Bruno Pernadas

"Quando faço música não penso em que género é que se encaixa"

Bruno Pernadas

Bruno Pernadas começou a sua carreira em projetos como os Real Combo Lisbonense, Julie & The Carjackers ou Minta & the Brooktrout. Autor de bandas sonoras para dança, teatro e cinema, o músico, compositor e produtor lançou recentemente Private Reasons, álbum que fecha a trilogia iniciada por How Can We Be Joyful In A World Full Of Knowledge? (2014) e Those Who Throw Objects At The Crocodiles Will Be Asked To Retrieve Them (2016). Nos dias 21 e 22 de maio, sobe ao palco da Culturgest para apresentar o novo disco.

A tua sonoridade é difícil de definir…

Não há um género que descreva a música que faço. Tem jazz, tem música pop, muita música exótica, algum rock, world music… Quando faço música não penso muito nisso, em que género é que se encaixa.

Os teus discos têm títulos muito peculiares. Há alguma mensagem subliminar por trás ou é algo completamente aleatório?

Não é aleatório, depende do disco… O título do disco Those who throw objects at the crocodiles will be asked to retrieve them (2016), por exemplo, não fui eu que inventei. É uma frase que surge numa série de placards que existem na Flórida. Na altura achei curioso, porque nos Estados Unidos existe essa displicência em relação aos crocodilos, por serem um animal tão comum, mas no Egipto, por exemplo, a forma como se olha para este animal é completamente diferente. Há uma grande discrepância de valores culturais de uma sociedade para a outra, e o título remete para isso, de uma forma mais filosófica.

Nos discos anteriores, grande parte das músicas praticamente não têm letra. É mais confortável compor apenas para instrumento?

Não, é igual. Em certas alturas arrisco bastante e exijo muito dos cantores que trabalham comigo, peço-lhes para fazerem coisas que estão no limite do impossível. No caso da voz, tem imensas particularidades, como a tessitura por exemplo. É preciso é conhecer o instrumento para o qual se está a escrever, mas para mim não é diferente escrever para um ou para outro registo.

O novo disco, Private Reasons, representa o fecho de uma trilogia ou é apenas o início de outra etapa?

Eu diria mais que é o término de uma trilogia. Os discos não foram feitos com esse intuito, mas percebo essa analogia. Tem a ver com o som e com os caminhos musicais, com a forma como estão construídos, em que acabam por passar por várias paisagens… acho que faz sentido olhar para os três discos como fazendo parte de uma trilogia. Diria que sim, é muito mais um encerramento do que um começo.

O lado estético e visual é importante na transmissão da mensagem?

Há um estilo que acabou por se ir moldando e definindo, embora não tenha sido algo muito pensado. Esse lado visual surgiu no primeiro disco e acabou por ganhar uma identidade que, obviamente, se pode transformar e alargar para outros horizontes e tendências. Nada está fechado. O videoclipe de Theme Vision (primeiro single do novo disco) foi a primeira vez que foi feito assim. Até à data eram sempre vídeos com colagens que eu fazia para as capas digitais dos singles. Tenho imensas ideias que gostaria de materializar, mas tudo o que envolve cinema é caro. Se houvesse mais meios financeiros daria para explorar ainda mais esse lado visual.

“As pessoas sabem que os músicos estiveram muito tempo sem tocar, sabem as dificuldades pelas quais eles passaram”

 

Este mês atuas em dose dupla na Culturgest, uma vez que a primeira data esgotou rapidamente. O que esperas deste regresso aos palcos em pleno contexto pandémico?

Vai ser double trouble, como diz um amigo meu. Por um lado, porque tem de se montar o concerto de origem, por ser um novo espetáculo, uma nova performance, o que por si só já é difícil, porque a música normalmente começa a soar melhor passados quatro, cinco concertos de apresentação, quando os músicos já estão à vontade com os temas. Por outro lado, há que ter em mente que os músicos estão a voltar a tocar pela primeira vez em muito tempo. As pessoas sabem que os músicos estiveram muito tempo sem tocar, sabem as dificuldades pelas quais eles passaram. Se a banda estiver mais enferrujada e não estiver a soar como antes da quarentena, não estou muito preocupado com isso, é algo que não podemos controlar. Mas vai ser bom regressar ao palco. Acima de tudo, estou curioso para saber como é que vai funcionar ao vivo, porque a gravação do disco não correu da forma como idealizámos, foi um bocadinho repartida por causa das restrições, não gravámos com todos os músicos ao mesmo tempo. É bom saber que vai estar muita gente a assistir.

No concerto da Culturgest vais dividir o palco com vários amigos. É quase uma big band

Neste momento, como o ensemble já está mais ou menos definido, já escrevo a pensar nestas pessoas, porque já conheço as características e as ferramentas de cada uma delas. Sei onde é que têm dificuldades e quais são os seus pontos fortes… Elas já estão presentes no momento de composição, antes até de estarem no palco a tocar comigo. Para além disso, dão-me alguma segurança. Claro que podem falhar, como qualquer músico, mas é muito seguro tocar com todas elas.

És compositor, produtor, tocas vários instrumentos… consideras-te cantor também?

Não, não me sinto cantor, de todo [risos]. Nos outros discos também cantei, mas neste canto mais, é um facto. Foi difícil para mim porque não me é natural, não tenho ferramentas para isso. Canto como qualquer pessoa, a única diferença é que sei as notas que estou a cantar, mas técnica não tenho. Prefiro muito mais tocar instrumentos.

Por falar em pandemia, que efeito teve em ti? Inspiração e tempo para compor, ou nem por isso?

O primeiro confinamento foi muito chato porque atrasou o processo de gravação do disco, o que foi muito complicado porque envolveu 19 pessoas. Na altura, cruzar as agendas foi um verdadeiro puzzle. De qualquer forma, não fui das pessoas mais afetadas, estive quase sempre a trabalhar: fiz a banda sonora para a peça Atlântico, do Tiago Cadete, que esteve no Teatro Nacional D. Maria II; fiz alguns concertos online, e fiz ainda uma composição para celebrar o Dia Mundial da Europa, numa colaboração com o Parlamento Europeu. Fui também convidado para fazer a banda sonora da primeira série portuguesa para a Netflix, Glória (ainda sem data de estreia prevista), e continuei a dar aulas online. Felizmente não foi um período de bloqueio criativo. Por um lado, até foi mais tranquilo, porque não tinha tantas responsabilidades, o que me permitia ter um foco maior.

O que se segue depois destes concertos?

Os concertos ainda são alguns, porque tenho datas por confirmar noutras cidades. Vou também estar envolvido num projeto sobre o qual ainda não posso falar muito, posso apenas dizer que será num contexto comunitário e social, algo diferente do tipo de projetos em que costumo trabalhar. Tenho algumas ideias para um novo álbum, mas não sei quando vou pô-las em prática. Será, certamente, algo radicalmente diferente do que fiz até aqui.