Os livros de outubro

Oito livros para ler no outono

Os livros de outubro

 Com a aproximação do outono, os dias tornam-se mais curtos e a temperatura arrefece. Passamos mais tempo em casa com maior disponibilidade para a leitura. A Agenda Cultural de Lisboa sugere oito novos livros que lhe proporcionarão a melhor companhia ao longo do mês.

Sandro William Junqueira

A Sangrada Família

Algures entre as páginas deste livro se diz que ele é um “Romeu e Julieta pós-moderno”. Na realidade, trata-se de um romance polifónico sobre um triângulo amoroso autofágico situado no interior da serra e no coração de uma adega. Dois irmãos, Teodoro e Ezequiel, amam a mesma rapariga, Filomena. Pertencem a famílias rivais produtoras de medronho: os Capotes (Capuletos) e os Monteiros (Montéquios). A aguardente de uns é famosa pelas “ascendência espiritual” e a dos outros pela “inclinação medicinal”. A Sangrada Família é uma obra visceral sobre a natureza bruta que contrapõe amor e ódio, forte e fraco, natureza e intelecto, cidade e campo, realidade e ficção. Um olhar impiedoso sobre a instituição familiar. Escreve Sandro William Junqueira: “A família é um lugar perigoso. Uma ode à carnificina. Uma matilha que se come a si mesma”. Um local onde não se distinguem os bons dos maus, porque “a mesma mão que escreve o Mein Kampf pode escrever A Casinha do Ursinho Pooh”. Uma obra intensa que lança uma interrogação provocadora: “Será que não podemos simplesmente ser pessoas sem laços familiares?” Caminho

Margaret Atwood

Afectuosamente

As questões de género são cruciais na obra de Margaret Atwood que explora os ideais culturais da feminilidade, a representação do corpo da mulher na arte, o relacionamento entre os sexos e os “comportamentos transgressores” da mulher. A poesia representa o cerne da sua relação com a linguagem, enquanto a prosa reproduz a sua visão moral do mundo. Sobre Afectuosamente, a sua primeira colectânea de poesia em mais de uma década, escreve a autora: “A poesia lida com o âmago da existência humana: a vida, a morte, a renovação, a mudança; tal como a imparcialidade e a parcialidade, a injustiça e por vezes a justiça. O mundo em toda a usa variedade. O clima. O tempo, A tristeza. A alegria.” E, sobre estes poemas escritos no período entre 2008 e 2019, acrescenta: ”Durante esses onze anos as coisas foram ficando mais sombrias no mundo. Além disso, envelheci. Pessoas muito próximas de mim morreram.” Foi o caso de Graeme Gibson, seu parceiro de vida, que morreu em 2019, após uma luta contra a demência, a quem o livro é dedicado, e que evoca no poema Homem Invisível: “ (…) Estarás aqui, mas não aqui, / uma memória muscular como dependurar um chapéu / num gancho que já lá não está.” Bertrand Editora

Ahmed Saadawi

Frankenstein em Bagdade

A explosão de um carro armadilhado no centro de Bagdade afecta um vasto conjunto de personagens cujas vidas representam o destino colectivo da cidade: um cenário em ruínas assombrado por um fantasma formado por partes dos corpos de vítimas de guerra que querem vingar as suas mortes para poderem descansar em paz. Numa Bagdade destruída pelos combates, este ser compósito, alimentado pelo medo e pelo desespero dos seus habitantes, acusado de cometer crimes, é afinal a única justiça que resta. De autoria do romancista, poeta e argumentista iraquiano Ahmed Saadawi, Frankenstein em Bagdade recebeu o Prémio Internacional de Ficção Árabe 2014 e o Grand Prix de L’Imaginaire 2017. Recorrendo ao imaginário de Frankenstein, figura de referência do universo de terror ocidental criada pela escritora Mary Shelley em 1818, popularizada pelas adaptações ao cinema de James Whale e pela recente versão de Kenneth Branagh com Robert de Niro, o autor constrói uma impressiva metáfora de uma realidade que muitos ocidentais evitam conhecer: a de uma cidade e de um país devastados “pela cobiça, pela ambição, pela megalomania e por uma sede de sangue insaciável” Gradiva

Isabel Nogueira

História da Arte em Portugal – Do Marcelismo ao Final do Século XX

As artes plásticas e o pensamento crítico em Portugal, entre o início do Marcelismo (1968) e o final do século XX, constituem o objeto de estudo deste livro assente na análise de um conjunto de acontecimentos: exposições colectivas, artistas, obras, políticas culturais de fundo, instituições, ensino artístico, publicações periódicas da especialidade, problematização teórica e crítica, bem como uma ligação ao pano de fundo internacional. Com um certo distanciamento, possibilitado pela passagem do tempo, a autora crê ser possível “concretizar uma proposta de compreensão deste panorama, por vezes complexo e até contraditório, inclusivamente pelas mutações políticas, sociais e culturais que nesta época se operaram na vida portuguesa, nomeadamente com a Revolução de Abril de 1974 e a consequente queda do regime ditatorial, com todas as suas implicações e desenvolvimentos”. Não obstante os tempos e a intensidade da arte portuguesa não terem sido, muitas vezes, os mesmos da arte ocidental, as exposições em causa e certos percursos individuais justificam a hipótese da necessária reavaliação da história da arte em Portugal do período em análise, tornando-a parte constitutiva do movimento mais vasto da história da arte ocidental. Bookbuilders

