Mano a Mano

Os irmãos Bruno e André Santos apresentam novo disco

Mano a Mano

Os Mano a Mano são um duo composto pelos irmãos madeirenses Bruno e André Santos. No dia 25 de janeiro, os dois guitarristas de jazz levam um concerto único ao palco do Pequeno Auditório do CCB. Num cenário acolhedor, que pretende recriar o ambiente íntimo de uma sala de estar, vão receber convidados muito especiais - a cantora Rita Redshoes e o Ensemble de Cordofones - e apresentar o mais recente disco, Vol. 3.

São madeirenses. Que influência é que as origens têm na vossa música?

Bruno Santos: Foi na Madeira que comecei a tocar, durante a adolescência. Tinha muitos vizinhos que tocavam e houve uma altura em que tive aulas com o professor (e músico ligado ao jazz) Humberto Fournier. Esses contactos foram decisivos. Entretanto vim para Lisboa estudar para o Hot Clube, enfim, fiz um percurso mais ou menos natural, parecido com o do André. No meu caso, só alguns anos mais tarde é que a música tradicional madeirense, através dos instrumentos tradicionais, começou a ter uma preponderância naquilo que toco e na música que fazemos. Acho que isso tem a ver com o facto de estarmos longe… Parece que nos aproxima mais das nossas raízes.

O facto de serem irmãos traz mais vantagens ou desvantagens ao vosso projeto?

André Santos: Penso que traz sobretudo vantagens, porque damos-nos bem quer musical, quer pessoalmente. Não há guerras [risos]. Podemos não concordar a 100% com alguma coisa mas facilmente damos o braço a torcer e ouvimos a opinião do outro. Nunca há grandes discórdias.

Muitos miúdos criam bandas com irmãos e primos. Isso aconteceu-vos ou os Mano a Mano surgiram mais tarde?

AS: Temos uma diferença de idades grande, praticamente 11 anos. Na nossa família há um tio que tem uma coleção de discos gigante. Ele foi uma influência grande para nós. Os nossos pais também sempre ouviram música variada, mas este nosso tio era mesmo viciado em colecionar música e oferecia-nos discos com frequência. Em miúdo, via o meu irmão mais velho a tocar guitarra e também queria tocar. Comecei por brincadeira, e quando comecei a tocar melhor comecei a acompanhá-lo. Ele seguiu música e eu quis seguir as pegadas dele. Aos poucos e poucos, quando comecei a levar a música mais a sério, pensámos fazer um duo. Somos irmãos, tocamos os dois guitarra, eu sou esquerdino, ele é destro, e de repente, quando começámos a fazer os primeiros concertos, em clubes e sítios pequenos, as pessoas começaram a dizer que tínhamos uma grande empatia, que devíamos pensar em fazer algo mais sério. O nosso primeiro disco era de versões, mas depois começámos a querer crescer.

BS: A partir daí é que começámos a pensar nisto como algo a longo prazo: preparar repertório, pensar onde é que poderíamos tocar, pensar num cenário de palco, etc. O primeiro disco foi super descomprometido, gravámos aquilo que costumávamos tocar em casa.

E porquê o jazz?

BS: O jazz apareceu na minha vida porque tive uma banda de rock na adolescência da qual fazia parte um amigo que ouvia muita música brasileira. Foi ele que me convenceu a ter aulas de guitarra com o professor Humberto Fournier, do Conservatório. Ele deu-me a conhecer Tom Jobim, João Gilberto… Isso foi um momento de viragem para mim. Os sons, os acordes… Fiquei fascinado com aquele universo.

AS: Eu, mais uma vez, fui atrás [risos]. Lembro-me de ter vindo a Lisboa com os meus pais assistir ao primeiro concerto do meu irmão [no Hot Clube]. Depois fomos à FNAC comprar uma série de discos de jazz, e o bichinho foi entrando.

Por norma, compõem música instrumental. É um desafio escrever música para acompanhar voz?

