sugestão
Os livros de setembro
Sete livros para ler no regresso à cidade
A Feira do Livro de Lisboa, na sua 91.ª edição, está de regresso ao Parque Eduardo VII até ao dia 12 de setembro. Apresentamos sete sugestões de leitura para o mês que, habitualmente, marca o fim das férias grandes e o regresso à cidade e ao ritmo do trabalho: da entrevista ao romance, da poesia ao conto, do ensaio à literatura infanto-juvenil. Sete títulos disponíveis na Feira, a par de muitos outros. Não deixe de a visitar e de ler bons livros!
Louise Glück
Vita Nova
No livro de poemas Meadowlands, publicado em 1997, Louise Glück, Prémio Nobel de Literatura 2020, registava o colapso do seu casamento, um ano depois do seu traumático divórcio (“E no centro do eu, / uma mágoa a que não pensei jamais sobreviver”). Vita Nova (1999), o livro subsequente, é dedicado ao tema do recomeço, ao início de uma nova vida (“Só porque / o passado é mais longo que o futuro / não quer dizer que não haja futuro”). Nesta obra austera, a grande poeta desnuda as feridas da alma através de um doloroso e incessante exercício de autoconhecimento, mantendo o habitual paralelismo com a mitologia clássica. Orfeu é, aqui, o mito referencial: como ele, Louise Glück perdeu o seu amor (“Diz-lhes que perdi o meu amor / que estou agora completamente só. / Diz-lhes que não há música assim / sem dor real.”) e atravessou o Inferno (“Não o fim da carência, mas carência / elevada ao máximo poder”). Finalmente, canta a “Vita Nova”, o “desejo de sobreviver / que é penso eu, o desejo humano mais profundo” e a capacidade “de olhar em frente” de “olhar para o mundo” e “de me mover até ele”. Tradução de Ana Luísa Amaral. Relógio D’Água
Muhammad Chukri
Pão Seco
Pão seco é como refere o tradutor desta obra, Hugo Maia, pão “sem conduto, em especial o pão dos pobres. Chukri via no pão seco a imagem por excelência da pobreza extrema”. De facto, a fome marca presença nesta narrativa desde a sua primeira página: “É a fome no Rife. A seca e a guerra. Uma tarde, não consigo parar de chorar. A fome dá-me dores. Chupo os dedos sem parar.” Relato autobiográfico do escritor Muhammad Chukri (1935-2003) dos seis anos de idade até aos 21, quando decide aprender a ler, descreve a sua errância de vagabundo e a sua vida de pequeno criminoso, revela a sua revolta contra a tirania do pai e de Deus, que aos seus olhos assumem a mesma prepotência (“O meu pai assemelha-se a Deus, aos profetas e aos santos.”) e aborda, de forma explícita e amoral, assuntos tabus no mundo árabe: álcool, drogas e sexo (incluindo prostituição e homossexualidade). Fá-lo com um desalinho narrativo, uma crueza de linguagem e uma indisciplina gramatical que desafiaram a tradição. Publicado originalmente em 1973, na tradução inglesa de Paul Bowles, só em 1982 conheceu uma primeira edição em árabe. Entretanto, tornou-se uma obra de culto e um pilar da literatura marroquina e árabe contemporânea. Antígona
Covadonga Valdaliso
Museus de Lisboa
Por que razão as visitas aos museus não fazem parte da rotina quotidiana dos lisboetas? A diversidade de museus é enorme e o preço médio dos bilhetes 5 euros. Este livro, escrito a partir de visitas realizadas aos museus de Lisboa, menciona mais de setenta e assume-se como um convite aberto “materializando em palavras, impressões e intuições, procurando conexões e mostrando alguns dos infinitos percursos que podem ser desenhados, e transitados, a partir destes espaços anarquicamente espalhados pelo mapa da cidade”. Terminadas as visitas, a autora conclui: “Guardar para aprender e não ignorar é ainda, sem dúvida um dos principais objectivos dos espaços museológicos, Achar o desconhecido, recuperar o esquecido e mostrar o compreendido são, em muitos casos, tão importantes como admitir o que não se sabe e oferecer ao visitante facilidades para que ele próprio interrogue, investigue e discuta os discursos e as peças”. Porque, afinal, o legado dos construtores da cidade e dos que “criaram a substancia que dá forma aos alfacinhas de gema” está nas salas dos museus e não é possível conhecer a cidade sem as visitar. Fundação Francisco Manuel dos Santos
Lídia Jorge
Marido e Outros Contos
