Os livros de fevereiro

Oito sugestões de leitura

Os livros de fevereiro

Ensaio, humor (nos desenhos de Nuno Saraiva e na prosa de George Bernard Shaw), novela, psicanálise, jazz, cinema e uma monografia sobre o extinto Hospital Real de Todos Os Santos, preenchem as sugestões de leitura da Agenda Cultural de Lisboa para o mês de fevereiro. Com estas, ou outras propostas, leia sempre bons livros!

João Maurício Brás

Os Novos Bárbaros – A Moral de Supermercado

O leitor desengane-se que não encontrará este livro nas grandes superfícies. Doutorado em Filosofia, João Maurício Brás, é figura notada nas redes sociais, que incendeia com o seu sarcasmo e iconoclastia. Ao terceiro livro na Opera Omnia, após O Mundo às Avessas (2018) e Os Democratas que Destruíram a Democracia (2020), dá-nos nova obra séria e totalmente pessimista. Seguindo a linha de pensamento de Emil Cioran, Philippe Muray e Nelson Rodrigues, Maurício Brás não poupa nas mais duras palavras ao fazer o diagnóstico do fim da Civilização em curso. As nossa vidas, todas voltadas para o presente, para as hipérboles criadas pela comunicação social que se esvaziam à hipérbole seguinte; para a submissão ao politicamente correto, às políticas identitárias, e ao endeusamento do mercado livre, desembocam no supermercado em que se transformou o mundo, e segundo o autor, são indícios do enfraquecimento das relações humanas e de uma “existência que valorize a dignidade e a decência”. João Maurício Brás recomenda ainda que cada indivíduo se proteja deste tempo caótico. Opera Omnia

Manuel Alegre

Tentação do Norte

“Por um lado, parece-me que não é muito curial tentar perceber o que na obra de um autor é ou não ficção. Não digo verdade, nem realidade, já que, em meu entender, a ficção pode ir mais fundo que a realidade e ser mais verdadeira que a verdade, passe a expressão”. Tentação do Norte, a mais recente novela de Manuel Alegre, é uma variação, em prosa poética, sobre os temas da realidade e da ficção, da memória e da imaginação (“Esta é a verdade, se é que tudo não é ficção de ficção, fruto do muito imaginar”). A procura de algo que só existe no passado (“numa praia batida pelo vento ao norte do Norte”), numa história de separação amorosa, de luta e de resistência política. E a noção de que com esse passado se foi ”um tempo, uma cultura, um imaginário”. Uma prosa “que não passa de um esboço, uma tentação poética de encontrar-me contigo naquela praia que, já sabes é sempre ao norte do Norte”, mas que contém já a dolorosa consciência de que “os velhos que somos não podem abraçar os jovens que naquele dia se separavam.” Dom Quixote

Nuno Saraiva

Diário de uma quarentena em risco

Nuno Saraiva, ilustrador, cartunista e autor de banda desenhada, confinado devido à pandemia do coronavírus a partir de 10 de maio de 2020, decidiu dar-se ao luxo de fazer algo que há décadas não conseguia: desenhar “só pra si”. Resolveu desenhar um cartune por dia, partilhado apenas pelos seus seguidores do Facebook e Instagram. Este diário desenhado somou perto de 150 cartunes, dos quais, o autor, selecionou 100 para este livro. Alguns deles conseguiram notoriedade imediata e tornaram-se virais, outros deram origem à polémica – “incompreendidos pelos amigos, deturpados por desconhecidos, atacados por haters militantes, e até alvo do algoritmo censor”. A pandemia é o tema omnipresente nesta série de desenhos, mas o futebol, a religião ou a política (“Não serão alguns políticos os melhores ilusionistas? E não serão os cartunistas aqueles chatos que, em palco, se levantam para questionar o truque do ilusionista?”) não escapam ao olhar mordaz e ao traço inconfundível do cartunista. O talento, a presença de espírito, a inteligência e o humor de Saraiva põem a quarentena em risco! PIM! Edições

George Bernard Shaw

As Aventuras de uma Negrinha à Procura de Deus

Publicada aos 82 anos de idade, As Aventuras de uma Negrinha à Procura de Deus, novela fortemente inspirada no Candide de Voltaire, é o último grande êxito do dramaturgo George Bernard Shaw. A intenção inicial de Shaw era escrever uma peça, mas na impossibilidade de encontrar um palco onde mostrar a negrinha nua, “bela criatura de pele acetinada e músculos reluzentes que faziam a raça branca dos missionários parecer feita, por contraste, de acinzentados fantasmas”, optou por uma prosa ficcionada. A negrinha, convertida por uma missionária, aventura-se a percorrer a selva africana à procura de Deus, acompanhada por uma moca e guiada por uma Bíblia. Após uma sucessão de encontros divinos e profanos, resolve seguir o conselho de Voltaire, cultivando o seu jardim e cuidando dos seus filhotes, desistindo de obter a explicação total do universo. Shaw satiriza, de forma provocatória, a religião e “as várias etapas no desenvolvimento da conceção de Deus”, o colonialismo e o racismo dos ingleses, num cenário que sugere o da União Sul Africana, feroz no seu apartheid. Sistema Solar

