João Pedro Pais

20 anos de carreira

João Pedro Pais

João Pedro Pais comemora 20 anos de carreira. O miúdo tímido que participou no programa Chuva de Estrelas, em 1995, cresceu e tornou-se um fenómeno nacional. O cantor e músico, sempre muito recatado em relação à sua vida privada e grande crítico da exposição exagerada nas redes sociais, atua no Coliseu dos Recreios a 27 e 28 de outubro. Com ele, vai estar, entre outros músicos e amigos, o guitarrista de Bryan Adams, Keith Scott.

Comemoras 20 anos de carreira. Que memórias guardas desse início?

Foi um início de incerteza, ansiedade, desconfiança, de alguma insegurança, de receio de cair no ridículo. Vejo muita gente a cair no ridículo: a maneira como se expressam em televisão, como se mostram nas redes sociais… Expõem-se demais nas redes sociais. Esquecem-se de que têm um futuro à frente. É que nem sempre se está lá em cima; quando estão cá em baixo fica um silêncio terrível e não serão capazes de lidar com esse silêncio. Hoje acham-lhes graça, mas haverá um momento em que cairão em desgraça. Eu sempre contei com essa desgraça. Essa timidez que as pessoas acharam que eu tinha era propositada, no sentido de não dar confiança, para que não invadissem o meu mundo, o meu espaço. Se corresse tudo mal, eu já estava preparado para isso.

Sempre foste muito recatado em relação à tua vida pessoal…

O Eddie Vedder diz uma coisa com a qual sempre concordei: “músico que é músico só deve falar sobre música e nunca sobre a sua vida pessoal para não ficar exposto e não haver qualquer tipo de preconceito”. Houve momentos em que as editoras me diziam que eu devia ir a determinado programa falar sobre a minha vida, mas nunca me quis expor, sempre disse que isso não era importante, não era isso que me ia fazer vender discos ou mais espetáculos, simplesmente ia expor-me mais.

Foste um promissor lutador de lutas greco-romanas. Alguma vez te arrependeste de ter deixado o desporto para trás?

Costuma-se dizer que já temos a vida traçada. Não sei se será bem assim, mas há coisas que acontecem na nossa vida por uma decisão do momento em que tudo se perde ou tudo se ganha, que foi o que aconteceu com a minha participação no Chuva de Estrelas. Nunca me arrependi, no sentido em que o desporto continua a fazer parte da minha vida, nunca o deixei. Continuo a envolver-me nas lutas, a acompanhar jovens atletas (fui a Las Vegas acompanhar o campeonato do mundo, fui a Paris e a Madrid acompanhar torneios) mas, tendo a consciência de que a minha vida agora é musical e de que sou cantor das minhas canções.

Ficaste conhecido do grande público depois de teres participado num programa de televisão. Imaginavas que ias chegar aqui?

Não, não imaginei e isto não é demagogia alguma, simplesmente não sou hipócrita. Eram tempos diferentes, não havia nada parecido, o programa dava às sextas-feiras e tinha uma audiência de dois milhões de pessoas. Hoje a informação é tanta que as pessoas dispersam-se mais. Na altura eu era atleta de alta competição de luta greco-romana, pertencia à seleção nacional. Representava a seleção em campeonatos do mundo, da Europa… Ainda hoje treino e a minha vida continua a ser como era, o que mudou foi o facto de me expor publicamente a cantar. De resto não mudou nada, continuo a ter o meu silêncio, o meu espaço. Continuo a sentar-me no Jardim da Estrela a pensar, sozinho. Ainda não me deu para falar sozinho [risos], isso é só quando estou a compor. Sou um monólogo de mim próprio.

Incomoda-te quando as pessoas te abordam?

Não me incomoda nada, desde que sejam educadas. Nesse aspeto tenho tido sorte, nestes 20 anos as pessoas sempre me respeitaram.

Ao longo desses anos de carreira trabalhaste com muita gente, inclusivamente fizeste uma tournée com o Bryan Adams. Quando se chega a esse patamar consegue-se manter a humildade?

