Pedro Coquenão

"IKOQWE é um encontro entre dois personagens e a tradução das suas conversas para música"

Pedro Coquenão

Pedro Coquenão é um artista multidisciplinar, mais conhecido por Batida. É também metade de IKOQWE, projeto que partilha com Luaty Beirão e que lança, este mês, o disco de estreia, The Beginning, the Medium, the End and the Infinite. Um ano depois do alojamento artístico local que levou à Casa Independente, quisemos saber o que anda a fazer.

O ano passado apresentaste, na Casa Independente, um projeto multidisciplinar que incluiu música, rádio, dança, artes visuais e plásticas. A esta distância temporal, como avalias essa experiência?

Este ano que passou mudou a forma como avaliamos tudo. Aprendi e experimentei muita coisa. No futuro, gostaria de poder ter mais oportunidades como a que tive na Casa. Não é fácil juntar sampling de museu com peças próprias, ter uma frequência de rádio no ar, mexer na temperatura de uma casa tão bonita quanto a Independente, trabalhar um palco e uma sala que funciona tanto para baile, como para teatro e competir com o grande artista que é o álcool. Senti como muito trabalhoso, mas essencial de ser feito. Gostava de ocupar o Cristo Rei.

Um dos objetivos desse projeto era “quebrar fronteiras formais”, que as pessoas olhassem para as várias formas de arte como um todo. De forma geral, existe essa mente aberta?

Não. Acho que essencialmente queremos beber uns copos, conversar, seduzir, comer, pensar qb sobre a vida e demasiado sobre futebol (não por esta ordem). O meu objetivo era dar essa possibilidade. Um artista abre possibilidades apenas. Com sorte e muito trabalho, cria-se e partilha-se um mundo onde podemos mergulhar e viver por um tempo. Nesse sentido, essa quebra foi feita. As pessoas que se envolveram naquele mês são um bom exemplo disso. Da Joana Cardoso da EGEAC, ao Museu de Lisboa da Joana Monteiro e sua equipa, ao desenhador de luz Paulo Sabino, aos incríveis bailarinos Piny, André Cabral, à performer Sani, ao pintor Lorenzo Innocenti, à residência com o próprio Luaty e a todos os técnicos e produtores assistentes envolvidos, com a apaixonada abertura e proximidade da Inês Valdez e da sua Casa.

Em março, IKOQWE (projeto a meias com Luaty Beirão) lança o seu disco de estreia. Trata-se de um encontro entre dois cúmplices, dois irmãos. Qual o conceito deste projeto a dois?

IKOQWE é um encontro entre dois personagens e a tradução das suas conversas para música, neste caso. Os temas vão desde a História ficcionada, a Iniquidade Social, o Ambiente, Saúde Mental. E a base instrumental assenta muito em máquinas e sons ancestrais. Ao vivo transforma-se num teatro musical. E em vídeo, numa curta tão grande quanto o disco.

O disco chama-se The Beginning, the Medium, the End and the Infinite. Qual a ideia deste título?

É assumir tudo o que isso significa. O início de uma história, mas também o seu princípio base de procura por ela, os meios utilizados e como eles nos afetam a perceção de realidade, mais do que os factos, o fim que se tenta atingir e o assumir do imperfeito e da falha mas depois o Infinito, que nos deixa tudo em aberto e nos coloca no lugar certo: um pontinho muito pequenino numa história maior.

Algumas das faixas incluem sons dos arquivos da Biblioteca Internacional de Música Africana. Foi uma escolha difícil?

Nada. Inevitável, desejada, intencional. A maior parte dos instrumentos e sons ainda existem mas não deixa de ser mágico poder utilizar amostras de registos de outros tempos. Certamente conseguidos durante a violência colonial, mas anteriores à Guerra. A escolha dos sons, mais do que pelas melodias, foi feita pelas texturas e pelos assuntos abordados. O arquivo está muito bem organizado e tive acesso a toda a informação que precisei. A escolha foi muito fácil. Tudo muito inspirador.

O disco conta com a participação de nomes relevantes da cena afro-portuguesa (Celeste Mariposa, Octa Push ou Spoek Mathambo). Foi fácil conciliar ideias de mentes diferentes?

O Spoek é sul africano e, tal como o Bodhi Satva, tem relações fortes com Portugal. O Celeste Mariposa e os Octa Push são pessoas por quem tenho uma empatia pessoal e em quem revejo valores que vão para além da estética e, mesmo aí, têm coisas únicas para partilhar. Não são nada ‘chapa 4’ ou alinhados. Aprecio muito o contributo pessoal de cada um.

A ideia era organizar o evento de lançamento do disco no Padrão dos Descobrimentos. Tendo em conta que este mês ainda estaremos em confinamento, podemos esperar este momento memorável num futuro breve?

Gosto de acreditar que sim. Mais até para o visionamento de uma curta que tem o disco como banda sonora. O lugar chama por mim há muito tempo e eu quero muito contribuir para aquele espaço. Há muitas conversas a serem tidas e coisas a serem reparadas. Gostei muito da abertura e da equipa do equipamento. Acho que vai acontecer.

Alguns artistas aproveitaram o confinamento para compor. Que impacto tem tido em ti esta situação?

Tem tido um impacto essencialmente financeiro mas não tenho parado, na realidade.  Não me adaptei aos lives nem aproveitei para melhorar o meu reconhecimento online. Não sei fazer isso. Deu-me para criar e tentar fazer as coisas de uma outra maneira. Saiu o #videodoano (Vaivai de IKOQWE) que acabou por ganhar o prémio no Curtas de Vila do Conde. Fiz outras curtas longas que vão ficar como registo de memória (Rádio Normal para o Parlamento Europeu, Fake Staff para o Village Undergound e RTP2, o Algorithm is not African para os The Roots e para o palco do São Luiz, e The Beginning, the Medium, the End and the Infinite, que há de ser apresentada assim que possível). Fiz parte da peça Hip: A Pussy Point of View, da Piny. Colaborei com o Demarcação Já no Brasil, numa música com o Criolo, a Elza Soares e o meu amigo Dolores, entre outros, participei no projeto Bandé Gamboa, acabei de lançar um single com o lendário João Morgado, e no final do ano passado lancei o disco UM, uma coleção de coisas que tinham de ser colocadas em disco antes de avançar para um próximo. Tenho procurado estar atento, ocupado e a contribuir. Votei e olhei para a abstenção.

Para além do disco de estreia de IKOQWE, estás a trabalhar em mais algum projeto?

Estou a preparar a tradução do disco para palco mal seja possível apresentá-lo presencialmente. Estou também a terminar outro novo disco em nome próprio, dedicado à Coisofonia e que deve ser editado logo no início de 2022. O grande desafio este ano é cuidarmos de nós, dos que nos rodeiam e tentar contribuir com o nosso melhor, sermos assertivos, para que a distância, o vazio, a ignorância e a desonestidade não continuem a desenvolver-se como até aqui. A facilidade com que se falou da comunidade cigana nesta campanha foi abjeta, por exemplo. Terrível. Criminosa. Qual a vacina para isso?