Discos novos que vale a pena descobrir

Para que a música não nos falte

Discos novos que vale a pena descobrir

Numa altura em que o setor da Cultura continua a sofrer devido à pandemia, e em que todos ambicionamos o regresso de alguma normalidade, a música, mais do que nunca, é um porto de abrigo. Falámos com Moonspell, Rua das Pretas, Luca Argel, Rogério Charraz, O Gajo, Dom La Nena e Gisela João, músicos que lançaram trabalhos recentemente – ou estarão prestes a lançar em breve novos álbuns. Artistas que, apesar das adversidades, continuam a trabalhar para que nunca nos falte a música.

©Rui Vasco

Moonspell

Hermitage

Em fevereiro passado, os Moonspell – a mais conhecida (e internacional) banda portuguesa de heavy-metal – lançaram o seu 13.º disco de originais. Hermitage não podia ser mais apropriado para os tempos que vivemos, embora o vocalista Fernando Ribeiro garanta que a inspiração não tenha sido a pandemia: “encaixa-se que nem uma luva, o que o torna – infelizmente – ainda mais exato”. O álbum começou a ser escrito em 2017 e fala sobre “a atomização do mundo, do distanciamento social que, não sendo uma questão sanitária na altura, nem obrigatória por lei, era uma realidade. O disco é sobre isso, só nos importarmos connosco e não viver para a nossa comunidade”. Em tempos tão negros, “até a dançar a lambada conseguimos ser mais felizes do que a ouvir as notícias”, constata.

Apesar do confinamento, a banda manteve contacto com os seus seguidores: “os músicos adaptam-se, os fãs também. Temos desenvolvido imensos conteúdos online desde encontros com os fãs a concertos virtuais e temos uma loja online que trabalha muito bem”.

No próximo ano, os Moonspell comemoram 30 anos de carreira. Sobre a data, o músico vaticina três cenários possíveis: “num mundo perfeito voltamos aos Coliseus. No mundo possível teremos duas tours internacionais já planeadas. Num mundo pior, ficamos por aqui, e já não foi mau”.

©Nicole Sanchez

Rua das Pretas

Um copo de fado, dois de bossa nova

Um Copo de Fado, Dois de Bossa Nova é o mais recente disco de Rua das Pretas. O projeto comunitário, da autoria do cantor e compositor brasileiro Pierre Aderne, mistura bossa-nova, fado, morna, storytelling, amigos e vinho. O novo trabalho foi gravado há precisamente um ano, antes do primeiro confinamento, e, segundo Pierre, é uma espécie de “pequeno manual da sociologia de ‘tasca’ que sublinha Lisboa como a capital da música de língua portuguesa”.

Antes da pandemia, o músico juntava, aos sábados, num palacete no Príncipe Real, “a comunidade musical de Portugal, Brasil e África lusófona” para cantar, tocar e partilhar histórias. Para Aderne, a música só faz sentido assim: “fui aluno de uma escola onde a música só podia ser feita com aqueles que se pode convidar para a sala de casa.”

O novo disco mantém este espírito de partilha e parceria, e conta com “os cúmplices Francis Hime, Gabriel Moura, Pedro Luis e José Eduardo Agualusa”. Contém ainda uma regravação de Náu Frágil (uma composição de Pierre Aderne e Marcio Faraco gravada por António Zambujo em 2012). Para o músico, “fazer este disco neste isolamento foi uma vacina contra o tédio”.

©Kristallenia Batziou

Luca Argel

Samba de Guerrilha

A viver em Portugal há dez anos, o brasileiro Luca Argel lançou, recentemente, Samba de Guerrilha. O novo trabalho viaja pela centenária história do samba, marcado por luta, glória e desventuras. Segundo o próprio, a ideia surgiu “do desejo de complementar a [minha] vivência musical no samba com o conhecimento da história do género.”

A pesquisa que fez para o disco levou-o a perceber “como muitos dos nossos problemas sociais do presente – como a desigualdade e o racismo – vêm de erros cometidos no passado, mas que continuamos a repetir. Como o samba foi muitas vezes vítima e testemunha dessa história, quis fazer do Samba de Guerrilha um trabalho de memória, que deve ser o primeiro passo em direção à superação destes problemas”. O disco foi editado em forma de jornal ilustrado (com desenhos de José Feitor), “um formato que dá o máximo destaque às palavras, além de ser também um objeto simbólico, que evoca direitos como a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa – direitos que nalgumas histórias presentes no álbum foram atacados por regimes autoritários.”

Não poder apresentar ao vivo o novo disco é, naturalmente, “frustrante” para o cantor, que tenta ver o copo meio cheio: “gosto de pensar que a ausência de programação cultural nas cidades talvez abra mais tempo para que as pessoas ouçam o álbum com mais vagar, mais atenção. É um álbum longo e com muitas camadas de informação, e este tempo a mais para investir pode ser uma mais valia”.

©Alfredo Matos

Rogério Charraz

O Coreto

O Coreto é o novo disco de Rogério Charraz. O tema nasceu do fascínio do músico pelos coretos enquanto símbolo cultural e elemento arquitetónico. As letras ficaram a cargo de José Fialho Gouveia, uma parceria que vem desde o terceiro disco do músico, Não tenhas medo do escuro. “Nunca mais nos largámos e fomos aprofundando esta ligação que vai sendo mais forte a cada canção que fazemos juntos”, reforça o cantor.

