David Bonneville

"O desejo e a atração são o motor da nossa continuidade"

David Bonneville

A primeira longa-metragem de David Bonneville, O Último Banho, estreia a 1 de julho. O filme retrata a ambiguidade das relações e as descobertas pessoais que levam à verdadeira individualidade. Numa breve conversa, o realizador falou-nos sobre o filme, os atores e o trabalho que desenvolveu para contar uma história sobre religiosidade, intimidade e amor.

O Último Banho teve como ponto de partida a história real do nascimento, quase milagroso, de um bebé do sexo masculino numa zona pouco povoada e envelhecida de Portugal. A este facto, o realizador aliou a religião ainda muito enraizada nestas localidades. A narrativa segue Josefina que está prestes a fazer os votos perpétuos, mas que tem de retornar à aldeia onde cresceu para o funeral do pai. O regresso a casa relembra-lhe o passado sombrio e leva-a ao reencontro com o jovem sobrinho, abandonado pela mãe, pelo qual é agora responsável. A adolescência do rapaz, a profunda religiosidade, o perigo de pecado e a ameaça do reaparecimento da irmã, são os desafios que tem que enfrentar.

O filme retrata uma realidade angustiante, difícil, esta vivência contrasta com a alegria associada à história real que serviu de ponto de partida (o nascimento de um bebé numa terra envelhecida). Como é que uma coisa levou à outra, qual a ligação?

Quase todos os meus filmes são uma combinação de várias histórias, ou pelo menos de duas histórias maiores que se combinam e entrelaçam. No entanto, a verdadeira génese deste trabalho foi o sentimento de solidão profundo que vivi quando estava em Inglaterra depois de ter terminado o mestrado. Sentia-me muito sozinho, estava desempregado, os meus companheiros de casa tinham as suas vidas e trabalho, os meus amigos estavam longe. A desolação que vivia levou-me a escrever uma história sobre a solidão. Assim nasceu a personagem de Josefina, uma freira que está prestes a fazer os votos perpétuos e que tem de regressar à sua terra natal, local que odeia, e que a remete para um passado traumático, para cuidar do sobrinho que não vê há anos. A personagem vive a angústia de deixar uma vida em que se sente confortável. Depois ocorreu-me uma história muito antiga, que tinha visto no início da adolescência e que me fascinou: o nascimento de um bebé numa terra onde não havia jovens. No entanto, embora este facto verídico sirva de ponto de partida, o filme não é sobre um nascimento singular, isso é algo que já aconteceu, que é anterior à história que estou a contar.

A narrativa decorre no Douro. A escolha do local foi influenciada pelo facto do David ser do Porto, ou teve outra motivação?

Há uma ligação intrínseca ao facto de eu ser do Porto, por outro lado o Douro tem tido uma enorme projeção, tendo inclusive sido classificado pela UNESCO como Património da Humanidade. A paisagem é incrível e quando fiz a repérage [o reconhecimento do local do filme] acordava todos os dias naquele lugar incrível, andava de carro por aquelas estradas de vales esculpidos, o que acabou por confirmar aquilo que eu já sabia inconscientemente: aquela paisagem enaltecia a sensação que eu queria que transparece-se no filme. Uma sensação de melancolia, solidão, de erotismo, de enviesado, de complexo. Visualmente aquela paisagem tem tudo isso. Há um mistério, uma beleza e um apaziguamento que não têm explicação e que traduzem aquilo que pretendo das duas personagens.

Como foi feita a escolha dos atores?

A Anabela era a atriz que já tinha em mente há algum tempo, e foi a primeira pessoa a quem pedi para vir ao casting, ela e a irmã, a Margarida Moreira, que faz de irmã da Josefina, a personagem principal. Em relação ao Martim, nunca pensei encontrar um rapaz como ele, com as características físicas que ele tem. Depois de várias pesquisas conseguimos descobri-lo através da True Sparkle, uma agência em Lisboa. Senti que me tinha saído a lotaria. Depois juntei-o com a Anabela num casting para ver se funcionavam em conjunto e percebi que sim – ali havia intimidade.

Como foi trabalhar com dois atores que estão em fases completamente distintas na carreira (a veterana Anabela Moreira e o estreante Martim Canavarro)?

Antes de começar o filme quis ter uma semana sozinho com os dois. Só lhes entreguei o guião muito tarde, porque queria que eles percebessem certas coisas. Estive uma semana em Santarém; primeiro, três dias com o Martim, e depois a Anabela juntou-se a nós. Houve várias conversas que me ajudaram a compreender as referências que ambos tinham sobre o filme e que permitiram conhecê-los melhor, as vivências que tinham tido, a relação com a religião… Descobri, por exemplo, que o Martim tinha vivido numa aldeia, que adorava desporto, no fundo que era um paralelo da personagem que ia interpretar, mas em versão feliz. A partir daí foi apenas necessário criar uma voz para o paralelo, ou seja para o Alexandre, que é a personagem interpretada pelo Martim.

E em relação às cenas de nudez, como foi para um estreante como o jovem Martim Canavarro lidar com essa exposição?

Abordei essa questão precisamente na semana em que estivemos a trabalhar a personagem. Estava preocupado com isso porque era muito importante para o filme ter esse lado visual da nudez, uma vez que é algo que está intrinsecamente ligado à história. Felizmente o Martim aceitou, com leveza, fazê-lo. Foram definidos alguns limites, mas no fim, o próprio Martim disse-me para aproveitar as melhoras cenas, independentemente de haver uma exposição mais explícita.

A sexualidade associada a uma certa transgressão, o desejo oprimido, a dualidade de sentimentos estão presentes neste filme, mas também nos seus trabalhos anteriores. Porque lhe interessa esta dimensão humana?

É o que me move, mas ao mesmo tempo acredito que é o que move o mundo: o desejo. O desejo intelectual e a curiosidade, mas também o desejo sexual, carnal. Somos feitos para ter desejo, é isso que permite a reprodução. Há o desejo, o cio nos animais, depois uma época, segue-se a crise e por fim a continuidade. O desejo e a atração são o motor da nossa continuidade. Instintivamente vou sempre parar a este tema, é algo que me fascina, que me faz questionar. Não o faço racionalmente, é uma coisa que surge de forma instintiva, que está ligada à emoção.