Pedro Jóia

"A guitarra é um pequeno mundo harmónico, uma pequena orquestra"

Pedro Jóia

Depois dos tributos a Carlos Paredes ou Armandinho, Pedro Jóia presta homenagem a José Afonso, um dos maiores cantautores de sempre. O inigualável guitarrista apresenta o novo álbum, Zeca, na Culturgest, com dois concertos reagendados para 18 de setembro. Em junho, o disco foi distinguido com o Prémio Carlos Paredes, atribuído pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira com a Sociedade Portuguesa de Autores. Esta é a segunda vez que Pedro Jóia vence este prémio, depois do disco À Espera de Armandinho.

Lançou, recentemente, o disco Zeca, onde homenageia a obra de Zeca Afonso. Era um desejo antigo gravar este disco de tributo?

De certa forma sim, porque a música do Zeca está presente na minha vida desde a infância. O projeto estava lá de forma inconsciente, até que, há dois anos, num almoço com amigos onde estava o Fausto, estávamos a falar sobre o Zeca, e o Fausto lançou-me este desafio. Perguntou-me porque é que eu não gravava um disco dedicado à obra do Zeca. Aquilo serviu como uma espécie de catalisador, e foi a partir daí que a ideia ganhou forma.

Foi difícil fazer a seleção das músicas?

Não posso dizer que tenha sido difícil. Eu queria gravar melodias fortes. As músicas do Zeca não são muito complexas nem muito estruturadas, vivem muito da força das palavras e da força das melodias. Como, neste caso, eu não iria trabalhar sobre as palavras, tive de escolher aquelas melodias que são mais emblemáticas.

Como disse, as músicas de Zeca Afonso vivem muito das letras. Foi um desafio reinterpretar alguns dos seus maiores clássicos?

As melodias são tão fortes que sobrevivem às palavras. Por outro lado, tive a preocupação de produzir temas que “guitarristicamente” fossem interessantes. Havia esse fator, de querer tornar as músicas o mais complexas possível, dentro da elegância das suas composições, das suas melodias. Tornar estas versões objetos guitarrísticos complexos.

Este disco pode, de alguma forma, ter aberto a porta a outros discos de homenagem a cantautores portugueses?

Como instrumentista que sou, estou sempre interessado em transpor a música para a minha guitarra, mesmo quando se trata de música de outros artistas. Claro que já pensei “porque não?” Um dia, quem sabe, fazer versões instrumentais (muito personalizadas, é claro) do Fausto ou do Sérgio Godinho ou de outros autores portugueses contemporâneos. Pessoas que tiveram um peso enorme na música portuguesa.

A pandemia afastou os músicos dos palcos. Como viveu este período?

Passei os últimos 15 anos em perfeita loucura de viagens e de tournées. A pandemia trouxe uma mudança radical à minha vida. Vi-me na contingência de ficar em casa e descobri os pequenos prazeres de não andar sempre a viajar, sempre a fazer concertos e a dormir mal, cada noite num hotel, a perder milhares de horas em aeroportos… pode parecer um pouco egoísta dizer isto, mas, de certa forma, esta paragem forçada não foi nada má. Claro que a pandemia foi terrível para os profissionais da cultura, que ficaram sem trabalho e cujo rendimento desapareceu, mas as nossas vidas são feitas também disto. Não sei se vamos conseguir tirar alguma lição daqui… Já tive mais fé na nossa capacidade de aprender com os erros, mas cá estamos, prontos para seguir em frente.

“Gosto de ter o respeito dos meus pares e do público, mas a única coisa que quero é poder continuar a fazer música”

Está muito ansioso por atuar na Culturgest?

Desde que o último desconfinamento começou, já regressei aos palcos para dar alguns concertos. Tinha uma tremenda saudade, claro. Nós, músicos – instrumentistas e cantores -fomos feitos para estar em cima de um palco, para podermos mostrar o nosso trabalho.

Neste concerto, para além de tocar temas do último álbum, vai também tocar versões de músicas de Carlos Paredes e Armandinho, bem como originais seus. Sente maior responsabilidade em mostrar os seus originais ou as versões que faz de outros músicos?

Sinto sempre mais responsabilidade ao interpretar a música de outros, nomeadamente do Zeca, que é um autor tão conhecido e que desperta tanta paixão em todos nós. Não me sinto nem intimidado nem pressionado, para mim é um prazer subir a um palco e tocar estas canções do Zeca na minha guitarra.

Estará acompanhado pelo percussionista José Salgueiro. É mais fácil subir ao palco com alguém cujo trabalho se admira?

Sinto enorme prazer em tocar a solo porque a guitarra é um instrumento que permite isso, é um pequeno mundo harmónico, uma pequena orquestra [risos], mas também tenho o maior prazer em fazer concertos com outros músicos, nomeadamente com o José Salgueiro, meu grande companheiro de há muitos anos. Respeitamo-nos muito, cada um tem o seu espaço a ouvir o outro. Conseguimos trabalhar o silêncio também, que é uma coisa fundamental.

É considerado uma das maiores referências da guitarra em Portugal. De que forma encara esse título?

Não atribuo a menor importância a isso. Cada músico é o que é, e essa ideia de ser um dos melhores não me diz rigorosamente nada. Cada músico tem a sua história, vive a música da sua forma e com a sua intensidade. Claro que gosto de ter o respeito dos meus pares e do público, mas a única coisa que quero é poder continuar a fazer música.

Depois das devidas apresentações em palco de Zeca, há projetos para breve?

Estou sempre a pensar em coisas novas. Aliás, não só estou a pensar, como estou a trabalhar nelas há bastante tempo. 2021 é o ano de regresso aos palcos e de voltar a respirar. 2022 será um ano para gravar música nova.

Quer deixar uma sugestão cultural aos leitores da Agenda?

Vou deixar uma sugestão literária, um livro do fantástico José Augusto França, grande historiador de arte e grande olisipógrafo. Chama-se Lisboa – História Física e Moral e é uma resenha histórica e artística da cidade de Lisboa desde o tempo dos fenícios até ao sec. XXI. É uma obra completa a todos os níveis, uma delícia de ler.