“Diz-lhe que Estás Ocupado”

Conversas com Alexandre O’Neill

2021 É um ano em que continuaremos a ouvir falar de Alexandre O’Neill (1924-1986). O realizador João Botelho dá os retoques finais a Um Filme em Forma de Assim; e acessível à consulta por todos existe já o site dedicado àquele que é um dos poetas maiores da língua portuguesa, e que conta com a coordenação de Joana Meirim, que exerceu idênticas funções no livro de conversas agora editado pela Tinta-da-china. O verso “diz-lhe que estás ocupado” é parte do poema Entrevista, e pôs a circular a ideia de que o escritor era avesso a este compromisso, algo que o próprio foi desmentindo nas conversas que teve com jornalistas. As mais confessionais encontram-se na última década de vida de O’Neill, e tiveram por interlocutores Baptista-Bastos (1982), Fernando Assis Pacheco (82), e Clara Ferreira Alves (85). Estas conversas e as outras comprovam que o virtuosismo de Alexandre O’Neill não se manifestava somente quando escrevia, mas que era notório no seu discurso (de poucas palavras, mas certeiras). Tinta-da-china

Stravos Stravides

Espaço Comum – A Cidade como Obra Colectiva

Espaço Comum – A Cidade como Obra Colectiva estuda o significado e a produção de espaços de comunalização no contexto do mundo urbanizado de hoje. Entendidos como distintos dos espaços públicos bem como dos espaços privados, os espaços comuns emergem nas metrópoles contemporâneas como locais abertos à utilização publica , com regras e formas de utilização que não dependem de uma autoridade vigente nem são controladas por ela, mas de praticas de comunalização que definem bens e produtos a partilhar. Escreve Joana Braga no prefácio à presente obra: “As cidades, mostra-nos Stravides, são sistemas de relações espaciais em mutação continuada, investidas e mobilizadas também pelas práticas quotidianas dos seus habitantes, As dinâmicas urbanas podem exceder as formas de regulação e controlo que as procuram sujeitar, levando à emergência de práticas espaciais de liberdade”. Seguindo o princípio de Lefebvre do direito à cidade, Stavros Stavrides aproxima-se do pensamento social e político de Foucault, Rancière, Hardt e Negri para desafiar a nossa percepção quotidiana do lugar que habitamos.

Orfeu Negro

Jorge Amado

Navegação de Cabotagem

“Não quero erguer um monumento nem posar para a História cavalgando a glória. Que glória? Puf! Quero apenas contar algumas coisas, umas divertidas, outras melancólicas, iguais à vida. A vida, ai, quão breve navegação de cabotagem!” O livro de memórias de Jorge Amado Navegação de Cabotagem – Apontamentos para um Livro de Memórias que Jamais Escreverei, escrito num estilo despretensioso, passa em revista a sua extensa e rica vida, em episódios vibrantes e impressivos que lembram a sua ficção: uma bebedeira com Pablo Neruda, uma reunião política com Picasso, uma visita ao bordel ou ao terreiro de candomblé com Carybé ou Dorival Caymmi, os últimos dias de Glauber Rocha. Recordando com franqueza e autoironia a sua trajetória de êxitos e obstáculos, de encontros e equívocos, evoca as paixões de juventude, a glória literária, os escritores e artistas com quem conviveu (Carlos Scliar, Mario Vargas Llosa, Gabriel García Márquez ou Jean-Paul Sartre), a militância política, o exílio, as amizades e os amores. Com Navegação de Cabotagem, Jorge Amado insere-se, por fim, na prodigiosa galeria de personagens que criou. Dom Quixote

Lúcia Vicente

Raízes Negras

Aos 12 anos, Lúcia Vicente leu O Diário de Anne Frank e a sua vida nunca mais foi a mesma. Ou melhor, a forma como passou a ver a vida nunca mais foi a mesma. Desenvolveu pensamento político, instruiu-se, e passou a estar mais atenta a determinadas questões. Dedicou-se ao ativismo feminista desde a adolescência e as injustiças sempre a incomodaram. Em Raízes Negras, livro com o qual “pretende contribuir para a desconstrução do racismo cultural que está enraizado na sociedade”, a autora traça o perfil de mais de 50 pessoas negras visionárias, que tiveram a coragem de sonhar e mudar a sua vida e a dos outros. Gilda Barros, uma jovem e premiada ilustradora natural do Mindelo, dá imagem às 53 histórias biográficas, de Nelson Mandela a Nina Simone ou Jean-Michel Basquiat. O resultado deste trabalho está à vista: um álbum que é uma prova de como os muros do preconceito podem ser derrubados e uma inspiração na luta por um mundo melhor e mais livre. (por Ana Rita Vaz) Nuvem de Tinta