Os livros de setembro

Oito livros para ler

Os livros de setembro

A Agenda Cultural de Lisboa apresenta oito sugestões de leitura para o mês que, habitualmente, marca o fim das férias grandes e o regresso à cidade e ao ritmo do trabalho: da poesia de Manuel Alegre inspirada pela figura intemporal de Amália ao singular livro de viagem do escritor tunisino Ali Duaji, da novela de Joris-Karl Huysmans ao policial de Joël Dicker, do mais recente volume de contos de Mário de Carvalho ao diário de Rosa do Rio, do estudo sobre o Livro do Desassossego à narrativa infanto-juvenil de Ondjaki. Oito títulos disponíveis na Feira do Livro de Lisboa, a par de muitos outros. Não deixe de a visitar e de ler bons livros!

Manuel Alegre

As Sílabas de Amália

Há mais de meio século, Manuel Alegre, exilado político em Argel, recebeu uma carta enviada de paris: Alain Oulman musicara Trova do Vento que Passa e pedia-lhe autorização para ser gravada por Amália Rodrigues. O autor de Praça da Canção respondeu dizendo da sua “alegria e honra em ser musicado por ele e cantado por Amália” e admirou a coragem da fadista “em cantar um poeta proibido”. Esta seria primeira colaboração entre o poeta, o músico e a intérprete que se estenderia a outros três belíssimos fados: Meu Amor É Marinheiro, Abril e As facas. Para o poeta, Amália “dava outra dimensão a cada verso e fazia da língua portuguesa uma música inconfundível”. Neste volume, Manuel Alegre reúne os poemas de sua autoria que a fadista cantou, os que sobre ela escreveu e aqueles que “exprimem uma visão do fado que em grande parte fiquei a dever a Alain Oulman e a Amália Rodrigues”. Um tocante tributo de um grande poeta ao Centenário de Amália porque, como escreve sobre a genial cantora, “tu mais que tu és todos nós.”

Dom Quixote

Ali Duaji

Périplo pelos Bares do Mediterrâneo e Outras Histórias

Apesar de ter escrito menos de uma trintena de contos, o novelista, dramaturgo, ensaísta cronista, critico literário jornalista e caricaturista Ali Duaji é considerado o pai da moderna novela tunisina. Falecido prematuramente em 1949, aos quarenta anos, vítima de tuberculose, Duaji foi um dos membros que integraram e dinamizaram o colectivo vanguardista e multifacetado conhecido como grupo Taht Essour, nome do café que frequentavam em Tunes, que defendia uma modernização, não só das letras e artes tunisinas, mas da própria sociedade. Périplo pelos Bares do Mediterrâneo promete um trajeto que “começa em França, passa por Itália, Grécia, Turquia e Levante, e cujo ponto – pelo menos na minha perspectiva – é a cidade de Alexandria, a última desta nossa viagem e também a mais importante”, porém termina em Esmirna sem qualquer menção posterior à Siria, ao Libano, à Palestina ou ao Egipto. Não se conhece a razão de assim ser, talvez se fique a dever ao temperamento anárquico do autor que começa “a ler qualquer poema pelo fim”. O escritor adverte que neste périplo verdadeiramente atípico “nada vimos a não ser os bares e os cafés” do esplêndido mar Mediterrâneo e que não irá referir “curiosidades dos museus”, “maravilhas da natureza”, nem “descrever as ruas, as praças, os jardins e os edifícios. “Realizei esta viagem para me divertir e, ao relatá-la, não tenho outra ambição que não seja a de divertir também o leitor”.

E-Primatur

Joris-Karl Huysmans

À Deriva

De Huysmans (1848-1907) diz-se ter tido dois períodos enquanto escritor, primeiro o naturalismo, depois o decadentismo e o simbolismo. Tem em À Rebours (1884) o seu livro mais celebrado, que alguns lembraram a propósito do período de confinamento a que fomos sujeitos, e aos seus méritos, pegando na figura de Jean Des Esseintes, um dandy e um esteta que se fecha em casa para desfrutar de prazeres que excluem os seus semelhantes. Este desencanto com a vida quotidiana, com as suas gentes e lugares está já presente na novela À Deriva (1882), que pode ser lida, e o próprio Huysmans reconhecia, como um ensaio para À Rebours. Aqui o protagonista é Jean Folantin e o que pensa da vida é expresso após ter privado com a prostituta que se lhe impôs à mesa de um dos restaurantes decrépitos que frequenta: “abarcou com uma vista de olhos o horizonte desolado da vida; compreendeu a inutilidade das alterações de rota, a esterilidade dos impulsos e dos esforços (…) disse para si, a vida do homem oscila como um pêndulo entre a dor e o tédio”.

VS. Editor

Mário de Carvalho

Epítome de Pecados e Tentações

Mário de Carvalho regressa ao universo do conto com um volume consagrado às relações entre homens e mulheres. O volume dividido em três partes inicia-se com duas narrativas de certo fôlego: a primeira conta uma relação de fascínio obsessivo de um homem por uma mulher (“Eu detestava-a em desespero por amá-la demais”), e a seguinte descreve uma série de encontros fortuitos no Hotel Azul, estância termal de luxo. Na segunda parte, uma sequência de contos breves protagonizados por mulheres e relatados na primeira pessoa narram aventuras de uma noite. Na terceira parte, a única narrativa em que “a felicidade dos amantes perdura” conclui esta belíssima colectânea. Amores juvenis ou tardios, tentações, pecados, fascínios, traições, adquirem um sabor especial através da prosa evocativa de Mário de Carvalho de grande riqueza e variedade lexical. O escritor olha para estes “casos” e seus protagonistas com domínio soberano da ironia, mas excluindo a crueldade e a ferocidade. Pois como refere um dos seus personagens “Em campo de ferocidade, mais feitio tenho para vitima que para verdugo”.

