Amália, 100 anos em livros

Centenário do nascimento de Amália Rodrigues

Amália, 100 anos em livros

Celebrando o centenário do nascimento de Amália Rodrigues, publicaram-se quatro livros de grande qualidade: uma coletânea de poemas de Manuel Alegre; uma monumental investigação jornalística de Miguel Carvalho sobre a relação de Amália com o Estado Novo e o pós-25 de Abril; uma longa entrevista de Manuel da Fonseca; e um volume infanto-juvenil com quadras de Carminho e ilustrações de Tiago Albuquerque. A estas obras, juntam-se os "clássicos": de Vítor Pavão dos Santos, a famosa biografia e uma compilação dos poemas em língua portuguesa que cantou ao longo da carreira; a belíssima evocação de Fernando Dacosta; e o livro de Tiago Baptista, dedicado à personalidade cinematográfica da diva do fado.

A personalidade artística de Amália não tem paralelo no panorama cultural português do século XX: a beleza e qualidade da voz, a arte de dizer e a capacidade de relação expressiva com o texto, a ligação com os grandes poetas, a colaboração com Alain Oulman, a importância do traje e das jóias na iconografia pessoal (doravante para sempre associada ao fado), a presença nas artes plásticas como referência identitária nacional.

Em pleno Estado Novo, período que reservava às mulheres o espaço doméstico, Amália pegou no fado com suprema ousadia, despojou-o das normas bairristas de carácter castiço, trouxe-lhe os poetas eruditos e os novos compositores, deu-lhe glória internacional, libertando-o das audiências restritas das casas de fado e promovendo-o nos grandes palcos do mundo. Simultaneamente, fixou para sempre, no imaginário coletivo, a figura icónica da fadista com a sua pose hierática e os seus famosos longos vestidos pretos, levando o crítico do jornal francês Le Fígaro a declarar, em 1960: “a impossível rosa negra só pode ser Amália Rodrigues”. Segundo o musicólogo Rui Vieira Nery, “a sua obra e o seu legado profundamente ousados e desbravadores de caminhos foram a matriz para muito do que de novo ocorreu na musica portuguesa, até praticamente aos nossos dias”.

Novos lançamentos

Manuel Alegre

As Sílabas de Amália

Há mais de meio século, Manuel Alegre, exilado político em Argel, recebeu uma carta enviada de Paris: Alain Oulman musicara Trova do Vento que Passa e pedia-lhe autorização para ser gravada por Amália Rodrigues. O autor de Praça da Canção respondeu dizendo da sua “alegria e honra em ser musicado por ele e cantado por Amália” e admirou a coragem da fadista “em cantar um poeta proibido”. Esta seria primeira colaboração entre o poeta, o músico e a intérprete que se estenderia a outros três belíssimos fados: Meu Amor É Marinheiro, Abril e As Facas. Para o poeta, Amália “dava outra dimensão a cada verso e fazia da língua portuguesa uma música inconfundível”. Neste volume, Manuel Alegre reúne os poemas de sua autoria que a fadista cantou, os que sobre ela escreveu e aqueles que “exprimem uma visão do fado que em grande parte fiquei a dever a Alain Oulman e a Amália Rodrigues”. Um tocante tributo de um grande poeta ao Centenário de Amália porque, como escreve sobre a genial cantora, “tu mais que tu és todos nós.” Dom Quixote

Miguel Carvalho

Amália – Ditadura e Revolução

Extraordinária investigação jornalística de Miguel Carvalho, analisa a forma como a figura de Amália Rodrigues atravessou grande parte do século XX português sobrevivendo à admiração por Salazar, ajudando os presos políticos, cantando poetas proibidos, financiando clandestinamente a oposição e o PCP e como resistiu aos boatos que a pretendiam silenciar após o 25 de Abril. Paralelamente, traça uma biografia da “grande cantora do português fundamental”, nas palavras de Virgílio Ferreira, personalidade contraditória movida pela inquietação que “detestava as lógicas partidárias ou as sebentas do sectarismo, mas apreciava seres humanos apegados às convicções, mesmo que as combatesse”. E revela como lidou com as invejas mesquinhas dos colegas, num meio artístico formado em parte pelos “capachinhos dos oportunistas políticos” e por “figuras charmosas com voz de linho e pés de barro”. Obra monumental dedicada ao futuro e a todos os que habitam o coração indomável de Amália, “mesmo aqueles que ainda não a descobriram por infelicidade, distracção ou preconceito.” Dom Quixote

