Os livros de novembro

Sete sugestões de leitura

Os livros de novembro

Do romance de Mário Lúcio Sousa à cronica jornalística de Maria Teresa Horta, da historiografia de António Borges Coelho ao manifesto de Mário-Henrique Leiria, do folhetim de Reinaldo Ferreira ao livro de arte sobre Sarah Affonso, sugerimos sete razões de sobra para transformar novembro num mês de leituras inesquecíveis. Sem esquecer os mais novos, com uma obra premiada internacionalmente à qual a tradução de Herberto Helder empresta o perfume da sua prosa.

Mário Lúcio Sousa

O Diabo foi o meu Padeiro

“Morriam-nos, para não nos matarem, este era o segredo (…) Se nos matassem, a culpa seria deles; se nos deixassem morrer, o ónus seria levianamente nosso”. Esta afirmação de uma das personagens deste romance refere-se à sua devastadora experiência na Colónia Penal do Tarrafal. Nos 45 anos do encerramento do campo de concentração, Mário Lúcio Sousa, escritor e músico cabo-verdiano, dá voz aos que sofreram na pele as terríveis condições de encarceramento: vários prisioneiros chamados Pedro, chegados em diferentes vagas de Portugal, da Guiné, de Angola e de Cabo Verde, relatam a história desta sinistra prisão e dos que a governaram ao longo dos anos. Prisioneiros que tinham em comum, além do nome, a luta pela liberdade e a mesma língua. O Diabo foi o meu Padeiro homenageia os que aí perderam a vida e os que sobreviveram, respeitando os diversos modos de falar da língua que os unia. No Tarrafal “viver era morrer”. Esta descida aos infernos tem o efeito de uma verdadeira catarse colectiva porque, afinal, “a compreensão da morte liberta-nos de todo o medo”

Dom Quixote

 

António Borges Coelho

Comunas ou Concelhos

Por ocasião dos 90 anos de António Borges Coelho, a Biblioteca Nacional de Portugal organizou uma mostra de homenagem intitulada Dar voz aos que em baixo fazem andar a História. Efectivamente, um traço unificador do conjunto da obra do ilustre historiador é o de transformar os estratos médios, os trabalhadores rurais ou os escravos, em atores sociais e colectivos. Seria, portanto, inevitável que Borges Coelho se viesse a interessar pela génese do poder local em Portugal. A presente obra questiona a existência “de um movimento concelhio peninsular, não no sentido de política administrativa ou de organização do território impulsionada de cima por monarcas e senhores mas no de forças sociais e políticas organizadas de baixo e por fim vitoriosas”. O autor lembra que “o concelho nasce da luta dos servos pela sua libertação e é ele próprio um instrumento decisivo de liberdade”. Obra fundamental que explora a génese histórica dos concelhos, contextualizando-a nos processos de Reconquista e choque cultural entre cristãos e muçulmanos.

Caminho

 

Reinaldo Ferreira

As Sensacionais Aventuras de Jim Joyce

A adolescência de Reinaldo Ferreira foi marcada pela leitura compulsiva dos fascículos norte-americanos com capa ilustrada a cores, editados em Portugal a partir de 1909, que relatavam episódios completos das aventuras de heróis como Nick Carter, o Capitão Morgan, Buffalo Bill, ou Texas Jack. Em 1924, o Repórter X acabaria cumprir o sonho de conceber um herói de folhetim que rivalizasse com os seus ídolos de juventude. Publicadas no Brasil as dez narrativas que formam a série As Sensacionais Aventuras de Jim Joyce, o Ás dos Detectives Americanos ambientam-se na América dos loucos anos 20, unindo mistérios aparentemente insolúveis a sensacionais proezas detectivescas e revelando um mestre da arte narrativa do imprevisto, do suspense e do desfecho inesperado. Inéditas em livro, estas histórias são agora objecto de uma cuidada edição com uma introdução de Joel Lima e capa de Nuno Saraiva. São ainda recuperadas as capas e ilustrações de Stuart Carvalhais e Alfredo Morais para os fascículos da publicação original.