AS: Não é necessariamente um desafio difícil, temos é que pensar como é que a coisa poderá funcionar, mas acho que a nossa música é cantável por natureza, por isso não é um universo assim tão distante. Inicialmente, o nosso projeto era um quarteto: duas guitarras, um contrabaixo e uma bateria. A certa altura achámos que esses dois instrumentos estavam a interferir na nossa empatia, por isso decidimos seguir o caminho a dois, mas sempre deixando em aberto eventuais convites a instrumentistas ou vocalistas que acrescentem qualquer coisa ao nosso duo.

BS: O facto de sermos dois guitarristas, um canhoto, outro destro, dois irmãos em despique saudável… Acho que essa é a nossa força e a nossa base. Tudo o resto vem diversificar aquilo que fazemos. A nossa música faz sentido assim porque somos, de facto, instrumentistas.

AS: Tanto eu como o meu irmão costumamos trabalhar com cantores, e gostamos disso. Tanto de tocar, como de ouvir. Volta e meia surge alguma parceria com cantores que gostamos…

Tocam, sobretudo, temas originais, mas também algumas versões. Como fazem essa escolha?

AS: Nos primeiros discos começámos com as versões, músicas que sabíamos os dois e que gostávamos de tocar. Este último disco tem muito mais originais do que versões.

BS: Sentimos essa necessidade. Sentimos que tínhamos espaço para criar música original.

AS: E porque tínhamos sempre boas reações das pessoas quando tocávamos os originais. Para compor é preciso ter essa meta, é preciso obrigarmos-nos a isso, se não a preguiça pode levar a sua avante.

BS: Neste disco, as músicas que não são originais estão relacionadas com a Madeira. Temos o Noites da Madeira e a versão de um standard, um tema do repertório jazzístico, mas que é tocado com instrumentos tradicionais da Madeira.

“O facto de estarmos longe aproxima-nos mais das nossas raízes”

 

Para além dos Mano a Mano, cada um tem outros projetos com outros músicos e dão aulas. Como conseguem conciliar tudo?

BS: Dei aulas durante muitos anos, mas neste momento dirijo a escola do Hot Clube, sou diretor pedagógico. Fui lá aluno e dei lá aulas, mas optei por fazer uma pausa nas aulas porque a minha prioridade é tocar. A certa alturei parei e pensei que precisava de mais tempo para tocar, para compor, para estudar, para praticar. Foi uma opção fazer essa redução. O André também tomou essa opção recentemente, está a dar menos aulas…

AS: O percurso normal é darmos aulas, termos vários projetos em que tocamos pontualmente… Às vezes recebemos um convite para tocar pontualmente com alguém, mas nunca é só aquele dia. Tens que ter tempo para aprender o repertório, para ensaiar… Essa é uma gestão difícil de fazer.

BS: Enquanto freelancers nunca sabemos que trabalho vamos ter, por isso vamos aceitando os convites… No nosso caso, de agosto até ao final de outubro de 2019, tocámos todos os fins-de-semana. Neste momento, por ter tomado a decisão de ter mais tempo para mim, estou a correr mais riscos, mas isso também implica um investimento maior em procurar mais. Às vezes, o facto de aceitarmos tudo deixa-nos mais relaxados, estamos sempre ocupados, não temos que procurar nada. É uma decisão de algum risco mas que nos obriga a ir atrás.

AS: O ano passado tive uma semana alucinante: fui tocar à Madeira com um projeto de música tradicional madeirense. Fui no próprio dia, toquei, acordei às quatro da manhã para apanhar um voo para Lisboa, depois apanhei outro para Washington, onde estive dois ou três dias. Voltei, não saí do aeroporto e fui para Madrid tocar com o Salvador Sobral… Quando temos estas alturas assim e chegamos a casa, só queremos descansar. Mas depois até temos dois ou três dias livres que devíamos aproveitar para trabalhar, mas o corpo já não consegue. Como somos os patrões de nós próprios e temos de saber gerir o nosso tempo, sabemos que devíamos aproveitar esses dias para trabalhar, mas só queremos descansar… Torna-se difícil fazer essa gestão.

No dia 25 de janeiro, atuam no CCB com outros músicos em palco, como a Rita Redshoes. Em que consiste este concerto?

