Sorolla, esse ilustre desconhecido

'Terra Adentro - A Espanha de Joaquín Sorolla' no MNAA

Sorolla, esse ilustre desconhecido

Até final de março, o Museu Nacional de Arte Antiga expõe 118 pinturas do valenciano Joaquín Sorolla, vulto maior da pintura moderna europeia. Organizada em parceria com o Museu Sorolla, de Madrid, a mostra pretende dar a descobrir um artista, afinal, muito pouco conhecido em Portugal, embora nos últimos anos lhe tenha sido confirmado um lugar de pleno direito na pintura de finais do século XIX e inícios do século XX. Com o cerne na paisagem, Terra Adentro – A Espanha de Joaquín Sorolla revela, contra todos os estereótipos, um pintor “moderno” em busca de uma Espanha republicana, regionalista e regeneracionista.

Cenas de beira-mar em praias do Levante, pescadores na faina na zona costeira de Valência ou crianças e jovens veraneantes em brincadeiras estivais são algumas das imagens mais marcantes da obra de Joaquín Sorolla y Bastida (Valência, 1863 – Cercedilla, 1923). Em parte, são aquelas que lhe granjearam fama e popularidade em vida, mas também uma notória indiferença, e até irrelevância histórica e crítica, ao longo de décadas. Em Portugal, como António Filipe Pimentel e José Alberto Seabra Carvalho apontam na recensão incluída no catálogo da presente exposição, Sorolla foi praticamente ignorado pela historiografia da arte, tendo sido alvo de “uma simplista e estereotipada interpretação da sua obra, ao ponto de muitos o entenderem como uma espécie de Malhoa espanhol.”

Como consideram o diretor e subdiretor do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), respetivamente, o valenciano foi “um grande pintor, moderno no seu tempo embora não «vanguardista», inovador mas comprometido com os mestres do passado”. Por isso mesmo, essencial para a compreensão da “pintura finissecular do século XIX e das primeiras décadas do século XX, sem obediência às narrativas oficiais e académicas que, por assim dizer, passam do impressionismo e do pós-impressionismo para o cubismo ou o modernismo, como se entre ambos não mais tivesse havido do que um deserto.”

Meninas no Mar, 1909 ©Museo Sorolla y Fundación Museo Sorolla

 

A comissária de Terra Adentro – A Espanha de Joaquín Sorolla, Carmen Pena, explicita mesmo, como causa para tantos equívocos e preconceitos em relação à obra de “luministas” como Sorolla, o facto da historiografia da arte do século passado ter privilegiado os impressionistas, “considerados pintores de vanguarda do século XIX”. Afinal, foram esses “contemporâneos” que detiveram “um papel hegemónico nessa narrativa, que privilegiou os fenómenos vanguardistas enquanto processo explicativo da arte contemporânea.”

Não sendo, portanto, um vanguardista, o que existe de tão “moderno” na obra de Sorolla, e como é que o pintor recuperou internacionalmente um lugar destacado na historiografia da arte (lugar que, aliás, os espanhóis nunca lhe recusaram)? Carmen Pena justifica-o com a “oficialização” das vanguardas, que passaram de “transgressoras a modelos canónicos”, e com isso ajudaram a relevar na história da arte de finais do século passado alguns desses denominados “modernos integrados”, ou seja, “pintores da moda” na sua época, formados nas escolas nacionais, entre os quais se incluía Sorolla, e que fizeram frisson nos salões de Paris e nas exposições universais.

O Arco-Iris, El Pardo, 1907 © Museo Sorolla y Fundación Museo Sorolla

 

O “moderno” na obra do pintor valenciano acentua-se naquilo que Pena considera o “denominador comum da sua obra”: “conseguir captar os infindáveis e mutáveis efeitos da luz ao ar livre, no contexto da física moderna das cores e como uma aplicação experimental”, e com isso “conseguir modernos efeitos lumínicos”, a que não será de modo algum estranho a “nova” arte da fotografia a que era particularmente atento. Aliás, tal como os seus contemporâneos luministas e impressionistas, como Degas ou Monet, na pintura de paisagem.

É precisamente no outro Sorolla, o “introspetivo”, o da Terra Adentro, como que em contraste com o Sorolla “solar” das praias mediterrânicas, que se afirma o génio de um “moderno”. Como refere Román Casares, da Fundação Museo Sorolla, foi “nas paisagens espanholas do interior, às vezes despidas, severas, imponentes” que o pintor descobriu “outros motivos para a sua pintura e outras razões para perceber o seu país.”

Nesta magnífica exposição do MNAA, o visitante poderá testemunhar os dois lados de Sorolla: o do realista “otimista e luminoso”, que tantos conhecem; e esse que ainda permanece quase desconhecido – o das solitárias paisagens de uma Espanha sonhada, demonstrativa, como sublinha Carmen Pena, do “pensamento regenerador espanhol da sua época”, que procurou através da pintura novos “ícones identitários”. Este último, com certeza, uma grande revelação.