PIM! Edições

 

Sarah Affonso – Os Dias das Pequenas Coisas

Apesar de uma obra multifacetada que percorre o desenho, a pintura, a ilustração, a cerâmica, os bordados e a decoração de móveis e interiores, Sarah Affonso permanece, 120 anos após o seu nascimento, relativamente desconhecida do grande público. O seu casamento com a figura prometeica de Almada Negreiros, e o facto de ter nascido num pais que impunha fortes barreiras sociais à afirmação artística feminina, muito terão contribuído para este facto. Este livro, bem como a exposição do Museu Nacional de Arte Contemporânea que lhe dá origem, pretende colmatar essa falha e divulgar o trabalho de uma das mais notáveis modernistas portuguesas. Álbum ilustrado dos seus trabalhos, fotobiografia e colectânea de ensaios desenvolvidos por especialistas de diversas áreas, esta belíssima publicação é uma digna homenagem a uma artista que, apesar de todos os condicionalismos, criou uma obra com uma linguagem e temática próprias sabendo ser, simultaneamente, nas palavras de Emília Ferreira, directora do MNAC, uma “hábil tecedeira” do seu tempo.

Tinta-da-china/MNAC

 

Mário-Henrique Leiria

Manifestos, Textos Críticos e Afins

Mário-Henrique Leiria (1923-1980), escritor experimentalista, distinguiu-se nos géneros de vanguarda da sua época como a ficção cientifica ou o policial psicológico que incorporou no surrealismo, movimento ao qual sempre se manteve próximo. Espírito inconformista de ironia contundente, escolheu como alvos principais da sua obra o capitalismo, a guerra, o estilo de vida da burguesia e todas as formas de violência e autoridade. Inédito em formato livro, este terceiro volume das obras de Mário-Henrique Leira reúne os mais dispersos materiais saídos da pena desta figura incontornável do surrealismo português: manifestos, textos críticos, cartas, e um sem número de textos que não se enquadram em categoria nenhuma. O autor escreve e opina sobre tudo e todos neste retrato de Portugal e do mundo visto por um autor diferente de uma forma diferente. A perspectiva da análise política, social e artística é sempre corrosiva e incómoda (e muito divertida) e permite pela primeira vez ao leitor português uma leitura mais abrangente sobre o homem e a sua obra.

E-Primatur

 

Maria Teresa Horta

Quotidiano Instável

Maria Teresa Horta foi uma das primeiras mulheres a dirigir um suplemento literário num jornal, a par do trabalho pioneiro de Natércia Freire responsável pelo suplemento artes e Letras no Diário de Notícias , entre 1959 e 1974. Em 1968, Maria Teresa Horta é convidada para dirigir o suplemento «Literatura & Arte» do jornal diário A Capital, exercendo um jornalismo literário de notável qualidade. Quotidiano Instável é o título da coluna publicada pela escritora nesse suplemento, entre 1968 e 1972. Inicialmente concebida como um espaço de crónica, a coluna assumiu progressivamente um carácter ficcional, especialmente notório quando lemos as crónicas reunidas num livro como agora acontece. A belíssima prosa poética de Maria Teresa Horta acaba assim por ser lida como uma unidade ficcional, a prenunciar o primeiro romance da escritora, Ambas as Mãos sobre o Corpo, que Eduardo Prado Coelho considerou uma obra-prima.

Dom Quixote

 

Gine Victor

Veloz como o Vento

A história verídica contada neste livro aconteceu há cerca de trinta anos no planalto de Oum-Tchim-Sin, na Mongólia Interior. Kumbo, um destemido jovem mongol, captura um pónei negro selvagem e tenta adestrá-lo através do amor. Apesar de, nos dias que correm, a Mongólia se estar a modernizar, na época em que Kumbo, filho adotivo de um chefe mongol, treinava o seu Veloz como o vento, os nómadas dessas vastas planícies viviam ainda como tinham vivido os pais e os pais dos seus pais. Nesse mundo selvagem e estruturado, onde as fábulas não tinham lugar, Kumbo vai mostrar que o amor pode tudo. O romance de aventuras Veloz como o Vento valeu à escritora Gine Victor o Prix Jeunesse, em 1960, um prémio francês para o melhor livro juvenil. O livro conta com as ilustrações de Rachel Caiano e a tradução portuguesa original esteve a cargo do poeta Herberto Helder, reconhecendo-se na prosa o seu estilo inconfundível.

Ponto de Fuga