SAL

“A reação das pessoas e a química em palco mostraram que devíamos continuar a fazer música juntos”

SAL

Os SAL são a nova iguaria da música nacional. A banda é formada por Sérgio Pires (voz e braguesa), João Pinheiro (bateria) e João Gil (baixo), três ex-membros dos míticos Diabo na Cruz (extintos em 2019), aos quais se juntaram Daniel Mestre (guitarras) e Vicente Santos (teclados). O disco de estreia, Passo Forte (lançado o mês passado), sobe ao palco do Teatro Maria Matos a 16 de novembro. A Agenda Cultural de Lisboa quis saber mais sobre este novo projeto, e os ex-diabos Sérgio Pires e João Pinheiro fizeram-nos a vontade.

Os Diabo na Cruz separaram-se em 2019. Quando surgiu a vontade de formar uma nova banda?

Sérgio Pires (SP): Percebemos isso no último ano de Diabo. O Jorge [Cruz] já não pôde fazer os últimos concertos, fizemos a última tournée sem ele. A reação das pessoas e a química em palco mostraram-nos que, se calhar, devíamos continuar a fazer música juntos em vez de cada um seguir o seu caminho. Para além da amizade que nos une, tínhamos uma relação em palco cimentada em dez anos de estrada. Em SAL somos três ex-Diabo na Cruz. Na altura, ainda pensámos ir todos, mas com a pandemia tivemos de rearranjar a banda e acabámos por ficar três. Juntou-se o Dani, que já trabalhava connosco na estrada, e o Vicente Santos.

A sonoridade é parecida com o que já faziam em Diabo na Cruz. É um tipo de música que se enraizou no vosso ADN?

João Pinheiro (JP): Nunca pensámos em fazer uma coisa radicalmente diferente, nem igual. A formação da banda é diferente, por isso os dois projetos nunca poderiam ser iguais. Mas foi dali que SAL surgiu, não foi de outra banda e isso, por si só, já é parte do ADN.

SP: À medida que a música for sendo conhecida vai ser mais fácil perceber o universo de SAL, que é diferente do universo de Diabo na Cruz, que foi uma banda de personalidade muito forte que marcou uma época na música portuguesa. Naturalmente que há semelhanças, porque a raiz é a mesma. Não houve nenhuma intenção de seguir um caminho semelhante, foi um caminho natural, do ponto de vista da composição e da criatividade.

Como foi começar uma banda em circunstâncias tão atípicas?

JP: Na verdade, a idealização do projeto ocorreu antes da pandemia. Gravámos as primeiras músicas antes do primeiro confinamento ser decretado, mas o calendário que tínhamos previsto acabou por não se concretizar. Nessa altura, em março de 2020, estávamos com uma certa pressa de gravar um single, mas acabámos por não o fazer. Foram dois anos praticamente nulos de trabalho, mas acho que, de certa forma, até deu jeito, deu-nos tempo para fazer as coisas com calma.

SP: Para todos que trabalham na área da Cultura foram (e ainda estão a ser) tempos muito difíceis, mas não deixa de ser engraçado olhar para trás e pensar que estávamos cheios de pressa para lançar música e de repente fomos todos para casa e a música só saiu quase dois anos depois. Esse tempo que nos foi imposto acabou por servir como uma espécie de refúgio. Um músico fechado em casa sem poder dar concertos acaba por pegar nos instrumentos e fazer música. Isso acabou por amadurecer o nosso som, fez-nos estar mais preparados e ter mais repertório. Claro que gostávamos de já estar a lançar um segundo disco, mas cada coisa tem o seu tempo.

O primeiro single, Passo Forte, simboliza os vossos primeiros passos?

JP: A letra fala sobre isso, sobre a coragem de sair de uma banda com a dimensão de Diabo na Cruz e darmos o nosso próprio passo, o mais convicto e seguro possível, sem medos. A Lília Esteves acompanhou o último ano de Diabo na Cruz e esta passagem para os SAL e fez a primeira letra, que serviu de mote para o Sérgio começar a tirar da cartola montes de letras e uma criatividade que nós não conhecíamos (e se calhar nem ele).

SP: Quer a energia da canção, quer a letra, abriram espaço para acreditarmos que era possível. É normal ter receios, sobretudo depois de dez anos de banda, que era uma parte importante das nossas vidas. Pusemos muita coisa em causa, é como uma relação que termina. Junta-se isto à pandemia, à falta de concertos, e de repente as dúvidas vêm ao de cima. Esta canção serviu de alavanca.

“‘Passo Forte’ fala sobre a coragem de sair de uma banda com a dimensão de Diabo na Cruz e dar o nosso próprio passo, o mais convicto possível, sem medos”

Porquê SAL?

