Os livros de junho

Sete livros para um dia de verão

Os livros de junho

Com o começo do verão apetece sair de casa, percorrer a zona ribeirinha da cidade, sentar numa esplanada ou num banco de jardim a disfrutar do ar puro e do contacto com a natureza. Não se esqueça de levar um bom livro para tornar este passeio ainda mais atraente. Deixamos-lhe sete sugestões de edições recentes para um dia de verão inesquecível.

Mário Dionísio

Passageiro Clandestino

“Toda a gente traz consigo um passageiro clandestino, sempre agarrado à mala suspeita onde transporta o mais perigoso dos materiais: milhares de sentimentos, de ideias, de simples frases, de gostos, de impertinências, de abdicações, de cóleras, de saudades, de esperanças, que a sociedade não reconhece”. Passageiro Clandestino, até agora inédito, escrito intermitentemente entre 1950 e 1989, é o primeiro volume do diário de Mário Dionísio que cobre o período de 1950 a 1957. O autor foi o poeta lírico do Novo Cancioneiro, de Memória dum Pintor Desconhecido e Terceira Idade. De intensa atividade pedagógica e estética (A Paleta e o Mundo), escreveu também belíssimos contos, em O Dia Cinzento e Monólogo a Duas Vozes, e foi autor de um romance ímpar na nossa ficção: Não Há Morte nem Princípio. Sobre o presente texto que não pretende ser” literatura”, com todas as páginas “mal escritas”, Mário Dionísio escreve: Quero ver-me ao espelho despenteado e sem gravata, de tal modo me surpreendo quando me encontro, na rua, por acaso, no vidro de uma montra ou no espelho de um estabelecimento”. Edição acompanhada por um tomo de Notas, da autoria de Eduarda Dionísio. Casa da Achada – Centro Mário Dionísio

Maurice Leblanc

Arséne Lupin – Gentleman Ladrão

Coletânea de nove contos, inicialmente publicados na revista Je sais tout em julho de 1905, resultou de um convite do seu editor, que procurava uma alternativa às narrativas policiais de Sherlock Holmes criadas por Arthur Conan Doyle. A obra trouxe abordagem diferente ao género da literatura policial promovendo um gatuno como herói, em vez do habitual detetive. Porém, Arséne Lupin não é um gatuno qualquer: é um gentleman fantasista de monóculo e cartola, um diletante que trabalha por gosto e por vocação, mas também para se divertir. Mestre dos mil disfarces, “muda de personalidade como quem muda de camisa”. “Porque haveria eu de ter uma aparência definida? Os meus atos já me definem bastante”, declara o herói. O sucesso global da série da Netflix motiva a reedição, em português, das aventuras desta personagem icónica que pela sua versatilidade, inventiva e humor, que vem apaixonando gerações sucessivas de leitores. Quando se introduz na mansão do barão Schormann, deixa um cartão com a seguinte inscrição: “Arséne Lupin, gentleman ladrão, voltará quando os móveis forem autênticos”. Uma delícia! Relógio D’Água

Victor Correia

Deus e o Coronavírus

Primo Levi escreveu em Se Isto É um Homem: “existe Auschwitz, logo não existe Deus”. Em plena pandemia de COVID 19, com mais de 3 milhões de vítimas mortais, que podemos dizer acerca do silêncio de Deus? Num mundo largamente dessacralizado, a questão de Deus, contrariamente ao que aconteceu nas epidemias do passado, não se assumiu como central no debate em trono do coronavírus. Ainda assim, este livro singular promove uma reflexão sobre a forma como as religiões do judaísmo, do cristianismo e do islamismo encararam a pandemia e as polémicas por elas criadas, com enfoque especial no cristianismo. Analisa a recusa do encerramento dos templos, a tese de que a pandemia foi um castigo de Deus, a rejeição religiosa das vacinas, o charlatanismo religioso e as superstições, a ineficácia das orações contra o coronavírus, a relação dos medos e das teorias da conspiração sobre o coronavírus com a atitude religiosa. Finalmente coloca um problema essencial: como encontrar um sentido para a vida durante a pandemia? Esse sentido é Deus? Guerra & Paz

