Quem conta um conto…

"O Crocodilo ou o extraordinário acontecimento irrelevante" no Teatro São Luiz

Quem conta um conto…

A partir de um texto inacabado de Fiodor Dostoievski, Rui Neto construiu uma fábula sobre várias inquietações dos nossos dias. O Crocodilo ou o extraordinário acontecimento irrelevante é uma fantástica comédia negra protagonizada por Rui Melo, Ana Guiomar, Miguel Sopas e Miguel Raposo, onde se conta a inacreditável história de Ivan, um sonhador de inolvidáveis aventuras que acaba devorado por um grande crocodilo albino.

Há uns anos, quando decidiu começar a escrever para teatro, Rui Neto descobriu um velho fascículo abandonado numa prateleira de livros dos seus pais. Ali jazia, tão incógnito, um pequeno conto inacabado do grande escritor russo Dostoievski. Chamava-se KroKodil e narrava a insólita e terrível história de Ivan, que durante um passeio pelo jardim zoológico de São Petersburgo foi devorado de um só trago por um enorme crocodilo albino. Desengane-se quem crê que tal “extraordinário acontecimento” tenha levado Ivan a encontrar a morte. Pelo contrário, o homem sobreviveu intacto, e Neto descobriu que poderia acrescentar mais do que um ponto e completar o que falta do conto.

“Digamos que tomei a liberdade de prosseguir a história que Dostoievski não completou”, esclarece o autor e encenador. “Decidi tornar o aparentemente terrível destino de Ivan no grande motivo de atração do parque”. E, assim, surgiram nesta “extensão do conto” as tão pérfidas personagens do banqueiro, do economista e do político que vão lançar os dados e decidir que “mais vale o lucro gerado pela nova atração do que a salvação do homem”. Tudo normal, portanto.

O ator Miguel Sopas interpreta várias personagens nesta deliciosa comédia negra de Rui Neto.

 

Então Ivan, esse sonhador que ambicionava explorar as Galápagos tal como Darwin, e tinha como consorte uma bela companheira obcecada por uma viagem a Paris, lá acabou encarcerado na boca do crocodilo. Mas será que para ele foi assim tão terrível o destino?

Entre o surreal, o grotesco e o absurdo, O Crocodilo ou o extraordinário acontecimento irrelevante é um delicioso espetáculo sobre um homem banal que ganha a importância que nunca esperou. Um homem simples, “quase uma criança”, abandonado num mundo em que, a cada momento, “um acontecimento extraordinário depressa se torna irrelevante.”