Os livros de maio

Quatro sugestões de leitura

Os livros de maio

Uma obra-prima da literatura norte-americana moderna, uma das obras mais representativas da literatura francesa, um livro que nos chega do Brasil e um outro assinado por um autor nacional. Conheça as nossas sugestões de leitura para maio.

John Fante
A primavera há de chegar, Bandini

Considerado um dos grandes autores da sua geração, John Fante (1909-1983) não obteve reconhecimento em vida, ficando a dever a divulgação da sua obra a Charles Bukowski que escreveu: “Fante teve uma grande influência em mim. Fante era o meu deus.” A primavera há de chegar, Bandini, publicado em 1938, é o seu título de estreia e o primeiro de quatro volumes dedicados a Arturo Bandini, seu alter ego literário. No rigor do inverno de uma cidadezinha do Colorado, Arturo, aos 12 anos de idade vive o primeiro desgosto amoroso e confronta-se com a extrema pobreza da família, o adultério do pai, pedreiro sem trabalho, e o fanatismo religioso da mãe. Relato duro e comovente (“feito de coração e tripas”, segundo Niccolò Ammaniti), que contraria a narrativa tradicional da América como terra das oportunidades. Realidade de um país em plena Depressão Económica que só a evasão torna suportável: o pai através do recurso ao álcool, a mãe à religião e Arturo ao basebol e ao cinema, dois dos principais paradigmas da poderosa mitologia popular norte-americana do século XX. [Luís Almeida d’ Eça] Alfaguara

André Gide
A porta estreita

Assim como é estreita a porta que conduz à santidade, as narrativas na primeira pessoa de André Gide são breves, por serem tão depuradas. A história que aqui se conta é a de um amor não consumado entre dois primos, Jérôme e Alissa; a de duas servidões humanas que existem para os seus breves encontros, que conduzem à frustração e à desistência do amor por parte do rapaz, e a uma consumição física em nome da sublimação da alma, no que diz respeito à rapariga. A porta estreita é também uma narrativa epistolar, mas as cartas são sempre interpretadas de acordo com a interioridade de Jérôme, e são também suas outras observações relativas ao comportamento esquivo da prima, que parece querer estabelecer com ele um pacto que conduza o amor de ambos para o plano divino. A porta estreita foi o primeiro sucesso literário de André Gide, corria o ano de 1909, e podemos ver nele o reverso de O Imoralista (1902), narrativa igualmente curta e confessional onde pontificam o desejo e a transgressão. [Ricardo Gross] Cavalo de Ferro

Itamar Vieira Junior
Doramar ou a odisseia

Itamar Vieira Junior ficou conhecido entre nós com Torto Arado (vencedor do Prémio Leya), editado em 2019. Sucede-lhe agora Doramar ou a odisseia, uma coletânea de histórias que o autor brasileiro escreveu antes e depois do primeiro romance e que dedica “às mulheres, maternas, ancestrais, que se fizeram movimento em meu caminho”. 11 dos contos que compõem o livro, prestam homenagem às mulheres. Mulheres obrigadas a lutar contra todas as adversidades, quase sempre em busca da sua liberdade e de respeito, como Alma, a quem tiraram todos os filhos e que um dia se veste com o vestido mais bonito da senhora e parte em busca de um lugar onde possa ser livre; ou Maudigá, a velha parteira que vive no interior de uma floresta onde se prevê construir uma usina hidroelétrica e que se recusa a abandonar a sua velha cabana, na esperança do regresso do seu filho. Um livro no feminino com exceção para manto da apresentação, onde mergulha no universo de Arthur Bispo do Rosário, artista plástico diagnosticado em jovem com esquizofrenia que viveu recluso num hospital psiquiátrico e cuja obra é comparada à de Marcel Duchamp. [Sara Simões] Dom Quixote

Ricardo Fonseca Mota
As aves não têm céu

Segundo romance do vencedor do Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís 2015 (com a obra Fredo) que narra a história de Leto, um homem perdido em busca de salvação. Traído e abandonado pela mulher, Leto fica um ano sem ver a filha. A primeira semana de férias com ela traz ansiedade e um plano de atividades cerrado, sem espaço para improvisos. As noites, porém, fogem ao planeado. Sem conseguir adormecer a criança, Leto recorda que ela costumava dormir com o carro em andamento e recorre ao antigo método. Cansado, não consegue evitar o acidente de viação que resulta na morte da filha. A partir daí, Leto “deseja morrer mas não quer parar de sofrer. Quer sofrer mas sente vergonha de estar vivo.” A sua história cruza-se com a de Raul e Cid, com quem partilha o mesmo espaço, “mas cada um no seu lugar.” Um espaço habitado por vozes e demónios que os atormentam diariamente. [Sara Simões] Porto Editora