AS: Há cerca de três meses fizemos um concerto no Funchal, no Teatro Municipal Baltazar Dias, onde quisemos fazer uma coisa diferente. Convidámos a Rita para cantar três temas e também já tínhamos esta ideia – como gostamos dos cordofones madeirenses, que foi um tema que estudei há uns anos – de um dia fazer uma espécie de orquestra de cordofones. Convidámos três amigos nossos que tocam cordofones para fazer um mini-ensemble de cordofones. Fizemos o nosso espetáculo habitual e a meio tivémos estes convidados.

BS: Um dos temas que a Rita canta é Mulher, que faz parte do último disco dela. Fiz um arranjo para incluir quatro cordofones nesse tema. Depois temos uma versão de um tema do Roberto Carlos que se chama Rosinha, cantado pela Rita.

AS: E há ainda um tema tradicional madeirense (e praticamente desconhecido do repertório jazzístico madeirense) que se chama Mil Estrelas. Ainda há muitos músicos de jazz na Madeira, mas houve uma geração de onde surgiu o Max, que, embora seja conhecido por cantar o Bailinho da Madeira, a Mula da Cooperativa ou Casei com uma Velha, também andava pelos meandros do jazz, ia às jam sessions do Hot Clube. Há uma geração de músicos madeirenses de jazz que foi muito forte. Este tema, que é lindíssimo, é do pianista madeirense Hélder Martins. Descobri-o há uns anos, mostrei ao meu irmão e desafiámos a Rita a cantá-lo, que inclui duas guitarras e três cordofones. Vamos também tocar Noites da Madeira, que gravámos no disco, uma versão de uma música do repertório jazzístico madeirense e que foi composto por outro pianista, Tony Amaral, e celebrizada pelo Max. Tocamos também um tema meu, chamado Canção em Lá, que inclui duas guitarras, mas que neste concerto tocamos só com cordofones.

Para este concerto mandaram fazer um cenário especial, assinado pelo ateliê de arquitetura Ponto Atelier. Valorizam muito o lado visual?

AS: Sempre tivémos essa ideia de criar um cenário que remetesse para uma sala de estar, para criar um clima de maior proximidade com o público. Durante o concerto também vamos contando histórias e a questão do cenário era importante. Desta vez quisémos fazer uma coisa mais sofisticada e desafiei os meus amigos do Ponto Atelier, que são excelentes arquitetos e que já tinham feito cenografias para outros espetáculos. Eles fizeram-no para o concerto do Funchal, e agora vêm de propósito a Lisboa replicar o cenário.

O que se segue individualmente e para os Mano a Mano?

BS: Para o duo, é continuar. Temos mil coisas que podemos fazer com o universo dos cordofones. A tendência será fazer mais música original e continuar a tocar. Já temos alguns concertos marcados para este ano e estamos em vias de confirmar outros. Talvez gravar um novo disco daqui a um ano… A nível individual, estou numa fase de ter tempo para praticar e para estudar, como não tinha há algum tempo. Está a saber-me muito bem, estou a explorar outras coisas e vou continuando a tocar e a fazer uns fins-de-semana no Hot Clube. Tenho umas quartas-feiras a tocar jazz puro e duro. Neste momento, mais a sério, estou focado em Mano a Mano e em ter tempo e espaço mental para mim, para estudar e praticar, e vou continuar como diretor pedagógico da escola do Hot Clube.

AS: Mano a Mano é o projeto principal, onde depositamos mais energia e foco, e depois há outros projetos, que surgiram há uns anos e que este ano vão continuar. Tenho uma parceria com o contrabaixista Carlos Bica, do qual surgiram dois projetos: um trio com ele e com o João Mortágua, e outro, que é um quarteto com ele, a Maria João e o João Farinha. Esses são dois projetos que me parecem que têm uma vida longa pela frente. Depois tenho coisas pontuais, como umas parcerias com o Salvador Sobral. Fizémos um projeto, uma brincadeira para a internet, que se chamava Quinta das Canções, em que todas as quintas lançávamos uma música, durante 22 semanas. Daí surgiram alguns convites para concertos. A nível individual, estou com vontade de gravar um novo disco em nome próprio, coisa que não faço desde 2016. Há essa vontade, vamos ver se tenho tempo, energia e cabeça para isso.