Leonor Antunes

"É importante estarmos na presença do objecto artístico, caso contrario não sabemos o que ele é"

Leonor Antunes

A escultora Leonor Antunes é uma das artistas visuais portuguesas mais internacionais. Em 2019, representou Portugal na Bienal de Veneza. De regresso a Lisboa, após 16 anos a residir em Berlim,  a artista conversou com a Agenda Cultural de Lisboa sobre os seus projetos para 2021 e sobre os constrangimentos da pandemia de COVID 19.

Frequentou o curso de cenografia da Escola Superior de Teatro e Cinema. O que passou desta aprendizagem para o seu trabalho no domínio das artes visuais?

Fiz um ano na Escola Superior de Teatro e Cinema não porque me interessasse trabalhar em teatro. O meu objectivo era mesmo ir para as Belas Artes, para escultura. Aquele foi um ano de aprendizagem de outras coisas que também me interessavam. Queria passar por ali e fazer essa transição.

Podemos dizer que a sua obra procura criar uma narrativa num determinado espaço?

Não estou interessada em construir essa narrativa. Penso que no meu trabalho existem uma série de pesquisas nas quais as pessoas entram ou não. Podem ficar pela forma que os objetos têm, mas se repararem nos títulos eles induzem, algumas vezes, certos personagens. A partir desses personagens percebemos algumas ligações a esculturas que podem ou não estar nesse espaço, relacionadas com um tempo e uma história.

A sua obra é sempre criada como resposta a uma dada situação espacial?

Nem sempre, mas nos últimos anos tenho tido a sorte de encontra pessoas incríveis que conhecem a minha obra e me convidam a fazer exposições em museus e instituições muito interessantes. Conhecendo a natureza do meu trabalho, convidam-me sabendo que gosto de me concentrar no contexto em que esses espaços se inserem.

Usa frequentemente materiais suspensos como a corda, o latão, a madeira, a cortiça. Porquê?

Faço muitas esculturas suspensas no espaço porque me interessa trabalhar sobre o sentido de gravidade e de sentir que o peso daqueles materiais seja o peso que as pessoas veem. Alguns deles vão deformando com o peso, outros não. As cordas são um suporte de resistência e comecei a trabalhar com elas por serem uma espécie de unidade de medida, uma unidade standard de comprimento, porque as questões de aferição e medição me interessam. Uso muito cânhamo que é natural e se vai degradando com o tempo. Uso também metais, nos últimos tempos o latão que está associado a alguns instrumentos musicais e é um ótimo transmissor de som, mas ao mesmo tempo também é utilizado, com um sentido mais decorativo, em edifícios e em mobiliário associado à questão do detalhe que é um elemento importante no meu trabalho. No caso do couro, ele é um material natural. Acho interessante pensar na arte como um ente que temos de tratar. Para ela perdurar temos que tratar dela. Por isso às vezes uso plantas que têm que ser regadas. O couro também tem de ser tratado, senão ao fim de algum tempo começa a secar e a perder a forma. Interessa-me a ação do tempo sobre os objetos e materiais. Serem datados da época em que foram produzidos, mas podermos reconhecer neles a passagem do tempo.

Quer falar da relação da sua obra com a arquitetura modernista?

Acho que a história que nos foi ensinada nem sempre é a mais interessante ao nível da arte, da arquitetura e do design. Houve muitas figuras que foram esquecidas e que acho muito importantes. Estou interessada em revisitar o trabalho dessas pessoas, nomeadamente uma série de mulheres arquitetas e designers. São uma cadeia de mulheres e não casos isolados, embora possa citar nomes como os da  Lina Bo Bardi e da Clara Porset, mas são muitas mais. Há um entendimento de espaço e um conceito de modernidade inerente a todas elas. Tinham em comum o interesse por uma arquitetura vernacular e, em certos casos, pelas comunidades indígenas locais.

Que fatores apontaria na sua obra como determinantes para a sua internacionalização?

Saí de Portugal porque não conseguia arranjar aqui um contexto para o meu trabalho e queria muito viver dele. Sabia mais ou menos com quem queria trabalhar e que interlocutores gostaria de ter e fui mapeando o meu terreno. O contexto das pessoas com quem nos damos e por onde circulamos permite a construção de uma identidade quase comunitária.

Esteve radicada em Berlim durante 16 anos. Porque voltou para Lisboa?

Vim porque tive oportunidade de trabalhar no espaço dos Ateliês dos Olivais e porque me interessa produzir alguns trabalhos aqui. Quis conhecer pessoas em Portugal com quem colaborar, procurando estabelecer uma plataforma de trabalho. Mas não abandonei Berlim, estou entre cá e lá.

Que trabalho desenvolve no ateliê municipal dos Olivais?

Estou a trabalhar nalgumas exposições que vou ter este ano em Bruxelas, no Japão, em Los Angeles e em Paris. Estou a tentar trabalhar no ateliê sem me deslocar o que é um bocado estranho. Eu viajo muito, por causa das minhas pesquisas visito muitos arquivos. Um dos espaços onde vou expor nunca o vi. Nunca trabalhei assim. Vou aos locais, faço pesquisas e começo a desenhar e construir as minhas peças. Aqui comecei a trabalhar com materiais que nunca tinha usado: a cerâmica, o, bambus e as canas. Porém, os materiais surgem sempre associados a pesquisas que estou a fazer.

Que projetos tem para o ano de 2021 e de que forma a pandemia de COVID 19 os condiciona?

Com a pandemia as pessoas já não vem exposições já não viajam. É triste para os artistas. Nós trabalhamos tanto e esforçamo-nos tanto para as coisas acontecerem e de repente elas já não são visitadas. Acho que a arte só pode ser experienciada ao vivo, não através dos livros ou das imagens dos media. É importante estarmos na presença do objeto artístico, caso contrario não sabemos o que ele é. Não poder viajar é o maior entrave ao meu trabalho. Não posso deixar de montar as minhas próprias exposições porque são tudo trabalhos novos e mesmo que as coisas estejam construídas antes tenho que ver como funcionam no espaço. Muitas vezes as decisões são tomadas in loco.