entrevista
Mano a Mano
A dupla desembrulha 'O Disco de Natal'
Se ainda não conhece os manos madeirenses Bruno e André Santos, não sabe o que está a perder. Os dois guitarristas são nomes consolidados do jazz nacional, e presença assídua em vários palcos e festivais do país. Em dezembro, lançam um disco de Natal que inclui versões de clássicos que todos conhecemos, mas também um tema inédito de cada um. O novo trabalho é dado a conhecer a 17 de dezembro, no palco do Teatro Villaret.
Nomeiem algo que a Madeira tenha de muito especial e que gostariam de trazer para Lisboa.
Bruno Santos: A ilha, arrancada pela raiz, e encostada aqui à minha casa, no centro da cidade de Lisboa. Para purificar e banhar a confusão em que se tornou esta cidade.
André Santos: A noção de tempo. Na ilha, o tempo corre mais lento. O Sol põe-se mais tarde. Parece que dá tempo para tudo.
Se só pudessem ser recordados por uma música, qual seria?
BS: A flor do amor (tema dedicado/inspirado pela minha filha Rosa e gravado no volume 3 dos Manos).
AS: Avô João – dedicado ao nosso avô paterno. Foi um dos primeiros temas que compus para o meu primeiro disco, Ponto de Partida.
De todos os duetos ou participações que têm feito, qual foi o mais marcante?
BS: Um com a Rita Redshoes (mãe da minha filha), porque foi na Madeira, foi o primeiro dueto que fizemos, e duas semanas depois soubemos que vinha a Rosa a caminho.
AS: Num dos concertos de MUTRAMA, onde peguei num punhado de recolhas da tradição madeirense e criei arranjos, convidei a senhora Fátima, do grupo folclórico da Camacha, a cantar uma canção em duo com a Maria João. Ensaiei com as duas separadamente e quando, finalmente, se encontraram em palco… foi uma brutalidade. Acho que ninguém conseguiu conter a emoção.
Há algum músico ou cantor português com quem gostassem de trabalhar?
BS: Há uns anos teria, eventualmente, esse sonho ou expectativa. Hoje não penso assim. Gosto de trabalhar com músicos com os quais me identifico. Muitas vezes, a expectativa de colaborar com alguém sai gorada quando finalmente acontece e é muito alimentada. Às vezes, por razões pessoais, outras vezes, por razões profissionais. É deixar acontecer naturalmente e em função do que nos vai apetecendo e acontecendo.
AS: Gostava muito de trabalhar com o Fausto, o Sérgio Godinho ou o Vitorino. Três cantautores que admiro muito e gostava de aprender um pouco mais com eles, além do que já aprendi com os seus discos.
Muitos artistas consideram que o confinamento foi uma altura inspiradora. Que impacto tem tido em vocês toda esta experiência?
BS: Financeiramente e do ponto de vista das atuações ao vivo, foi mau, mas deu para pensar em coisas novas. Algumas aconteceram porque sim e outras aconteceram porque havia tempo para pensar e imaginar o que fazer com este tempo em pausa. No meu caso, descobri um cozinheiro com talento, principalmente no campo da pastelaria.
AS: Inspiradora não sei se terá sido, foi uma paragem abrupta que nos obrigou a pensar. Havia tempo de sobra para aquelas coisas para as quais julgamos nunca ter tempo. Eu compus pouco no confinamento, mas recuperei uma rotina diária da prática da guitarra, que estava há algum tempo perdida ou desorganizada. E que, entretanto, voltou a perder-se…
Como surgiu a ideia de lançar um disco de Natal?
BS: É uma boa história. O Dr. José Carlos Martins, distinto gastroenterologista madeirense e baterista há muitos anos numa banda chamada Sweet Lovers, desafiou-nos para um concerto de homenagem aos Beatles. Disse que imaginava facilmente o nosso som em grande parte dos temas. Fez sentido o convite e aceitámos com muito gosto (mais um concerto adiado pelo vírus). Um dia, ligou-me a pedir para ir ter com ele porque estava em Lisboa. Fomos lanchar e conversar sobre técnicas inovadoras não invasivas (na medicina, claro) e pelo meio falámos sobre o que tocar no tal concerto. Quando nos despedimos, ele perguntou-me: “porque não fazem um disco de Natal? Agarrar em clássicos e adaptar ao vosso som, com os cordofones, guitarras. Não há discos nesse formato, com duas guitarras e com a vossa sonoridade”. Passei a noite a pensar naquilo. No dia seguinte, convenci o André a 75%. Contactei o Teatro Baltazar Dias, no Funchal e acharam a ideia maravilhosa. Liguei ao André e ficou decidido.
O disco inclui versões de clássicos natalícios. Houve algum que tenha sido mais difícil de trabalhar?
BS: Houve dois ou três, mas como o disco vem sem os nomes dos temas, para que as pessoas possam ir descobrindo ou redescobrindo os clássicos e menos clássicos, não posso desvendar quais!
AS: A ideia do disco é esse desembrulhar das prendas, neste caso, de canções, uma a uma, intrigando quem ouve com o que aí vem, por isso decidimos não pôr o nome das faixas em parte nenhuma. Houve uma ou outra em que o parto foi mais difícil, outras em que o parto foi 100% natural.
Há também uma composição original de cada um. O que vos inspirou?
BS: No meu caso, foi o Pai Natal!
AS: E no meu, a vontade de desejar um “Bom Natal” a todos!
Dia 17 de dezembro, apresentam o disco no Teatro Villaret, com lotação mais reduzida que o habitual. Como vai ser este concerto?
BS: Se acontecer, lindo, como todos os concertos dos Manos [risos].
AS: Se estivermos todos reunidos no dia 17 de dezembro, às 20 e 30, será, só por si, um milagre ao nível do nascimento do menino Jesus. A partir daí, será memorável.
Um desejo de Natal?
BS: O que todos desejamos: uma vacina para esta peste que se abateu sobre todos nós.
AS: Que o Pai Natal traga uma imunidade milagrosa. E que o tempo estique e o Sol se ponha mais tarde.