Safo

Poemas e Fragmentos

Safo, a “Décima Musa” como lhe chamou Platão, nasceu numa família aristocrática, na ilha de Lesbos, em meados do século VII a.C. Viveu quase sempre em Mitilene, capital da ilha, rodeada de raparigas, numa comunidade que cultivava a poesia, a dança e o canto, vedada a homens, e que tinha Afrodite como deusa tutelar. Os seus poemas de amor dirigem-se frontalmente a mulheres e traduzem a experiência intima e avassaladora da paixão aliada a uma profunda comunhão com a natureza, numa linguagem de plena naturalidade alheia a qualquer ênfase ou excesso. Da sua obra original, lamentavelmente destruída pelos cristãos nos séculos IV e VI, sob acusação de imoral, chegaram aos nossos dias uma ode completa – a invocação a Afrodite – e cerca de duzentos fragmentos. Estas recriações de Eugénio de Andrade, que sentia por Safo uma das suas “fascinações mais antigas”, foram feitas, nas palavras do poeta: “em duas ou três semanas febris, como se de criação pessoal se tratasse, e nunca outro trabalho me deu prazer semelhante”. Uma belíssima homenagem â autora dos versos imortais: “Amo o esplendor. Para mim o desejo / é um sol magnificente e a beleza / coube-me em herança.” Assírio & Alvim

António Mega Ferreira

Desamigados

A origem deste livro remonta a um episódio anedótico. Um amigo do autor recebeu um comentário desagradável e rasteiro nas redes socias e com o indicador direito premiu uma tecla e exclamou: “Pronto! Já o desamiguei!” De facto, hoje em dia, com as redes sociais, “desamigar” tornou‑se um verbo banal e um ato instintivo, rápido e eficaz. Contudo, para falar verdadeiramente de desamizade, que implica refletir sobre a amizade, há que ir além do digital. António Mega Ferreira recupera a história de 11 amizades famosas e que acabaram mal, de César e Bruto a García Márquez e Vargas Llosa, passando por Wagner e Nietzsche, Freud e Jung ou Sartre e Camus. Como escreve o autor no prefácio à presente obra: “Em qualquer caso, não basta carregar no botão: o desamigamento é um processo doloroso, por muito definitivo que seja, e deixa fatalmente marcas em cada um dos antigos amigos”. São os graus de dor e complexidade que se escondem atrás da rutura real destes afetos que Mega Ferreira procura analisar. Tinta-da-china

Helen Pluckrose e James Lindsay

Teorias Cínicas

A escritora e conferencista Helen Pluckrose juntou-se ao matemático James Lindsay, fundador do New Discourses (espaço online para os politicamente desalojados), na concretização deste Teorias Cínicas, guia para a interpretação da linguagem e dos costumes dos teóricos da Justiça Social, movimento que tem origem no pós-modernismo e que visa desconstruir as “metanarrativas” que constituem a tradição do pensamento humano: a religião, a ciência, e o liberalismo filosófico (democracia, direitos humanos universais, liberdade de expressão). Segundo os autores, “A ideia pós-moderna de conhecimento nega que a verdade objetiva ou o conhecimento sejam aquilo que corresponde à realidade tal como determinado pelas evidências”. Os novos teóricos que recolheram elementos do pós-modernismo para aplicação num punhado de teorias (pós-colonial, queer e crítica de raça), afirmam o seu combate para desconstruir a injustiça social, algo que os dois autores de Teorias Cínicas reputam de um trabalho que procura minudências de linguagem que visam tresler propositadamente. Guerra & Paz

Guerra Junqueiro

O Fato Novo do Sultão e outros contos

No alargado contexto da sua intervenção poética, cultural social e política, Guerra Junqueiro tomou posição sobre questões de pedagogia. Acérrimo partidário da alfabetização, defendeu uma escola de contornos lúdicos e libertários para a criança, apoiada em novas metodologias de educação que excluíssem toda a violência institucionalizada. Os contos presentes nesta compilação são retirados da obra Contos para a Infância, publicada em 1877, por Guerra Junqueiro. Apesar de não serem da sua autoria, mas sim adaptações de histórias tradicionais, neles estão patentes as preocupações pedagógicas, sociais e culturais deste autor. Os valores subjacentes — a bondade, a justiça, a solidariedade, a honestidade, a gratidão, entre outros — são transmitidos de forma simples e construtiva. As ilustrações de Elias Gato, expressivas xilogravuras a branco e negro, formam o complemento ideal destas histórias que têm acompanhado o crescimento de tantas gerações de leitores. Fábula