Os livros de maio

Sete sugestões de leitura

Os livros de maio

No mês em que a cidade de Lisboa se propõe celebrar simultaneamente a Língua, a Literatura, os Livros, as Livrarias e a Leitura, através da primeira edição do festival literário Lisboa 5L - O Lugar de Todas as Letras, sugerimos sete opções de leitura entre as mais recentes novidades editoriais.

Carl Einstein

Escultura Negra

“Dificilmente haverá uma arte que o Europeu encare com tanta desconfiança como a arte africana. A sua tendência imediata é  negar o facto de se tratar de uma ‘arte’,  exprimindo a distância que separa estas criações da concepção europeia, com um desprezo que chega a originar uma terminologia depreciativa”. Estas são as frases inaugurais de Escultura Negra, do escritor, historiador de arte, crítico e ativista político Carl Einstein. Publicado pela primeira vez em 1915, é um texto audacioso e fundador na história da arte europeia que produz a primeira análise crítica à escultura africana, libertando-a de todo o etnocentrismo e primitivismo. O livro divide-se em duas partes: uma análise da escultura africana e a reprodução de 94 objetos artísticos.  Consciente do erro de  transpor as categorias estéticas ocidentais para as obras africanas, o autor procura integrar a obra de arte “num devir geral”. A este propósito escreveu Hermann Hesse; “Esforçamo-nos muito para estudar o que separa pessoas, povos e épocas. Tenhamos sempre mais atenção ao que une todas as pessoas. Algo disso é expesso em  Escultura Negra de  Carl Einstein.” Orfeu Negro

Alexandre Koyré

Reflexões Sobre a Mentira

Quando este ensaio de Koyré foi pela primeira vez publicado, no começo de 1943, e numa revista trimestral nova-iorquina, decorria a Segunda Grande Guerra, e o filósofo propunha-se desmascarar o modo de funcionamento da propaganda nos regimes totalitários, com a Alemanha de Hitler por principal alvo. A propaganda é a concretização de uma “conspiração às claras”, segundo Alexandre Koyré, que usa a mentira e quanto mais esta for “grosseira, massiva” e crua, mais as pessoas a quem se dirige acreditarão e seguirão quem lhes lisonjeia “as paixões, os ódios, os medos.” De acordo com a “antropologia totalitária, o homem não se define pelo pensamento, pela razão, pelo juízo, justamente porque, segundo ela, a imensa maioria dos homens está desprovida deles”. A atualidade deste escrito, sucinto e claro, que foi objeto de mais algumas reedições mesmo após a morte do autor, em 1964, vê-se nos focos do totalitarismo um pouco por todo o mundo, cujo “êxito parcial” se traduz na conquista do poder dentro de portas. V.S. Editor   

Charles Dickens

A Vida e as Aventuras de Nicholas Nickleby

Raros foram os autores que condensaram toda uma época na sua obra. Charles Dickens (1812-1870) foi um deles: os seus livros oferecem o melhor retrato ficcionado da era da Revolução Industrial. Aos 12 anos viu o pai preso por dívidas e teve que abandonar a escola e trabalhar numa fábrica de graxa para sapatos como forma de sustentar a família. Este episódio foi determinante para lhe conferir a consciência social de que se revestem os seus escritos com os temas recorrentes do abuso infantil, pobreza, prostituição, desemprego e falta de condições laborais.  No terceiro romance de Dickens, o pai do jovem protagonista, Nicholas Nickleby , morre depois de perder todo o seu dinheiro num investimento ruinoso. Para proteger a mãe e a irmã,  Nicholas aceita um cargo  como assistente do diretor de uma escola. Aí descobre um regime de  crueldade tremenda:  tareias e espancamentos, alimentação  péssima, violência psicológica permanente e fraca qualidade do ensino.  Profunda denúncia das instituições do seu tempo e comovente defesa dos direitos das crianças pelo escritor que Eça de Queirós considerou possuir, como nenhum outro, “o poder de criar figuras vivas”. E-Primatur