Melanie Klein e Joan Riviere

Amor, Ódio e Reparação

Amor, Ódio e Reparação pretende transmitir em linguagem corrente alguns dos processos mentais mais profundos que estão na base das ações e dos sentimentos quotidianos de homens e mulheres normais. Considerando que a psicologia humana é determinada pela constante interação entre impulsos afetuosos e impulsos de ódio e agressão, as autoras fazem remontar muitas das particularidades do adulto às suas origens na infância e mostram muitas características do adulto que são prova da persistência de modos precoces de pensar. Obra em duas partes, na primeira Joan Riviere analisa o ódio, a avidez e a agressão; na segunda, Melanie Klein examina as forças do amor, da culpa e da reparação. As autoras mostram também que, ao longo da vida, o adulto engendra infindáveis modos de adaptação – subtis, complexos – para encontrar um equilíbrio entre as forças vivificantes e os elementos destruidores da natureza humana. Incursão inédita pelo campo da psicanálise à data da sua publicação original, 1937, este é um clássico que não foi ultrapassado nem na atualidade científica, nem na pertinência. IUI- Imprensa da Universidade de Lisboa

Leroi Jones (Amiri Baraka)

Música Negra

Leroi Jones (1934-2014), mais tarde Imamu Amiri Baraka (líder espiritual, príncipe abençoado), foi poeta, dramaturgo, crítico musical, ativista político, membro destacado do movimento beatnik e do Black Power. Redigiu inúmeros artigos sobre racismo, colonialismo e música afro-americana. Nesta coletânea de ensaios, originalmente publicada em 1967, descreve a cena do free jazz norte-americano dos anos 60. Num exercício radical de crítica musical, procura traduzir em palavras a liberdade de improvisação de um género que, em seu entender, deve ser percecionado enquanto expressão de uma atitude sobre o mundo, e não somente como uma forma de fazer música. Neste contexto, escreveu: “Já o músico negro, ele pega no seu instrumento e começa a tocar sons em que nunca antes havia pensado. Improvisa, cria, vem-lhe de dentro. (…) Logo, ele também consegue fazer o mesmo se lhe derem independência intelectual… Pode inventar uma sociedade, um sistema social, um sistema económico, um sistema político que seja diferente de tudo o que existe neste planeta. Vai improvisar, fazer nascê-lo de dentro de si.” Orfeu Negro

O Hospital Real de Todos Os Santos: Lisboa e a Saúde

O terramoto de 1755 foi fatal para o Hospital Real de Todos os Santos, um marco no centro da cidade que viria a ser completamente desativado vinte anos depois, pondo fim a uma história de quase três séculos. O icónico edifício e o papel que teve na sociedade lisboeta podem agora ser revisitados graças a uma obra de investigação e divulgação recentemente editada, produto de uma parceria entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Santa Casa da Misericórdia. A obra congrega uma investigação multidisciplinar, recorrendo à arqueologia, arquitetura, farmacopeia e políticas de saúde pública, entre outras, para oferecer uma visão global e profunda daquele que foi um projeto de vanguarda à data da sua fundação, em 1492. O livro será lançado e disponibilizado brevemente. TCP Câmara Municipal de Lisboa/Santa Casa da Misericórdia

Carla Simões

A Origem do Cinema contada aos sobrinhos

Catarina e Vasco vão uma vez por mês a um cinema antigo, nos Restauradores, levados pelo tio André, cinéfilo convicto. No Salão Foz, já viram filmes mudos acompanhados ao piano, com um senhor de bigodinho muito engraçado, com um chapéu de coco e uma bengala. Foi lá que ficaram a saber que o cinema é feito de fotografias. Perante o espanto dos sobrinhos com tal informação, o tio André decidiu contar-lhes a história do cinema, e, juntos, embarcaram numa autêntica viagem no tempo. Este livro, ilustrado por Anna Bouza da Costa, é a mais recente edição da Cinemateca Portuguesa publicada no âmbito das atividades do serviço educativo da Cinemateca Júnior, onde a autora, Carla Simões, trabalha. A origem do cinema contada aos sobrinhos tem revisão científica de José Manuel Costa, diretor da Cinemateca. Cinemateca Portuguesa