Rua do Amor

Histórias de amor na toponímia de Lisboa

Rua do Amor

Em fevereiro, mês de São Valentim, é comum ouvir dizer que o amor está nas ruas. E foi precisamente nas ruas que a Agenda Cultural de Lisboa o procurou, nos nomes de becos, travessas, escadinhas ou praças.  Dessa busca, sobressai uma evidência: na sua toponímia, Lisboa não considera muito os assuntos do coração...

Duas exceções confirmam a regra: a antiga Travessa da Amorosa, no Beato, cuja identidade o tempo apagou, e a recente Rua Ilha dos Amores.  Mas como o amor, ou a ausência dele, nem sempre é literal e se manifesta de muitas formas, podemos dizer que a esse respeito as ruas de Lisboa têm muito para contar.

Sob os nomes das personalidades ou figuras populares inscritos nas placas toponímicas, encontram-se histórias que se guardaram na memória coletiva e que mostram como o amor é intemporal.

Largo da Severa

Santa Maria Maior

Onde e quando se conheceram Maria Severa Onofriana e o conde de Vimioso, D. Francisco de Paula de Portugal e Castro, não se sabe. A história de amor que viveram, porém, tornou-se mítica e foi imortalizada na literatura, no teatro e no cinema. De meios sociais distintos – ela prostituta, ele nobre de longa linhagem – cruzaram-se no meio boémio da Lisboa do início do século XIX e tornaram-se amantes. Severa, que tinha “lume nos olhos” e “uma voz plangente e sonora”, nas palavras do seu contemporâneo Luis Augusto Palmeirim, frequentava as tabernas do Bairro Alto e da Mouraria onde cantava e batia o fado. A relação com D. Francisco, hábil cavaleiro tauromáquico, abriu-lhe as portas dos salões e festas aristocráticas. Cantou inclusivamente no Palácio do amante, no Campo Grande, onde se diz que chegou a viver.  Reza a história que o conde a trocou por outra mulher. Severa estaria já doente com a tuberculose que a vitimou aos 26 anos.

Rua da Preta Constança

Ajuda

Quando, em 1989, a Comissão Municipal de Toponímia decidiu recuperar os antigos topónimos da zona ocidental da cidade, emergiram memórias antigas, algumas já esbatidas pelo tempo e difíceis de reconstituir. No Bairro do Caramão da Ajuda, três novos nomes de ruas aludiam a figuras populares marcantes, ligadas à presença africana na zona: a Rainha do Congo, a Rainha da Ilha das Cobras e a Preta Constança. É desta última a história trágica que haveria de ficar no imaginário coletivo. Constança veio dos confins de África, muito provavelmente para trabalhar nas casas nobres que, desde o terramoto de 1755, se instalaram na Ajuda. Aí conheceu a fortuna, o desengano e a miséria. Seduzida por um fidalgo, de quem teve um filho, viria a perder os dois. O amante abandonou-a à sua sorte e o filho foi-lhe roubado, restando-lhe a errância pelas ruas do bairro que a imortalizou.

Rua Pedro e Inês

Parque das Nações

A história de amor de D. Pedro e D. Inês começa com o casamento do príncipe com D. Constança. Em 1340, a noiva castelhana chega a Lisboa, acompanhada por um séquito no qual vinha uma aia galega, Inês de Castro, por quem D. Pedro se apaixona. Contra todos os poderes instituídos, incluindo o rei, seu pai, mantem com ela uma relação que causa escândalo e receio da influência que a família da amada pudesse exercer na corte. D. Inês é enviada para o exílio, mas nem a distância arrefece a paixão. Com a morte de D. Constança, o príncipe traz Inês de Castro para Lisboa e passa a viver com ela no Paço de Santa Clara. Da relação nascem três filhos, o que contribui para aumentar a oposição da corte ao casal. Pressionado, o rei D. Afonso toma a decisão drástica de eliminar D. Inês. O epílogo da história, popularizado n’ Os Lusíadas diz que D. Pedro, já rei, declara Inês rainha e obriga a corte a beijar-lhe a mão, depois de morta.

Rua Ângela Pinto

Arroios

A biografia conhecida de Ângela Pinto não é marcada por uma história de amor, mas antes pela forma como a atriz viveu o amor. Muito acarinhada pelo público, pisou os palcos pela primeira vez em 1855, com 15 ou 16 anos, e teve um dos pontos altos da sua carreira com a interpretação de Severa, na peça homónima de Júlio Dantas estreada em 1901. De espirito livre e independente, era uma das mais convictas boémias da sua época, sendo célebres os banquetes que promovia no Restaurante Tavares e as ceias no Botequim Magrinho. Fugiu de um casamento com um homem mais velho e das convenções da época, sendo-lhe conhecidos vários amantes, entre os quais D. Luís do Rego. Viveu os últimos dias da sua vida com um amigo na Rua da Emenda.

Triste Feia

Estrela

A identidade da Triste Feia que deu o nome a esta artéria perdeu-se nos tempos, mas não a sua história. Diz a tradição que aqui moravam três irmãs, sendo uma delas conhecida pela sua fealdade. As irmãs namoraram e casaram ao passo que esta, desprezada pelos homens, ficou sozinha. Com o avançar da idade, agudizou-se a solidão e a Triste Feia passava grande parte dos dias sentada à sua porta, numa melancolia profunda. Inspirava simpatia nos vizinhos e em quem passava e tornou-se uma figura popular, ao ponto de não ser esquecida até aos dias de hoje. O nome desta via, que não é rua, surge nas plantas e descrições das freguesias após a remodelação paroquial de 1770, sugerindo que a Triste Feia teria vivido antes desta data.

Rua Ilha dos Amores

Parque das Nações

A Ilha dos Amores que dá nome a esta rua é o lugar mítico criado e descrito por Luís Vaz de Camões nos Cantos IX e X de Os Lusíadas. O local paradisíaco para onde Vénus, deusa do Amor, com a ajuda do seu filho Cupido, conduz os portugueses, como recompensa pelos feitos heroicos na viagem inaugural à Índia através do mar. Nesta ilha, os marinheiros são recebidos por belas e sensuais ninfas que, para além dos jogos amorosos, lhes propiciam banquetes e lhes profetizam glórias.  Esta rua foi criada aquando da realização da Expo’98 que procurou evocar na toponímia os oceanos, tema da exposição, os Descobrimentos Portugueses, escritores portugueses e figuras relevantes para Portugal. Na reconversão da zona em Parque das Nações, grande parte desses topónimos foram oficializados por edital de 2009.

Para descobrir ou saber mais sobre a toponímia de Lisboa consulte cm-lisboa.pt/toponimia