Amália Nas Suas Palavras

Entrevista inédita a Manuel da Fonseca

“O que eu adivinho em você, e o que você me disse, não têm comparação, porque disse muito pouco. Vai ser difícil fazer o livro. Você quase não deu nada, fugiu sempre…” Assim se queixava o escritor Manuel da Fonseca, nome cimeiro do neorrealismo português, poeta e autor dos romances Seara de Vento e Cerromaior, quando em 1973 gravou quase dez horas de conversa com Amália Rodrigues com o objetivo de escrever a sua biografia. O projecto foi abandonado, mas surge finalmente a transcrição inédita destas gravações. A longa entrevista oscila entra a cumplicidade (quando se aborda a natureza do fado, se evocam as belezas da campina alentejana ou se partilham gostos literários) e a posição defensiva de Amália (sobretudo nas questões de índole politica), levando-a a exclamar: “As coisas que este senhor me pergunta!” A publicação destas conversas constitui, segundo o musicólogo Rui Vieira Nery, uma das contribuições mais inovadoras para a bibliografia amaliana neste ano em que iniciamos as comemorações do centenário do nascimento da artista”. Artista incomparável que traduz desta forma a sua profunda identificação com o povo: “É como quando uma pessoa vai por um caminho e vê uma erva que dá um cheiro que se reconhece. Acho que as pessoas quando me ouvem cantar, vêem realmente que sou um produto de cá, sou uma portuguesa e, portanto, faço parte do que no fundo eles são.” Edições Nelson de Matos/Porto Editora

Carminho & Tiago Albuquerque

Amália, Já Sei Quem És

Amália, Já sei quem, biografia escrita pela fadista Carminho em homenagem a Amália Rodrigues, por ocasião do 100º aniversário de nascimento da grande diva do fado, é um livro destinado aos mais pequenos. A obra escrita em sextilhas -uma das formas poéticas próprias daquele estilo musical tradicional -conta uma história de vida fascinante e está repleto de pequenos tesouros e pormenores pouco conhecidos do grande público. Com esta biografia infantil, publicada em parceria com o Museu do Fado/EGEAC, Carminho espera despertar nas crianças a admiração que ela própria sente por aquela que acabou aclamada como “a voz de Portugal”. As ilustrações de Tiago Albuquerque prometem levar os pequenos leitores aos principais lugares que marcaram a vida de Amália, que começou a cantar quando era pequena e ainda hoje, passados quase 21 anos da sua morte, continua a inspirar muitos cantores pelo mundo fora. Nuvem de Letras

 

Os “Clássicos”

Vítor Pavão dos Santos

Amália – Uma Biografia

“Rainha do fado”, “sumo-sacerdotisa do culto do amor”, “deusa mundial da música”, “impossível rosa negra”, “tragédia clássica esculpida na Terra”, “infanta majestosa e flexível” ou “alma de Portugal” são algumas das referências da crítica internacional a Amália Rodrigues que podem ser lidas nas páginas deste livro. Esta biografia da grande diva do fado – a melhor e mais completa – teve origem nas longas conversas havidas com o seu amigo Vítor Pavão dos Santos, fundador e ex-director do Museu Nacional do Teatro. Um singular registo de 1987, agora actualizado e aumentado, incluindo novas fotografias e um capítulo de discografia. Escrito no discurso directo, capta admiravelmente não só a graça espontânea e a inteligência generosa de Amália, mas também o seu lado mais triste, proporcionando a cada leitor a sensação de que é o destinatário privilegiado deste extraordinário relato. Relato fascinante da vida e da carreira da artista incomparável que, através do canto, “chamou a si o fardo do sofrimento, exprimindo a coragem de o suportar que existe em todos nós.” Presença