JP: Tínhamos uma lista inicial de nomes, que, a dada altura, passou a ter mais de cem. Quantos mais acrescentávamos, mais baralhados ficávamos. A certa altura, o Carlos Guerreiro, dos Gaiteiros de Lisboa, que sempre demonstrou um grande interesse por este projeto, também se envolveu na questão do nome. Um dia, ao telefone, perguntou-me: “E se for SAL?”. O nome foi para a lista e, de repente, tínhamos o primeiro videoclipe feito, as músicas todas gravadas e ainda sem nome para a banda. Às tantas, o Sérgio lembrou-se da sugestão do Carlos Guerreiro e todos concordámos.

SP: Quando estamos perdidos no meio de tantas hipóteses, questionamo-nos se foi a escolha certa, mas à medida que o tempo vai passando, vamos percebendo que sim. Conseguimos encontrar muitas ligações à nossa música e àquilo que fazemos.

O Sérgio assumiu o papel de vocalista. Foi difícil passar a ser o frontman?

SP: Isso remonta ainda ao tempo de Diabo na Cruz. Quando o Jorge saiu, ficámos na dúvida sobre o que fazer: se cancelávamos os concertos ou se continuávamos sem ele. Um dia, estávamos a fazer um brainstorming sobre as nossas hipóteses, e o nosso agente, José Morais, sugeriu que eu assumisse esse papel, uma vez que estava mais habituado a estar na linha da frente, no palco. Como músico, estou habituado a fazer muitos papéis diferentes. A digressão foi ótima, fomos felizes em cima do palco e as pessoas gostaram dos concertos e não se sentiram defraudadas, o que já foi uma grande vitória. Saltando para SAL, acho que acabou por ser uma transição natural dessa energia que veio de trás. Não sou detentor de uma grande voz, mas sempre participei nos coros, e estou a tentar cantar melhor. Apesar de ser tímido socialmente, o palco é um sítio onde me sinto extremamente confortável.

Os Diabo na Cruz criaram um vínculo muito forte com os fãs. Continuam a seguir-vos?

JP: Já temos um grupo de fãs [risos]. Uma das coisas que fez com que os nossos receios caíssem por terra, foi saber que tínhamos aquela malta amiga, que já vinha de Diabo na Cruz. Por exemplo, o Miguel Farrusco, que criou o grupo de fãs de SAL, envia-nos mel e garrafas de moscatel, é incrível! É muito bom saber que estavam à nossa espera.

SP: Diabo na Cruz tinha fãs muito leais e presentes, que iam aos concertos todos. Esta generosidade e gentileza das pessoas já é, por si só, um bálsamo que nos dá força. Saber que há um grupo de pessoas que não nos deixa cair, é quase como uma rede de proteção. São os primeiros concertos, estamos a começar, mas sabemos que, se correr mal, eles vão estar ali para nos amparar. Têm sido de uma generosidade incrível, estamos muito gratos.

O tema que fecha o disco, Não sou da Paz, conta com participação do Carlão. Como se lembraram dele?

JP: Essa é, talvez, a canção mais assertiva e interventiva do disco. Achámos que umas palavras, numa onda mais hip hop, podiam servir a canção. O Sérgio, que é amigo do Carlão, lembrou-se de o convidar a participar e passado uns dias ele enviou-nos a parte dele, que é o que está no disco.

SP: Quando fiz essa canção já tinha uma ideia mais ou menos definida do que gostava que a canção fosse. Já achávamos que seria a canção que fecha o disco, quase como que a embrulhar o presente. Sempre gostei de rap e da cultura hip hop e quando acabei de escrever a letra senti que faltava ali qualquer coisa mais assertiva. A voz do Carlão fazia todo o sentido ali. Ele acaba por embrulhar o poema, que foi escrito por ele, e depois a canção despede-se instrumentalmente. Ficou impecável, não se mexeu em nada. Era o desfecho que tínhamos pensado para este primeiro disco.

Em novembro apresentam o disco de estreia no Maria Matos. As saudades do palco são muitas?

SP: Será o primeiro concerto pós-lançamento do disco, portanto à partida as pessoas já irão conhecer as canções um bocadinho melhor. O disco é muito honesto e temos estado assim também no palco, despidos emocionalmente, com força para entregar as canções às pessoas. Neste concerto vamos tentar ser um bocadinho mais racionais. Estamos nesse momento de pegar nas canções e descobrir como as adaptar para um espetáculo indoor. Vamos também ter uma surpresa ou outra, que ainda não podemos revelar. Será um concerto de uma banda de rock crua, honesta e direta, mas com algumas nuances, nas quais estamos a trabalhar.