O desporto deu-me a decência de saber estar, de respeitar, de não subestimar o outro. Não sou um dado adquirido, há sempre alguém melhor do que eu. Vivo da minha criatividade, mas também sou influenciado pelo que leio e ouço, mas tenho a consciência de que não inventei nada.

©Nuno Fontinha

Sempre foste um artista muito acarinhado pelo público e pelas rádios. Os teus clássicos mais antigos passam com frequência. O que sentes quando ouves uma canção tua?

Fico envergonhado [risos], porque hoje em dia já não canto essas músicas da mesma forma. Hoje já têm mais tempero, mais sal. Acho que as pessoas gostavam das minhas canções pelas melodias e não pela minha forma de cantar. Foi isso que chegou às pessoas. Acho que algumas dessas canções foram mal produzidas. Os produtores eram ingénuos, não tinham muita experiência com o meu tipo de música, queriam fazer as coisas à sua maneira. Hoje ouço e não gosto. Respeito, porque faz parte da minha história, mas sou muito mais exigente e crítico, e sei que faço muito melhor.

Revês-te nas letras dessas canções mais antigas?

Sim. Revejo-me, por exemplo, no Ninguém é de Ninguém. Acho essa letra brutal e muito atual. Alguns homens pensam que são donos das mulheres e depois há aquele provérbio estúpido, que diz que “entre marido e mulher ninguém mete a colher.  Por isso é que têm morrido uma data de mulheres, porque ninguém se meteu! Se alguém se apercebe que as coisas estão mal, então devem meter-se, sim. Devem queixar-se, devem dizer. Eu pertenço a mim próprio. Quem estiver comigo também não me pertence. É um acordo de amor enquanto estivermos juntos.

O processo de escrita alterou-se com o teu amadurecimento?

Claro que sim, tenho mais cuidado, mais confiança, se bem que isso às vezes pode ser perigoso porque, antigamente, eu escrevia aquilo que me saía e não pensava mais no assunto. Hoje não, já sou mais exigente comigo próprio, o que pode tirar alguma autenticidade ao processo.

És uma pessoa muito reservada no que toca à tua vida privada, no entanto, escreves as tuas próprias letras, onde partilhas pedaços da tua vida. Isso faz-te sentir exposto de alguma forma?

Claro que sim, porque as canções são autobiográficas. É um risco que corro porque a minha vida é contada nas canções: as minhas relações, amizades, experiências…

Isso também serve de terapia?

Uma vez um colega meu disse-me que eu nunca estava sozinho, porque pego na viola e estou comigo. É verdade, nunca tinha pensado nisso…

O teu filho também é músico. É caso para dizer que ‘filho de peixe sabe nadar’?

Sim, tem muita influência. Mas, muita atenção, porque ele é muito melhor do que eu. Ele sabe o talento que tem como baterista, guitarrista e cantor. Ele quer construir o seu caminho, mas se tiver que ser comigo ele prefere não seguir, não quer dormir à sombra do apelido. Sabe bem o que quer e toca mesmo muito…

Este mês atuas em dose dupla no Coliseu, em dois concertos praticamente esgotados. O que estás a preparar?

Vai ser um concerto para reavivar memórias e histórias. As músicas mais antigas terão novas roupagens, mas sem descaracterizar, sem fugir à harmonia. Improvisando mais, sentindo-me mais à vontade com as próprias canções. Vou ter um quarteto de cordas, vou ter o Keith Scott (guitarrista do Bryan Adams) a tocar comigo. Haverá momentos em que estarei só eu a cantar com a viola, ou com o piano, assim uma coisa mais despida.

Para quando um novo disco?

Já estou a compor, não posso parar. A minha continuidade na música depende da minha criatividade, e nesse aspeto não vivo do passado. Há pessoas que vivem do passado, tocam sempre as mesmas canções com 30 anos. Isso faz-me muita confusão. As pessoas querem coisas novas. Claro que tenho que cantar as coisas mais antigas, mas tenho que dar a conhecer o que vou fazendo, que é atual. Espero ter um novo disco de originais já em 2019.