Moullinex

"Se sempre fui honesto comigo e com a música que faço, tinha de o ser com este disco"

Moullinex

Luís Clara Gomes, a.k.a. Moullinex, está de regresso aos discos com Requiem for Empathy. O novo trabalho revela um dj e produtor mais introspetivo e maduro, e conta com as preciosas vozes de Selma Uamusse e Sara Tavares (entre outras colaborações). O público pode conhecer o novo álbum ao vivo, na Culturgest, nos dias 4 e 5 de junho.

Porquê o nome artístico Moullinex?

Sempre gostei muito de house francês, daquela chamada fase french touch, onde se incluem bandas como os Daftpunk ou os Air. Quando comecei a assinar temas de músicas de dança precisava de um nome. Tinha acabado de samplar o som de uma picadora numa música, e achei que seria boa ideia chamar-me Moullinex, por causa dessa ideia de misturar eletrónica francesa. Em minha defesa, ninguém me leva completamente a sério e acho que isso é bom.

Requiem for Empathy é um álbum carregado de melancolia e introspeção…

Acho que sempre tive estas tonalidades presentes em mim, mas não tinha a segurança ou a coragem de as expor no meu trabalho. Como comecei a fazer música de dança muito celebratória e exuberante, sempre fui muito resistente a explorar este lado, mas achei que estava na altura de o fazer. Não se identificava muito com o que tinha feito antes, então fiz essa procura interior de perceber se fazia sentido este disco ser assinado como Moullinex. Achei que, se sempre tinha sido honesto comigo próprio e com a música que faço, tinha também que o ser com este disco.

Este disco é a prova de que a melancolia também se dança?

Essa prova já foi mais do que dada no passado por imensos músicos. Começando pelo Art Russell, e por tanta gente que canta canções tristes que são muito dançáveis. Há um disco de funk dos anos 70, Dance your troubles away, que ilustra muito bem esta ideia da pista de dança como um lugar de escape e de libertação dos nossos males do dia-a-dia. Mas sim, este é o meu disco mais terapêutico nesse sentido.

Este álbum explora o conceito de empatia. De onde vem essa curiosidade?

Sempre me interessou usar a minha música e o meu trabalho como plataforma para aprender coisas novas. Antigamente, fazia investigação em astronomia e neurologia e essa parte de mim esteve desativada durante muito tempo. Por ter tido tempo livre voltei a mergulhar nesse mundo e voltei a ligar-me a pessoas que vivem essa multidisciplinariedade da mesma forma que eu. Encontrava muitos paralelos entre o que estava a fazer musicalmente e a forma como alguns cientistas olham para a interação humana na pista de dança, por exemplo, e voltei a ligar-me a essa parte de mim.

Enquanto dj, o que te diz a experiência sobre a empatia que se gera nas pistas de dança?

A coisa mais bonita de ser dj é o facto de não ser uma experiência unidirecional como um concerto. No concerto, cria-se um ciclo de feedback, mas num dj set isso ainda é mais acentuado. Os djs são apenas uma componente de tudo o que está a acontecer e a energia do público leva-nos para determinado caminho, não trazemos um alinhamento pré-definido. É como contar uma história. Vamos percebendo a reação do público e percebemos se temos de ser mais dramáticos ou mais exuberantes. Esse loop de feedback interessa-me muito. A experiência partilhada – seja de um concerto ou de um dj set – é uma sensação muito forte. Nos melhores concertos sentimos que fazemos parte de algo maior do que nós. A mim, que sou muito racional e nada dado a metafísica, fascina-me esse sentimento. Olho para ele com uma lente o mais analítica possível. Tenho amigos cientistas que olham para isto da mesma forma, e interessa-me discuti-lo. Quando gostamos tanto de uma coisa passa a ser um bocadinho a nossa fixação.

O título do disco – Requiem for Empathy – resume essa ideia?

Resume, e também é um desafio porque requiem é uma missa fúnebre. É um desafio pensarmos se a empatia, no seu conceito lato, não é algo que se está a perder, e de que forma é que isso nos impacta. Qual é a nossa reação ao nos apercebermos disso? Escolhi este título em 2019, ainda sem saber o que aí vinha. De repente, este título tornou-se ainda mais óbvio. Hesitei em lançar o disco por causa disso mesmo: de ainda precisarmos, coletivamente, de atravessar esta experiência, chegar a algum lado (embora ainda não tenhamos saído dela, já se avista um horizonte). Achei que o disco não podia sair até se ver esse horizonte.

“Sempre me interessou usar a minha música e o meu trabalho como plataforma para aprender coisas novas”

Este disco conta com várias colaborações: Sara Tavares, Selma Uamusse ou Afonso Cabral. Porquê estes nomes?

