos de Teatro na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa que Martas Carreiras desenvolve, foi em contexto académico que este projeto cresceu e ganhou forma. Através de uma bolsa atribuída pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, foi possível, entre outras atividades, desenvolver workshops com adolescentes (onde o recurso aos jogos foi “essencial devido à relação que têm com eles”) e fazer este espetáculo.

Acabou por ser o mecanismo do jogo que “trazemos para o campo do teatro”, fazendo da dramaturgia do espetáculo (por Raquel S.) “uma experiência científica sobre a obediência”. Contudo, e como Marta Carreiras não deixa de sublinhar, “é teatro, mas também é jogo, logo há espaço para improvisar e convidar o público a jogar também. E, porque não, a ajudar a desobedecer”. Porque, apropriando-nos das palavras de Howard Zinn, o problema nas nossas sociedade humanas, independentemente do regime politico, não é a desobediência. O verdadeiro problema é mesmo a obediência.

Com estreia agendada para 31 de maio, numa sessão especial para escolas, Jogos de Obediência apresenta-se ao público em geral entre 3 e 11 e 14 e 19 de junho, com sessões às 19h30, exceto aos domingos, às 16 horas.