Da Arménia a Cindy Sherman

"Online distortion/ Border line(s)" na Casa do Capitão

Da Arménia a Cindy Sherman

O contacto com artistas feministas, durante uma residência artística na Arménia, foi o ponto de partida para Pedro Sousa Loureiro criar um espetáculo-instalação que questiona a realidade como perceção ou distorção do tempo e do espaço. Online Distortion/Border Line(s) ocupa vários espaços da Casa do Capitão, no Hub Criativo do Beato, entre 21 de julho e 1 de agosto.

Online Distortion/Border Line(s), a mais recente criação da companhia Os Pato Bravo, é um objeto inclassificável, onde a instalação, o vídeo e a música (original de Francisco Barahona) convivem intensamente com o ato performativo, proporcionando uma assinalável liberdade interpretativa ao público. Tal como a sugestiva “distorção” do título, o espetáculo joga com a realidade, do mesmo modo que desafia a perceção oferecida pelos objetos dispostos e as imagens projetadas em três salas da Casa do Capitão, local de acolhimento desta aventura em Lisboa, pouco depois da estreia no Teatro Viriato, a 16 de julho.

Na génese de uma “narrativa não linear” e experimental, que arrisca a cada momento a excentricidade e o insólito, esteve uma residência artística de Pedro Sousa Loureiro na Arménia, em finais de 2019, onde visitou a capital, Erevã, e duas localidades marcadamente rurais, Byurakan e Talin. No país do sul do Cáucaso, Sousa Loureiro experienciou uma curiosa coexistência entre as vivências do passado (as marcas soviéticas são ainda bastante visíveis) e o presente, entre o urbano e a ruralidade. E, com surpresa confessa, tomou contacto com um conjunto de artistas feministas que projetam, através da arte, imagens de futuro.

E é nessa deambulação pelo dia que virá, como numa viagem, que Sousa Loureiro constrói imagens e situações sempre dinâmicas de espetáculo para espetáculo. À experiência arménia, junta o regresso a Portugal e, logo a seguir, todo um conjunto de referências sobre o mundo que mudou com a pandemia. Tudo são ingredientes válidos em Online Distortion/Border Line(s), criação que se parece desdobrar em “três realidades diferentes”, correspondentes a tempos (passado, presente e futuro) e espaços (a Arménia ou essa espécie de não-lugar, ou local imagético que vai sendo combinado no jogo plástico e performativo) em confronto.

Assumido “feminista”, Sousa Loureiro quis ainda evocar a figura e legado da artista norte-americana Cindy Sherman, cuja sua filosofia de autorretratos conceptuais se estende às imagens propostas pelas performers (Joana Cotrim, Marta Barahona Abreu e Susana Blazer) que com ele estão em cena. “A obra dela sempre me fascinou desde os tempos de estudante”, confessa, e é a partir da abordagem visual que a artista faz ao fenómeno da celebridade e às questões de género, que se abordam “os conceitos de feminidade, excentricidade e insólito” que pontuam o espetáculo.

Tudo isto coexiste para convocar o espectador para “a ação teatral e a projeção em tempo real, e as vídeo-instalações que funcionam como premonições de situações que se preparam para acontecer a seguir”. Porque, afinal, entre os artefactos e o que fica, ou não, do passado e do presente, Online Distortion/Border Line(s) é sobre o futuro: críptico, imprevisível e… distorcido.