O grande teatro da memória

"Ocupação" é a mais recente criação de Joana Craveiro

O grande teatro da memória

Durante sete noites, de 24 a 30 de abril, Joana Craveiro e o Teatro do Vestido promovem a Ocupação do Teatro São Luiz. Mais do que um espetáculo sobre a memória de um Teatro que completa 125 anos, Ocupação é uma viagem ao “fazer teatral”, construída através de cinco percursos que tornam cada espaço do São Luiz, e até mesmo as ruas adjacentes, numa sala principal daquela que é uma das mais importantes casas de espetáculos de Lisboa.

Por ocasião do 125.º aniversário do Teatro Municipal São Luiz, a diretora artística Aida Tavares desafiou um conjunto de artistas e criadores a percorrer as memórias daquele que é um dos mais importantes teatros da cidade. De entre esses criadores estão Joana Craveiro e o Teatro do Vestido, que decidiram levar o desafio mais além ao propor uma ocupação integral de todos os espaços do edifício da Rua António Maria Cardoso.

“Sabendo de antemão que os artistas convidados se iriam dedicar mais à história deste Teatro, decidimos debruçar-nos mais especificamente sobre as memórias do fazer teatral”, explica Joana Craveiro. Portanto, “mais do que contar a história do Teatro São Luiz, a nossa proposta passa por criar paisagens poéticas relacionadas não apenas com o espaço, mas com histórias que ouvimos, com memórias pessoais e artísticas dos atores que formam o elenco, com a cidade e o modo como as pessoas comuns a recordam.”

A autora e encenadora encara Ocupação como “um espetáculo em montagem”, talvez mesmo “um pouco anárquico”, feito quase como se fosse “um ensaio”. São cinco percursos, para um total de 65 espectadores, que percorrem cada espaço do Teatro e ao longo dos quais se encontram, por exemplo, fragmentos de peças que nunca se chegaram a fazer, ora por motivos políticos (como A Mãe de Mitkiewicz, por Artur Ramos, em 1972) ora por infortúnios (como As Três Irmãs que ficaram suspensas após o trágico incêndio no Chiado, em 1988). Bem viva, e com particular destaque no espetáculo, está a memória da encenação por Fernando Gusmão de A Voz Humana, de Cocteau, que Maria Barroso interpretou numa única noite, em 1966, antes da polícia política ter irrompido violentamente pela sala e proibido as restantes récitas. “Foi muito importante termos tido o testemunho de um espectador que estava no São Luiz naquela noite”, sublinha Joana Craveiro.

Como é habitual nas criações do Teatro do Vestido, Ocupação dedica um especial enfoque à história do Portugal contemporâneo, visando aqui recuperar também pequenas memórias da cidade e todo um conjunto de histórias que a relacionam com a ditadura e o 25 de Abril. Como sublinha a encenadora, é quase impossível referir o São Luiz e não recordar toda a carga contida na morada do teatro: “esta era a rua da PIDE, e ainda hoje, quando peço a um taxista com mais idade que me leve à Rua António Maria Cardoso se percebe o impacto que um nome de rua pode causar.”

São, assim, todo um conjunto de fragmentos de vidas comuns, de “peças aprisionadas” na memória de um teatro ou os acontecimentos históricos que ainda ecoam entre as paredes de dentro e de fora do São Luiz que este espetáculo-percurso pretende evocar. Uma Ocupação necessária para que, no futuro, a memória não se abandone ao esquecimento.