Há cinema no bairro

‘CinePop’ apresenta filmes icónicos no Fórum Lisboa

Há cinema no bairro

Desde 2016, com a persistência e tenacidade do realizador Tiago P. de Carvalho e o apoio de um público cada vez mais fiel, o antigo Cinema Roma, hoje Fórum Lisboa – Casa da Cidadania, voltou a exibir filmes. Aos domingos à tarde, durante algumas semanas do ano, o cinema regressa à freguesia do Areeiro, mais precisamente à Avenida de Roma, com filmes icónicos prestes a serem (re)descobertos no esplendor do grande ecrã.

Queremos começar este artigo com uma viagem no tempo. Como nas histórias (e nos filmes), com “Era uma vez…”, ou com “há muitos, muitos anos”. Num perímetro de cerca de um quilómetro, entre a Alameda D. Afonso Henriques e o primeiro terço da Avenida de Roma, passando pelo Areeiro, a oferta cinematográfica e de espaços de exibição era pujante. Na Alameda, o Império; na Avenida Guerra Junqueiro, o Star; junto ao Areeiro, o complexo multiplex Alfas; na Frei Miguel Contreiras, o Vox, mais tarde King; e na Avenida de Roma, duas salas tão icónicas como os filmes que exibiam: o Londres e o Roma.

Por estas bandas de Lisboa foram nascendo gerações de cinéfilos e amantes dos filmes que ora não perdiam um filme da moda – como os Rambos que estreavam no Roma -, ora não resistiam às obras-primas de Bergman ou de Woddy Allen que se exibiam no Londres. E ainda havia os Alfas onde, por exemplo, se estreou, no início dos anos 80 do século passado, a primeira aventura de Indiana Jones; e o Star, que fazia gala em passar os grandes sucessos do cinema comercial francês; e o King que, nos princípios dos noventas deu a ver as primeiras obras de um dinamarquês que fazia furor nos festivais de cinema europeus chamado Lars Von Trier, ou o jovem e ainda desconhecido Quentin Tarantino com a sua muito promissora primeira obra, Cães Danados.

O tempo e a cidade mudaram e, ano após ano, os cinemas foram fechando, sendo tomados por usos que varreram da memória material aquilo que outrora foram.

Até que, há quase quatro anos, um jovem realizador de cinema teve vontade de partilhar com o público os filmes que viu na infância e devolvê-los ao ecrã de cinema. Assim nasceu, no antigo Cinema Roma, hoje Fórum Lisboa (a sede da Assembleia Municipal), um “quase cineclube” a que, pelas características da programação, chamou CinePop. À persistência de Tiago P. de Carvalho o devemos.

Cães Danados” de Quentin Tarantino abre mais uma temporada de CinePop

 

A mira de Clint Eastwood sobre as asas do Batman

Tiago conta que a ideia de programar filmes em sala foi inspirada por “aquela imagem tão recorrente no cinema, sobretudo americano, de encontrar personagens a ver filmes icónicos”, classificação que atribui aos filmes “que qualquer um de nós pode não ter visto mas já ouviu falar”. Por isso, a programação do CinePop é tão heterogénea e não segue, temporada a temporada, nenhuma temática específica, “embora esteja atenta ao que se vai passando no panorama do mercado de exibição ou às efemérides – uma das “lutas” do programador é exibir os Batman dirigidos por Tim Burton no ano em que passam 30 anos sobre a estreia do primeiro filme.

Como Tarantino estreou este ano Era uma vez… em Hollywood, “fazia todo o sentido abrir a temporada com Cães Danados. E, sem ter tido consciência imediata disso, programei a trilogia dos dólares [também conhecida como a trilogia do Homem Sem Nome] de Sérgio Leone”, protagonizada por Clint Eastwood, ator americano que, tal como o personagem de Leonardo Di Caprio no último Tarantino, acabou por ir relançar a carreira a Itália com westerns spaghetti que são, hoje, filmes de culto embora muito pouco vistos em sala.

Outros destaques da temporada são o incontornável filme de terror O Exorcista, de William Friedkin, e a versão de 1992 de A Família Addams, protagonizada por Raul Julia, Anjelica Huston e uma muito jovem Christina Ricci.

“Muitas vezes tenho prejuízo com o CinePop e, ano após ano, penso que deveria acabar com o projeto. Só que gosto mesmo muito disto”, confessa o programador. ©José Vicente/CML-ACL

 

Com a cumplicidade do público… e de Nuno Markl

Um dos grandes trunfos do CinePop é a interação que Tiago mantém com o público, seja nos dias das sessões, seja através das redes sociais. “Concluo que sou muito menos cinéfilo do que a maioria dos espectadores habituais. Por isso eles têm sido também uma grande ajuda na programação de cada temporada”. Porém, “às vezes é-me complicado gerir a indignação de alguns que querem este ou aquele filme, e isso nem sempre é possível, seja pela dificuldade na negociação dos direitos, seja pelos valores que os mesmos podem envolver.”

Nem mesmo os fãs de cosplay vão passando incólumes aos domingos no antigo Cinema Roma. “Quando passámos aqui os primeiros Star Wars produzidos, filmes que estiveram em stand by por três anos devido a negociações difíceis com o gestor dos direitos, apareceu um grupo de cosplayers; e o mesmo aconteceu quando exibimos o Ghostbusters”. As sessões de cinema podem tornar-se assim um acontecimento: “no The Big Lebowski [filme de culto dos Irmãos Cohen, com Jeff Bridges] decidi surpreender o público durante o intervalo, tendo-me posto a servir white russians em robe, aqui no foyer.”

Inestimável, e essencial ao longo destes anos, é a colaboração do radialista e humorista Nuno Markl, “também ele um cinéfilo e um cúmplice que, sempre que pode, vem às sessões fazer uma breve apresentação sobre o filme. E quando não lhe é possível, gravamos a apresentação e exibimo-la”. Tiago assume que, parte do sucesso do projeto, se deve “à sua notoriedade e à maneira incansável como divulga o CinePop.”

O privilégio de realizar um sonho neste Cinema

Voltar a ter cinema no “velho” Roma é uma conquista, e Tiago reconhece o privilégio de concretizar “este sonho numa sala de 600 lugares, com excelentes condições de projeção e de som, ao nível dos melhores cinemas da cidade”. Até porque seria impossível haver CinePop sem o apoio do Fórum Lisboa e da sua equipa, uma vez que o projeto subsidia-se a si mesmo com a bilheteira. “E, por vezes, com o meu próprio dinheiro quando as sessões não cobrem os custos com os direitos de exibição do filme.”

Apesar da persistência, Tiago P. Carvalho lembra, que ano após ano, equaciona acabar com o projeto. “Exige muito tempo, muita disponibilidade e criatividade”. Porém, sente-se que há um público que cresce e que se envolve, um público de diferentes gerações que compreende os que ainda lembram o bairro quando por ali existiam cinemas e aqueles que procuram descobrir os filmes de que apenas ouviram falar. O CinePop até pode “estar na corda bamba”, mas promete resistir.

Apaguem-se as luzes. A temporada vai começar!

 

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