Porto Editora

 

Joël Dicker

O Enigma do Quarto 622

É com um cadáver estendido na alcatifa do quarto 662 de um hotel de prestígio dos Alpes suiços que se inicia o novo mistério de Joël Dicker. O escritor estreou-se com Os últimos dias dos nossos pais. Mas foi a publicação do segundo romance que fez dele um fenómeno literário global: A verdade sobre o caso Harry Quebert foi publicado em trinta e três países, vendeu mais de quatro milhões de exemplares e venceu o prémio de melhor romance da Academia Francesa de Letras, o Prix Goncourt des Lycéens e o prémio da revista Lire para melhor romance em língua francesa. O seu quinto romence, o primeiro ambientado na sua Suíça natal, é dominado por uma questão chave: que crime terrível teve lugar no quarto 622? A morte misteriosa ocorre em plena festa anual de um prestigiado banco suíço, nas vésperas da nomeação do seu presidente. A investigação policial nada conclui e a passagem do tempo leva a que o caso seja praticamente esquecido. Quinze anos mais tarde, o escritor Joël Dicker hospeda-se nesse mesmo hotel, para recuperar de um desgosto amoroso e para fazer o luto do seu estimado editor, sem imaginar que acabará a investigar esse crime do passado. Não o fará sozinho: Scarlett, uma bela mulher hospedada no quarto ao lado do seu, acompanhá-lo-á na resolução do mistério, ao mesmo tempo que vai decifrando a receita para escrever um bom livro.

Alfaguara

Victor Correia

Homossexualidade no Livro do Desassossego de Fernando Pessoa

Na obra Homossexualidade e Homoerotismo em Fernando Pessoa, Victor Correia, doutorado em Filosofia Política e Jurídica na Universidade da Sorbonne, em Paris, e pós-doutorado em Ética e Filosofia Política FCSH da Universidade Nova de Lisboa, reuniu os muitos textos de poesia e de prosa em que o escritor exprime sentimentos homoeróticos, ou em que aborda o tema da homossexualidade, de forma mais ou menos explícita. Neste seu mais recente estudo, estabelece relação entre o Livro do Desassossego e a generalidade da obra literária de Fernando Pessoa mostrando pontos de confluência e complementaridade recíprocos. Segundo o autor: “Entre os vários temas do Livro do Desassossego, encontra-se também o da homossexualidade, que era uma das razões do desassossego de Fernando Pessoa. Alguns dos textos aqui selecionados são uma referência direta à homossexualidade, outros são uma referência indireta, e outros são o resultado de uma interpretação nossa. Junto da seleção e da organização dos textos por subtemas, encontram-se aqui explicações de modo a tornar mais acessível cada um desses textos, que são por vezes de difícil compreensão, devido ao seu carater enigmático, aos seus subentendidos, às suas máscaras”.

Edições Colibri

Rosa do Rio

Diários do 1992

A partir das notas rabiscadas na sua agenda Redstone de 1992, Rosa do Rio, pseudónimo literário de Rosário Soares Carneiro, que divide a sua actividade entre as artes plásticas e a escrita, guia-nos numa viagem pela Europa e pelos altos e baixos de um ano que acabaria por revelar-se marcante. No prefácio à presente publicação, Pedro Elston destaca: (…) esta vontade de mostrar e esconder ao mesmo tempo faz com que estes diários se tenham de ler como um jogo em que o leitor recebe apenas breves alusões que pode transformar em pistas de um caminho a reconstruir: algumas datas, acenos breves a encontros e desencontros com os que estão mais perto ou mais longe, uma geografia particular de idas e vindas pela Europa com a África em pano de fundo. Mas mais importante do que tudo isto, indícios de grandes abalos de alma, de um longo momento de passagem em que se pedem contas ao passado, se medem forças com desejos e desconsolos, se faz frente às temíveis possibilidades do amor e da morte”. Por sua vez, José Sousa Machado salienta na morfologia deste diário: “uma depuração e limpeza de linguagem de tal modo minuciosas que os acontecimentos sobre os quais pressentimos ter sido construído o texto esfumam-se muitas vezes num limbo poético, conformando categorias simbólicas universais, aplicáveis à generalidade da condição humana, tal como sucede com os relatos mitológicos.”

Adelaide Books Portugal

Ondjaki

A Estória do Sol e do Rinoceronte

“É sabido que o rinoceronte é um animal de grande sabedoria. Dizem que isso vem de uma lição que o sol lhe deu…” Estas duas frases dão início à nova história infantil de Ondjaki, Prémio Literário José Saramago 2013. Tal como nos belíssimos Ynari; A Menina das Cinco Tranças e Uma Escuridão Bonita, o local escolhido para a ação é, uma vez mais, a sua África natal. Esta narrativa tem com herói principal um dos mais impressionantes exemplares da sua fauna, o rinoceronte, que o escritor reveste de uma tocante humanidade. Numa floresta antiga, um rinoceronte de grande porte e com um só chifre perguntava-se que tristeza tão grande era aquela que sentia no coração. Não se contentava só com a força que tinha e foi então que pediu ajuda ao sol. Esta é uma fábula de encantar escrita em verso por Ondjaki, uma das vozes mais originais e talentosas da sua geração, e ilustrada por Catalina Vasquez, artista visual sul americana que cunha o seu trabalho com versatilidade e ousadia. Uma história inspiradora, comovente e bela sobre um rinoceronte, o sol e a importância da empatia, da gentileza, da ternura e da sensibilidade.

Alfaguara