José Gardeazabal

Quarentena – Uma História de Amor

As autoridades de saúde impõem uma quarentena a um casal decidido a separar-se, condenando-o a um regime forçado de intimidade no espaço do apartamento onde partilharam a relação.  Quarentena – Uma História de Amor, escrito sobre a forma de diário ao longo de 40 dias, é uma obra inteligente e estimulante, de grande riqueza aforística, que manifesta uma profunda capacidade de análise sobre a vida íntima dentro das quatro paredes de um apartamento e sobre a vida coletiva do “mundo de fora”. Observa minuciosamente a desagregação do casal (“A nossa ralação desapareceu pelo efeito preguiçoso do tempo”) e o estado do mundo sob o efeito da pandemia (“O vírus está em toda  a parte e não se vê, subiu ao patamar exigente de uma religião”). Mas, a obra é também um extraordinário exercício de memória e uma reflexão sobre a necessidade de criação de histórias: “A velha questão da memória. Visitar o passado é um exercício que hesita entre o abandono e a reconstrução. Numa quarentena, a hipótese de reconstrução ganha garras terríveis, ganha sentido. O que aconteceu entra mim e Mariana pode ter sido um fiasco, mas será recordado como uma história de amor. Essa é a força das histórias. Vida, vai-te embora e traz-me uma história.” Companhia das Letras

Luís Rosa

45 Anos de Combate à Corrupção

Num estado de direito a Justiça não se faz na praça pública, em julgamentos populares, mas nos tribunais, assegurando-se aos arguidos todas as garantias de defesa, de acordo com as regras estabelecidas no processo penal. Contudo, a corrupção (pagamento de contrapartidas a um decisor público ou privado para obter benefícios ilegítimos) é considerada como um grande problema nacional que motiva a desconfiança nas instituições e o alheamento eleitoral. A complexidade e lentidão dos processos de corrupção julgados, assim como da restante criminalidade económico-financeira, e a sua mediatização, suscitam a especulação sobre ineficácia da Justiça. Ora, como tem sido combatida a corrupção, de facto, pelo Ministério Público desde Abril de 1974? Este livro procura explicar traduzir e descodificar os mecanismos da administração da justiça para o leitor comum. Narra a história recente do combate à corrupção em Portugal, bem como a respectiva evolução legislativa, através do percurso e dos olhares de cinco procuradores de três gerações diferentes: Euclides Dâmaso, Inês Bonina, João Marques Vidal, Maria José Morgado e Teresa Almeida. Partindo desta abordagem, percorre os principais processos penais por crimes de corrupção nos últimos 45 anos. FFMS

Daniel Blaufuks

Hoje, Nada

“A obra de Daniel Blaufuks releva uma peculiar mistura entre (auto)biografia e análise histórica, viagem e registo diarístico, factografia e ficcionalidade, predisposições de uma atitude artística e meditativa sobre as realidades que habitamos e sobre o passado que as afecta, entre o colectivo e individual. Através da anotação de momentos, espaços e objectos da vida quotidiana, frequentemente submetida à articulação entre o valor histórico e o potencial rememorativo da fotografia, o trabalho de Daniel Blaufuks distingue‑se também por uma persistente reflexão sobre a natureza e o potencial perceptivo da imagem”. Sérgio Mah foi curador da exposição Hoje, Nada de Daniel Blaufuks, que esteve patente na Galeria Pavilhão Branco, entre Setembro e Novembro de 2019, na qual escreveu estas palavras sobre as fotografias e os objectos que davam a ver lugares, coisas, gestos imobilizados. O presente livro bilingue (português/inglês) reúne vistas de exposição e textos de Tobi Maier (director das Galerias Municipais), de Sérgio Mah (curador), do artista plástico Rui Chafes e do escritor João Miguel Fernandes Jorge e evoca exemplarmente “um mundo em suspenso e sem horizonte, onde quase tudo está fora de campo.” Galerias Municipais /EGEAC – Tinta-da-china

Blandina Franco e José Carlos Lollo

Isto é Meu!

A parceria editorial brasileira entre a escritora Blandina Franco e o ilustrador José Carlos Lollo rendeu um casamento, um filho e 34 livros. Isto é Meu! é o seu mais recente trabalho editado em Portugal. Trata-se da história de uma menina muito ligada ao seu brinquedo, um ursinho de peluche azul. Às vezes, gostamos muito de uma coisa e não a queremos partilhar. É nossa! Só nossa e de mais ninguém! Mas terá sentido brincar sozinho? Por isso, esta menina vai ter que escolher entre partilhar o seu brinquedo ou não ter com quem brincar. A história é simples e eficaz, as ilustrações rápidas e expressivas e o tema da partilha essencial para ajudar a crescer. Mais tarde, quando for adulta, a menina poderá ler a grande literatura e reaprender com o genial poeta Konstantínos Kaváfis o valor da partilha, no belo verso que reproduz um excerto do crisóbulo de Aleixo Comneno para render preito a sua mãe, a Ilustre Ana Dalássena: “Nunca as frias palavras meu e teu dissemos.” Nuvem de Letras