Todos os cantores que participaram neste disco têm uma relação muito particular com a sua voz, no sentido em que parece nada esforçada, parece uma voz natural, muito honesta, muito pouco treinada. Para ser um cantor assim, é preciso muito mais trabalho do que para parecer um cantor formal e com muita técnica. Adoro isso num vocalista. Alguém que é capaz de atingir cumes e vales enormes, mas que também abraça as suas fragilidades, e eu sentia que precisava de criar este contraste entre uma parede distópica, artificial, um bocadinho hostil, dos sintetizadores e máquinas de ritmo, contraposto com elementos humanos como estas vozes. Achei que precisava de caminhar um bocadinho este contraste neste disco. Tive a sorte de ter convidado estas pessoas e de elas aceitarem porque foram as minhas primeiras escolhas. Em relação à Selma e à Sara terem cantado, respetivamente, em changana e crioulo cabo-verdiano, tem a ver com a questão da expressão ser mais direta ainda. Parece que estamos a mergulhar dentro da personalidade da pessoa, por estar a cantar na sua língua materna, ou na língua que mais corresponde à sua cultura identitária. Para mim, isso foi especialmente bonito. Com o changana, mesmo não entendendo as palavras, a emoção da Selma passa para quem ouve, e isso fascina-me.

De que forma foi feita essa colaboração?

Ambas pensavam que eu queria que a música fosse em inglês, mas senti logo, quando começámos a fazer experiências, que era importante fazê-lo na língua que elas quisessem. Para mim é importante que seja efetivamente uma colaboração muito participativa e não um featuring (em que há um instrumental pronto que se manda ao vocalista). Achei importante que fosse uma contribuição musical maior do que essa. Perco sempre uma oportunidade de ter uma música melhor se assim não for.

Com a pandemia, o universo digital modificou a forma como as pessoas se relacionam. As relações humanas alteraram-se para sempre?

Veio, sem dúvida, alterar a forma como as pessoas se relacionam. A quantidade de ligações multiplicou-se, a sua qualidade é que está em causa. Basta ver as estatísticas dos problemas de saúde mental associados ao isolamento. Os números dizem-nos que estamos a atravessar uma fase de profunda separação, apesar dos zooms constantes e de todas as experiências digitais que tentam substituir a vida real. Estamos todos fartos desse placebo, o que me deixa contente, porque ficou evidente que há uma parte real e tangível da nossa existência enquanto indivíduos que é necessária para nós, e que penso que nunca se irá perder.

O confinamento foi uma altura propícia à criação?

Em termos de música não. Foi, efetivamente, uma montanha-russa de emoções. De um dia para o outro o meu estado de espírito mudava completamente. Não fiz quase música nenhuma. Fiz um tema, Luz, que depois decidi incluir no disco. O disco ficou fechado uma semana antes do primeiro estado de emergência. Em termos criativos, foi-me muito difícil compor. Imagino sempre um espaço físico, mesmo que seja fantasioso, mas o tapete foi-nos tirado debaixo dos pés. Não havia pistas de dança, não conseguia imaginar a minha música a ser tocada e por isso tornou-se muito difícil criar. Canalizei um bocadinho os meus esforços para áreas nas quais não estava tão confortável, como os mundos mais visuais. Aprendi imensas técnicas visuais e de 3D, precisamente por serem coisas mais abstratas do que a minha música, e refugiei-me nisso. Mesmo em termos de consumo de entretenimento e de literatura, era tudo muito ficcional, imaginado, sci-fi, o mais desligado da realidade possível.

Em junho dá-se o tão antecipado regresso aos palcos. O que esperas deste reencontro com o público?

O diálogo entre o que faço no estúdio, nos dj sets e no palco com a banda é muito importante para mim. As coisas contaminam-se muito umas às outras e ter um disco pronto sem o poder materializar e mostrar às pessoas não é fácil… a melhor forma de o mostrar é mesmo frente a frente. Tem sido muito difícil, porque temos estado com a vida em suspenso. Estamos muito ansiosos por poder mostrar este disco ao vivo. É como se tivéssemos estado do lado de cá da janela a ver as músicas saírem, mas nós não podemos ir com elas para a rua, por isso sim, a vontade é muito grande.

Houve algum disco que te tenha marcado particularmente nos últimos tempos?

O meu disco favorito deste ano é Promises, de Floating Points, com Pharoah Sanders e The London Simphony Orchestra. É um encontro entre músicos que eu admiro muito: o Sam Shepherd (conhecido como Floating Points) e o Pharoah Sanders, que é um saxofonista incrível. Estas duas sensibilidades juntam-se num disco que tem de ser ouvido do início ao fim, como uma experiência contínua. É um bálsamo nesta altura em que precisamos de coisas que nos transportem para outros lugares. Não podia recomendá-lo mais.