Quando este volume de contos (o primeiro de Lídia Jorge, após vários romances de sucesso) foi inicialmente editado, em 1997, nenhum dos textos reunidos era inédito. Uns tinham sido publicados em revistas e jornais (Visão, Vértice, Colóquio-Letras, Jornal de Letras), outros em livro, isolados ou em coletâneas. São por isso aparentemente muito diferentes entre si. Uma mulher submete-se à brutalidade do marido (no conto que dá titulo à compilação), um professor procura a presença de Deus no voo dos pássaros, uma sobrinha relembra a história de amor por um tio, uma visitante relata uma cena de perversão entre jovens num trigal, a narrativa de um antigo nadador salvador por quem cinco jovens se apaixonam… Existe, porém, um traço de união comum que, segundo José Nobre da Silveira, se materializa num conjunto de vozes cúmplices, de tonalidades irónicas “que indicam um projecto de denúncia que subjaz a toda a encenação narrativa: a beleza e o bem, tal como a escuridão e o mal, estão, de alguma forma, ocultos, são a perdição das figuras, mas também o que determina a sua sobrevivência em vários territórios de afirmação, o seu único retrato.” Dom Quixote
Michel Houellebecq
Intervenções
Neste volume está contida a mais completa seleção de textos dispersos e de entrevistas com Michel Houellebecq, pela primeira vez disponíveis em Portugal, mas que em França já tinham conhecido publicações em 1998 e em 2009 (aumentada). Na prática o livro poderia chamar-se “Intervenções 3”, mas seguiu-se a simplificação adotada pelos franceses, e ainda bem. A cada dez anos, o conteúdo cresceu cerca de 50%, para enorme satisfação dos leitores de Houellebecq que, caso não conheçam as brilhantes entrevistas que aqui se incluem, irão provavelmente considerá-las o material mais precioso do livro. E com razão. Conversas de fundo com Jean-Yves Jouannais e Christophe Duchatelet (por alturas do primeiro romance, Extensão do Domínio da Luta); com Christian Auchier (no tempo de Plataforma); com Frédéric Beigbeder (o mais temido e o melhor crítico literário francês, segundo Houellebecq); com Marin de Viry e Valérie Toranian (à época de Submissão); e com Agathe Novak-Lechevalier (a mais recente, feita para o online e nunca antes publicada em papel). Alfaguara
Boris Vian
Vercoquin e o Plâncton
Boris Vian (1920/1959) foi escritor e músico, autor de Outono em Pequim, O Arranca Corações e A Espuma dos Dias, trompetista numa orquestra de jazz, compositor de canções. Os seus provocatórios romances surgem carregados de violência, erotismo e humor sardónico, num estilo pleno de trocadilhos, jogos de palavras e inovações linguísticas, que prenuncia os movimentos de contracultura dos anos sessenta. Tendo sofrido as consequências da vida entre as duas Guerras Mundiais, o antimilitarismo é um dos aspectos relevantes da sua obra que combina realismo com delírio onírico. Vercoquin e o Plâncton, de 1941, é o primeiro romance de Vian. O Major, personagem recorrente nas obras do autor, conhece a jovem e bela Zizanie e resolve pedi-la em casamento ao seu tio, vice presidente da CNU (Consórcio Nacional da Unificação), deixando-se absorver pelos procedimentos burocráticos da organização. O romance evoca o ambiente efervescente que se vivia em Paris no final da ocupação nazi: a acção decorre entre duas loucas surprise parties, popularizadas nesta época, espécie de assalto carnavalesco espontâneo a uma casa particular, sem conhecimento do proprietário. E-Primatur
Johanna Schaible
Era uma Vez (e muitas outras serão)
Johanna Schaible é uma artista e ilustradora residente na Suíça. O seu trabalho move-se entre as fronteiras da ilustração, da arte e do design. É graduada pela Escola de Arte e Design de Lucena, na Suíça. Em 2019, o seu projeto para o livro “Era uma vez (e muitas outras serão)” foi selecionado para o Unpublished Picturebook Showcase da plataforma Dpictus. Há milhares de milhões de anos, formaram-se os continentes. Há milhões de anos os dinossauros habitaram a Terra. Há milhares de anos, construímos as pirâmides. Há cem anos, as viagens demoravam muito tempo. Há um mês, ainda era outono. O que vais fazer amanhã? Como irás celebrar o teu aniversário para o ano? Onde vais viver daqui a 10 anos? O que desejas para o futuro? Um conjunto de questões, admiravelmente ilustrado, suscita uma reflexão para todas as idades sobre a passagem do tempo: o que já aconteceu, “o aqui e agora”, e sobretudo o que queremos, a partir deste instante, construir para o futuro. De acordo com a crítica da Swedish Library Review este é “um álbum filosófico, único: daqueles que se encontram apenas um em cada mil!” Planeta Tangerina