Os livros de fevereiro

Sugestões para o mês mais curto do ano

Os livros de fevereiro

No mês de fevereiro, o mais curto do ano, tem menos dias para ler. Apresse-se, por isso, a escolher o livro indicado. Elencamos seis sugestões que o podem ajudar: um ensaio de Kundera sobre a arte do romance; um livro que refete a “Lisboa pessoal” de José Cardoso Pires; um romance de Carlos Morais José inspirado no roubo de um manuscrito do poeta Luís de Camões; um conjunto de documentos, na sua maioria inéditos, de Natália Correia dedicados ao cooperativista António Sérgio; e um estudo de Gonçalo Couceiro Feio sobre a arte militar no Renascimento. Por fim, para os mais novos, um delicioso livro da premiada dupla de autores ucranianos de literatura infanto-juvenil: Romana Romanyshyn e Andriy Lesiv. Boas leituras!

 

Gonçalo Couceiro Feio

A Guerra no Renascimento

Durante o Renascimento, a arte militar ocidental sofreu profundas alterações: os exércitos tornaram-se maiores e mais centralizados, assistiu-se a uma generalização das armas de fogo, a logística tornou-se mais sofisticada e a instrução mais cuidadosa e regulamentada. De que forma Portugal se adaptou a estas alterações de modo a criar forças militares que correspondessem à nova realidade? Gonçalo Couceiro Feio, investigador no Centro de História da Universidade de Lisboa, explica como Portugal se adaptou a estes novos requisitos, como funcionava a máquina militar – o recrutamento, a instrução, a disciplina a remuneração do serviço militar, a logística, o armamento –, qual era o perfil dos soldados e comandantes portugueses e de que forma foi feita a transferência de saberes e permuta cultural entre as forças militares portuguesas e outras de várias nacionalidades. Uma obra fundamental para conhecer a História Militar portuguesa na época de D. Manuel I a Felipe II.

A Esfera dos Livros

 

Milan Kundera

Os Testamentos Tráidos

O presente ensaio tem como tema principal a arte do romance. Kundera, defensor apaixonado dos direitos morais do artista e do respeito devido às obras de arte e aos desejos dos seus criadores, produz uma fascinante meditação sobre a necessidade de preservar o trabalho dos artistas das avaliações destrutivas. Assim, Stravinsky e Kafka surgem-nos “avaliados” pelos seus curiosos amigos Ansermet e Max Brod,  e Hemingway pelo seu biógrafo Jeffrey Meyers. Kundera examina os grandes processos morais erguidos contra arte do século de Céline a Maiakosvski. Desenvolve os temas do humor como “grande invenção do espírito moderno” ligada ao nascimento do romance, a misteriosa ligação entre romance e música ou a defesa do romance como “território em que se suspende a moral”. Aborda ainda outras questões relevantes da nossa época. Refletindo sobre “o uivo extático” do rock que se apoderou do mundo, interroga-se: “Quererá o século esquecer as suas utopias soçobradas no horror? Esquecer a sua arte? Uma arte que pela sua subtileza, pela sua vã complexidade, irrita os povos, ofende a democracia?”

Dom Quixote

 

José Cardoso Pires

Lisboa –- Livro de Bordo

“Cada um tem uma lisboa pessoal”, era uma frase de José Cardoso Pires. Nesta sua obra escreve: “ninguém poderá conhecer uma cidade se não a souber interrogar, interrogando-se a si mesmo. Ou seja, senão tentar por conta própria os acasos que a tornam imprevisível e lhe dão o mistério da unidade mais dela”. Por isso, este não é um livro para os que praticam as vias-sacras dos monumentos, os labirintos de roteiro ou para os viajantes de museu. É uma rota atenta à luz e às cores, aos cheiros e às vozes, ao humor, ao tom, à sintaxe e aos gestos, “registos inconfundíveis do espirito do lugar”. O autor evoca as antigas tertúlias das letras e da política nos cafés do Rossio, a cor de lisboa na pintura de Bernardo Marques, Carlos Botelho, Abel Manta ou Vieira da Silva, e os bares da capital (“cada bebedor tem o seu mapa, cada mapa os seus portos”). Elege a geografia cultural do Chiado como o local que define Lisboa e, ao recordar a ferida aberta do incêndio de 1988, questiona-se: “Quando estas cicatrizes tiverem fechado, como será este rosto de mim mesmo?”