O Coreto conta com produção de Luísa Sobral, “uma escolha natural, tendo em conta a sonoridade que queríamos para o disco e o entusiasmo que ela demonstrou desde a primeira conversa”. Para se dedicarem a este disco, os três passaram três dias num retiro criativo em Alpalhão. O disco saiu em fevereiro passado, mas ainda não pôde ganhar vida em cima do palco, o que o músico considera ser “muito frustrante, tendo em conta a forma como tem sido tão bem recebido pelo público e pela imprensa”. Em circunstâncias normais, refere, “seria expectável que houvesse várias datas marcadas para o verão, mas com a incerteza em relação ao calendário do desconfinamento, todos os programadores estão muito relutantes em definir a programação.”

O cenário pode não ser muito animador, mas o músico vê o lado positivo: “o entusiasmo que este disco tem gerado dá-nos muito alento e faz-nos esquecer um pouco o momento difícil que vivemos. Tem funcionado como um enorme balão de oxigénio.”

©Jorge Buco

O Gajo

Subterrâneos

O Gajo (nome artístico de João Morais) acaba de lançar o seu terceiro disco de originais, Subterrâneos. Há um ano, o músico não tinha a intenção de gravar um álbum novo, mas rapidamente viu os seus planos mudarem quando, em pleno confinamento, se viu “mergulhado em novas ideias e composições.”

O novo trabalho é descrito pelo próprio como sendo de “grande honestidade”. O artista concentrou-se “em transformar toda uma energia negativa gerada pela pandemia em algo positivo”. Subterrâneos marca encontro com a poesia de “Bocage, Camões, Fernando Pessoa, Arthur Rockzane ou Jesus Lizano. Há ainda sombras de Nietzsche, a vida trágica de Mark Sandman ou a conspiração da Coruja, tudo isto criando ambientes destintos, mas num todo consistente e sempre liderado pelo som envolvente da viola campaniça.”

O trabalho gráfico não foi deixado ao acaso. A capa tem por base uma pintura do artista plástico Mutes e mostra “uma série de figuras disformes que representam essa imagem subterrânea que pode ser a de cada um de nós.”

Enquanto (alguma) normalidade não regressa, o disco não poderá subir a palco. Ainda assim, O Gajo mantém-se otimista: “o mais importante era construir um disco a partir desta paragem, rentabilizar este tempo para não o dar como perdido e tirar desta experiência algo construtivo. Apresentar um disco ao vivo faz parte de uma rotina que não é a que vivemos neste momento e por isso os planos têm de ser adaptados e os concertos terão de esperar.”

Dom La Nena

Tempo

Dom La Nena nasceu no Brasil, cresceu na Argentina e fixou-se em França, dominando o português, o espanhol e o francês desde criança. A cantora considera as três línguas como maternas, o que influencia o seu processo criativo: “começo pela parte musical, que ‘pede’ certos sons próprios de uma ou outra língua. Muito raramente, começo a compor uma canção já sabendo o idioma que virá. É algo completamente imprevisível, a canção é que decide.”

Em fevereiro, Dom La Nena lançou o disco Tempo, onde o violoncelo ganha um som novo e moderno: “desta vez queria concentrar-me no violoncelo e na minha voz. São elementos muito meus, que conheço intimamente”. A artista escreveu o disco praticamente todo durante a gravidez, o que influenciou muito o resultado: “encontrei-me num momento mais calmo, mais solitário, de reflexão e de espera. As canções surgiram e logo percebi que a temática era a passagem do tempo, os ciclos da vida. É um pouco misterioso, as canções surgem por elas mesmas, como se o ‘eu’ colocasse em pausa o lado consciente, e deixasse o inconsciente operar.”

Longe dos palcos devido à pandemia, a artista diz sentir uma “falta imensa da troca de energia, de encontrar o público, de dar vida às canções”. O ano tem sido difícil para todos os músicos, e a violoncelista já viu mais de 60 concertos serem cancelados. “Infelizmente não há muito a fazer, é respirar fundo e esperar que tudo isto passe logo”.

©Rodolfo Magalhães

Gisela João

AuRora

Gisela João é uma das mais importantes vozes femininas do fado. A artista barcelense lança, em abril, o novo disco, AuRora, rompendo com um jejum de cinco anos. Sobre este intervalo de tempo, a cantora desvaloriza: “não penso muito nisso. Demorei o tempo necessário até sentir que tinha alguma coisa para dizer.”

O título do novo álbum não podia ser mais literal: “defino este disco como uma aurora, na verdade, porque tem uma mensagem de esperança. Hoje em dia vivemos tão intensamente as redes sociais, onde tudo parece ser perfeito, e isso é uma ilusão. Gosto da ideia de assumir que as coisas nem sempre estão bem. É essa a mensagem deste disco: as coisas podem estar cinzentas, mas sabemos que vão melhorar.”

As salas de espetáculos reabrem a 19 de abril, mas ainda é cedo para saber quando irá AuRora subir ao palco: “estou pronta para cantar, mas prefiro não criar expectativas”. Com o disco pronto há algum tempo, Gisela sentiu que estava na altura de o lançar: “estava há um ano na gaveta à espera. Tinha de o lançar agora, em que estamos a viver uma nova aurora”. A artista diz sentir “muitas saudades do palco, da [minha] equipa, do público”, e faz uma confissão: “não canto só para mim, faço isto para as pessoas. Faz-me muito bem cantar, é uma catarse, mas gosto de pensar que vou ajudar alguém, que vou falar sobre as histórias de quem me está a ouvir. Gosto de pensar que as pessoas, quando me ouvem, se vão encontrar, e que vai funcionar como uma catarse para elas também.”