Vítor Pavão dos Santos

O Fado da Tua Voz

No ano de 1950, Amália cantou pala primeira vez um poema de Pedro Homem de Melo no admirável fado Fria Claridade. A cantora teve receio da reação do poeta, mas este sentiu uma grande comoção ao ver-se transmitido de forma tão vibrante e agradeceu-lhe por ter “feito subir a sua poesia até ao povo”. A relação de Amália com os grandes poetas estendeu-se a David Mourão-Ferreira, Alexandre O’Neill, José Carlos Ary dos Santos, Manuel Alegre, e muitos outros, mudando definitivamente a história não só do fado, mas da música popular portuguesa. Nos anos 60, Amália decide em conjunto com o compositor Alain Oulman, cantar “contra ventos e marés” o maior de todos os poetas de língua portuguesa, Luís de Camões. Entretanto, a cantora havia já timidamente escrito o poema para um dos temas icónicos do fado, Estranha Forma de Vida, mas foi só na última década da sua carreira que se dedicou a cantar a sua própria poesia, criando verdadeiros momentos de antologia: Lágrima, Grito, Lavava no Rio, Lavava. Vítor Pavão dos Santos reúne uma antologia dos poetas e dos poemas em língua portuguesa que, ao longo da carreira, Amália interpretou. A obra tem uma recolha de mais de 300 poemas e de 100 poetas que são apresentados na sua relação com a fadista e enriquecidos com a contextualização no mundo do seu tempo. Bertrand

Fernando Dacosta

Amália – A Ressureição

Amália foi, para além da intérprete genial que o mundo aclamou, uma figura dotada de uma prodigiosa inteligência instintiva. Foi essa tremenda acuidade que a fez vaticinar: “depois de eu morrer, o Fado vai ressurgir com esplendor, numa espécie de ressurreição”. É inútil esconder que o atual esplendor do fado não existiria sem o legado da cantora (“o futuro que nos deixou sem darmos por ele”), ao qual a nova geração tudo deve. Como declarou o poeta Manuel Alegre, se o fado é Património Imaterial “isso deve -se exclusivamente a Amália”. Este livro, belíssima evocação da vida da artista, narrando encontros, evocando memórias e revelando episódios menos conhecidos, capta com rigor e vibrante espontaneidade uma personalidade profunda e contraditória, movida pela inquietação. É uma obra necessária, porque como escreve Fernando Dacosta: “A morte dos mitos significa a morte da memória, da cultura, do pensamento, daí a necessidade de os ressuscitarmos ciclicamente.” Casa das Letras

Tiago Baptista

Ver Amália

Na evocação de Amália Rodrigues, muito se fala e escreve sobre o fenómeno global da sua personalidade artística, Um pouco esquecida fica a sua passagem pelo cinema. Amália interpretou sete filmes entre 1947 e 1965, quase todos enormes sucessos de bilheteira. Tiago Baptista, conservador do Arquivo Nacional das Imagens em Movimento da Cinemateca Portuguesa, salienta a importância do cinema no processo de construção da figura pública de Amália, reconduzindo a sua persona cinematográfica à combinação dos seguintes atributos: espontaneidade (equilíbrio entre a naturalidade do estilo de interpretação e a codificação das convenções performativas que fariam a originalidade da sua imagem); solenidade (a encarnação de estereótipos culturais como o fatalismo português, funcionando como símbolo não só do Fado mas do próprio país); intemporalidade (relação com as origens míticas do fado, sem renunciar a ser relevante no seu próprio tempo). Escreve o autor: “Os filmes (…) são uma janela aberta para o próprio processo de construção da figura publica de Amália Rodrigues, Por outras palavras,  os filmes deixam-nos ver de que forma Amália Rodrigues, a mulher, a actriz, se transformou em ‘Amália’, a vedeta, a diva, ou, para usar um termo mais cinematográfico, a estrela.” Tinta-da-China