Relógio D’Água

 

Carlos Morais José

O Arquivo das Confissões – Bernardo Vasques e a Inveja

Os jesuítas de Macau terão criado no século XVI um secreto Arquivo das Confissões para melhor estudarem os meandros das almas dos crentes e, desse modo, adquirirem uma compreensão mais vasta da natureza humana. Para entenderem o que terá levado esses homens a cometer tão grande pecado e arriscar penas eternas. O livro gira em volta da leitura de um desses documentos que narra a história do homem que, devorado pela Inveja, roubou na Ilha de Moçambique um livro de versos ao maior poeta português da sua época. Absorvido pela obra e pelo crime, empreende uma estranha viagem pelos confins da Ásia, que o levará, de infâmia em infâmia, até aos pés de um confessor, na Igreja da Madre de Deus, em Macau, onde procura a absolvição e o esquecimento. Inspirada no roubo de Parnaso, manuscrito do poeta Luís de Camões que desapareceu na Ilha de Moçambique, esta obra tece uma admirável reflexão em torno do sentimento da inveja – “paixão retorcida, deusa esverdeada, aguilhão da História” – e dos seus efeitos devastadores.

Arranha-céus

 

Natália Correia

Entre a Raíz e a Utopia

“Nenhuma sociedade pode ser grande sem grandes homens”, escreveu o filósofo Bertrand Russel, frase escolhida para a epígrafe desta publicação. O grande homem a quem este livro é dedicado é o pensador, pedagogo, ensaísta e cooperativista António Sérgio; a grande mulher a é sua autora, a poetisa Natália Correia. Este conjunto de documentos, na sua maioria inéditos, corresponde a pelo menos doze anos (1946-1958) de uma relação de profunda cumplicidade e de luta pelos ideais universais, vivida entre Natália Correia e António Sérgio (1883-1969). Um encontro entre dois grandes vultos da cultura portuguesa do século XX, sob o signo da fraternidade humana e da paz ou, segundo as palavras de Sérgio, na viva esperança de um cooperativismo integral enquanto libérrima anunciação profética de uma humanidade diversa da que temos hoje.

Ponto de Fuga

 

Romana Romanyshyn e Andriy Lesiv

Alto, baixo, Num Sussurro

Um verdadeiro catálogo ilustrado de sons! No princípio tudo era silêncio. Porém, um dia o universo encheu-se de sons. Sons agradáveis, a música ou os sons da natureza, e sons desagradáveis, a poluição sonora. Sons que ouvimos e sons que não ouvimos. Alguns animais ouvem sons num especto mais amplo que os humanos (as baleias ou os golfinhos comunicam com ultrassons, os morcegos guincham no espectro ultrassónico para se orientarem). O nosso corpo produz a sua própria música com uma grande diversidade de sons (uns mais convenientes que outros!). Este belíssimo livro, Prémio Bologna Raggazzi 2018 – Não Ficção, apresenta-nos as diferentes sonoridades que existem, chamando a atenção para a importância do silêncio e para necessidade de ouvir e escutar o outro. Por vezes sem usar palavras, nem sons. A escritora Romana Romanyshyn e o ilustrador Andriy Lesiv nasceram em 1984, na Ucrânia. Depois de se licenciarem na Academia Nacional de Arte de Lviv, fundaram o estúdio gráfico Agrafka. Formam uma inventiva e premiada dupla de autores de literatura infanto-juvenil.

Orfeu Negro